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sexta-feira, 1 de março de 2013

Os talheres do religioso


         Algumas histórias, na memória comunitária, perpassam gerações em função do detalhe. As famosas pérolas perpetuadas nas conversas da tradição oral. Os autores da vivência levam-os junto a sepultura como fama.
Os religiosos, na atuação pastoral, mostram-se muito cobrados e observados na coerência. A prática e teoria precisam andar de mãos dadas no cotidiano dos afazeres. “As ovelhas espelham-se no condutor do rebanho”. “O faça o que eu digo, porém não faça o que eu faço” não funciona a contento.
Um certo religioso, numa localidade do interior das grotas, residia na tradicional casa pastoral. Ele, na sua companhia, mantinha uma modesta funcionária/empregada. Esta ocupava-se no atendimento das necessidades da residência. As faxinas, refeições e roupas recaiam-lhe como encargos e obrigações.
O padre/pastor, neste caso não interessa a confessionalidade, poderia fazer um melhor atendimento aos serviços comunitários. Os batizados, casamentos, enterros, sermões e visitas mantinham agenda cheia. O tempo, para os afazeres e obrigações particulares, ficaria complicado e difícil de atender e honrar.
A menina moça, advinda igualmente das colônias e de origem duma família honrada e pobre, precisou residir junto a residência. Ela, como mandava o bom senso, ganhou seu quarto próprio. Aquela história de residir com celibatário causava estranheza nos curiosos. As relações, com o tempo de convivência, levantaram suspeitas de maiores intimidades. Este, com idade para ser pai dela, não poderia ostentar tamanha proximidade daquela companhia feminina.
As suspeitas, com falatórios generalizados na comunidade, era dos dois dormirem juntos, porém não constituírem um casal. A parte masculina, de uma forma veemente, negava quaisquer relacionamentos íntimos. As acentuadas diferenças de idade somaram-se ao impecilho da constituição familiar.
Umas metidas senhoras, esposas de membros da diretoria, queriam tirar a limpo a história. Estas queriam desfazer suas dúvidas de, afinal, dormirem ou não juntos os dois. Os comentários e falatórios, numa pequena comunidade,  arrastava-se a uns bons meses. A dificuldade de esconder o relacionamento, numa época de negação desse tipo de comportamento social e ainda por parte do pároco, mostravam-se cada vez mais complicado e difícil.
Um trio de senhoras, numa certa ocasião, arrumou algum pretexto de visita a casa pastoral. Estas, de uma e outra maneira, fizeram artimanhas para ter acesso ao interior da moradia. Elas, como “boas amigas e velhas conhecidas”, tiveram os passos facilitados. As metidas/ousadas cidadãs, num cochilo e distração da menina moça, avançaram sobre algumas talheres a mão. Estes ganharam uma serventia e uso ímpar.
As peças, de forma ardilosa e discreta, foram colocadas/escondidas entre o colchão e o lençol na cama da empregada. Algumas colheres, facas e garfos, cobertas por alguma coberta, ostentavam-se bem abrigadas e escondidas. O achado destes, na proporção de dormir na cama, seria fácil e estranho. O primeiro uso do móvel revelaria o impróprio. Os artefatos, numas noites, ficaram indiferentes ao achado humano.
O religioso, nos comunicados do evento religioso dominical  fez referência sobre o sumiço da coleção de materiais. Este, em meio a igreja, falou: “– Gostaria de reaver as minhas peças de talheres. Estas, numa infelicidade, sumiram da casa pastoral. O ladrão, sem maiores represálias, poderia fazer o favor e a gentileza de devolvê-las. Agradece-se deste já pela cortesia!”
As mulheres, de forma discreta e com leve sorriso nos lábios, entre-olharem-se em meio ao comunicado. A funcionária, estando na casa em diversos noites, não tinha dormido na sua aparente e costumeira cama (caso contrário, de imediato, teria deparado com os talheres). A funcionária e o religioso “tinham mordido a isca” e dormido em companhia. As senhoras, de forma indireta, induziram a funcionária a descobrir as peças. As partes, na surdina, constituíam um casal (apesar do religioso continuar negando a suspeita). O desfecho da história, como relacionamento, desconhece-se pelo autor.
A história retrata a realidade comunitária. Os membros podem aparentar ingenuidade, porém possuem conhecimento dos fatos. As suspeitas, de maneira geral, costumam ter um fundo de verdade. As conversas e falatórias não surgem por mera casualidade. A incoerência  entre a prática e teoria, é difíceis de sustentar por tempo indefinido. As singelas atitudes e comportamentos, nas entrelinhas, denunciam a realidade das vivências.
O indivíduo nunca pode subestimar a astúcia e inteligência humana. A vizinhança, de forma indireta, acompanha a vida familiar próxima. Um cidadão, como líder comunitário, coloca sua vida particular na vitrine.

Observação: História contada por Romildo Spellmeier/Colinas/RS.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://momentosdacasa.blogspot.com.br

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O mimo comunitário


       Uma centenária comunidade possuía problemas de frequência na sua assembleia anual. Esta, numa exclusiva oportunidade, sucedia-se no centro comunitário. Os membros, nalgumas centenas, careciam de comparecer. O evento da prestação de contas e acerto de resoluções pouca atenção e interesse despertavam.
Os membros com aquelas desculpas e indiferenças para fazerem-se presentes. Uns poucos nem queriam ouvir falar do assunto (sob o temor de ganhar algum cargo na diretoria). Outros, por tradição, ainda pertenciam como membros (em função da necessidade de bom senso em estar associado nalguma entidade). As assembleias, a cada ano, ajuntavam menos gente. Os participantes resumiam-se a menos de duas dezenas. Estes, “gatos pingados”, costumeiramente ligaram-se a familiares de integrantes das diretorias.
A resolução, numa altura, consistiu numa mudança de rota. Ouviu-se conselho aqui e sugestão acolá! Nada de maiores geniais ideias e de audaciosas inovações. Uns, a título de exemplo, falaram em sorteio de brindes. Algum mais no convite pessoal por famílias. Outro, como sugestão milagrosa, falou no oferecimento dum almoço cortesia. A comunidade, no dia da assembleia geral, custearia os encargos da refeição. Os beneficiados seriam todos os membros em dia com a tesouraria. Uma gratificação por ter honrado os compromissos das mensalidades assim como fazer-se presente ao encontro.
A receita, em forma de decisão de assembleia, foi colocada em prática. Adveio a surpresa. Aquela choça/morna reunião, de escassos membros, ganhou consideração,  entusiasmo e frequência. Inúmeras famílias, na totalidade dos integrantes, “afluíram como formigas em romaria”. Aquela data, num domingo de manhã pré-determinado, ganhou importância e interesse especial. As senhoras ganharam folga dos fogões na cozinha. Os maridos alívio momentâneo das churrasqueiras. Famílias deixaram de gastar em quiosques e restaurantes. Algum pão duro viu o momento próprio de diluir dispêndios com mensalidades...
O curioso e interessante sucedia-se com a real prestação de contas. Muitos, das centenas de participantes, pouco compreendiam ou interrogavam sobre os números expostos. Outros deram a mínima as conversas e polêmicas comunitárias. Alguns, num claro descaso, achegaram após a realização da assembleia. Todos, sem nenhuma exceção, ganharam o mimo. A preocupação era não criar comentários e descontentamentos.
A entidade, com o sucesso da empleitada, instituiu a experiência como norma. Aquela data, na agenda, ganhava reserva à frequência. O interesse, de integrar/participar duma diretoria/gestão, manteve-se naquele empurra-empurra e marasmo. Poucos, como obrigação e vocação, unicamente fizeram a gentileza de abraçar a causa. Estes, como doação de tempo e trabalho, deram sua contribuição.
O espírito humano ostenta-se deveras interesseiro. Este, sem maior gratificação ou recompensa, carece de interessar-se pela coisa comunitária.  Muitos aquela briga para pagar e outros anos sucessivos na inadimplência. Alguns mais simplesmente evadiram da entidade em função de precisar “abrir a mão”. O dinheiro havia para outras diversas necessidades, porém nada de maiores dispêndios com entidades. As cobranças compulsórias ocorriam unicamente nos encargos das coisas públicas. As autoridades, sob o signo duma legislação criada pelas instâncias políticas, instituíram dispêndios e estes eram cobrados/embutidos nos produtos e serviços.
O indivíduo interpreta o gênero humano a partir das necessidades básicas. Os animais matam-se por comida e os homens trucidam-se por dinheiro. Os cara de pau, no contexto das cortesias e mimos, chegam as raias dos abusos e ridículos. Os encargos espantam os indivíduos na proporção dos chamariscos aproximarem os homens.        
Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano da Vida”

Crédito da imagem: http://visitepetropolis.com

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Incidente Kiss


Uma hora e 45 minutos da madrugada.
Olho para o relógio.
O celular marca o dia 27 de fevereiro de 2013.
Então, tristemente, me vem à mente a lembrança de todos aqueles que se foram com a tragédia da Boate Kiss e hoje infelizmente não podem estar entre nós. Há um mês atrás, exatamente um mês, estes eram os últimos momentos de vida de 239 jovens, a maioria estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ao qual conviviam semanalmente comigo nos limites do campus. Às duas horas e 30 minutos (27 de janeiro), começaria o show de horrores.
Será uma lembrança que jamais se consumirá no pensamento de todos que estiveram próximos ao incidente e vislumbraram a profunda tristeza de centenas de pais chorando sobre os corpos dos seus jovens filhos. Nem mil páginas poderiam explicar a indescritível dor, a qual se via por toda a cidade santamariense, especialmente nas famílias e amigos das vítimas.
Não há nada que se possa fazer para trazê-los de volta. A única forma de recordá-los é pensando nas coisas boas que fizeram e nas inúmeras virtudes que levavam consigo para onde quer que fossem.
A saudade será eterna! Saber que eu poderia ter sido mais uma das vítimas, já que pretendia ir na referida festa naquela noite, é um fato de imensurável peso sentimental capaz de promover reflexões sobre os mais enraizados valores de vida.
Desejamos, agora, somente que a justiça seja feita! Que aqueles que foram responsáveis pelas mortes de tanta gente inocente paguem pelo que fizeram, mesmo que talvez não o tenham feito de forma intencional.
Aqui diante do Criador e das pessoas que por eventualidade venham a ler estas breves linhas juro que jamais esquecer-me-ei deste acontecimento que presenciei e que nortearei a minha vida ao rumo da solidariedade e compaixão ao ser humano, já que são nestas horas que vemos a nossa insignificância diante do universo e que nada levar-se-á desta vida.
Que Deus, o Senhor dos Propósitos, guarde as almas de todos aqueles que pereceram no incêndio da Boate Kiss! 
Que esta calamidade sirva de exemplo para que outras tantas sejam evitadas mundo afora!
Que Deus abençoe Santa Maria-RS!
Júlio César Lang
27 de fevereiro de 2013
Crédito da imagem: http://extra.globo.com 

Os comedores de terras


Os moradores, reunidos na tradicional conversa informal, explanaram umas e outras boas e interessantes histórias e relatos. A conversação, numa turma de dezenas de amigos e conhecidos, aborda os assuntos e temas mais profundos e variados. A essência dos diálogos relacionam-se as narrações de experiências e vivências.
O tema terra cedo entrou na pauta. Inúmeras famílias, numas reservas acumuladas por gerações, “viram as posses escorrer entre os dedos”. Uns poucos anos bastaram na sucessão de gerações e as sobras “foram-se ralo abaixo”. Jovens abraçaram a causa da administração e gerenciamento. As estirpes, no ínterim das vivências, partiram na direção dos ancionatos ou derradeiros repousos.
A economia austera e espírito poupador, comum entre as primeiras levas de pioneiros e descendentes, perderam-se como princípios familiares. A ânsia de consumo, em meio a desenfreada propaganda na mídia, tornou-se algo banal e vicioso. Os forasteiros, com as uniões matrimoniais, entraram nos seios das clãs. Estes, com cobranças e sugestões, redimensionaram doutrinas e valores. A importância das terras, no seios familiares, inclui-se nesta preocupação.
Inúmeros coloniais, migrantes do campo a cidade, cercaram-se de companhias das cidades. Estas, em função das experiências e vivências urbanas, nunca deram maior importância/valor às terras das colônias. Estas, cobertas de matos ou lavouras localizadas nas grotas, viram-se relegadas ao abandono ou descaso. A ideia original, de primeira oportunidade, consiste em “em passá-las no troco”. Inúmeros migrantes, no propósito de jamais reinstalar-se nas colônias, acataram a resolução.
As terras, vendidas a antiga vizinhança, angariaram expressivas somas. O dinheiro usufruído, de maneira geral, acabou canalizado às necessidades de consumo. As lojas, mercados e revendas aumentaram sua clientela e lucros. Os recursos, acumulados com tamanha economia, sacrifício e trabalho (de anos ou décadas), cedo “viraram pó”. As companhias, por completo, gastaram-nos nas atividades terciárias (boa parte em luxo). Adveio a expressão correspondente de “comedores de terra”. Os membros, no consumo diário, gastaram um dinheiro valioso e volumoso.
Os patrimônios familiares, fruto de heranças, viram-se consumidos por quem menos batalhou/contribuiu para acumular sobras. Os familiares/parcerias, uns casos as femininas e noutras as masculinas, tornaram-se os consumidores. A prática trouxe a troca de mãos de inúmeras e valiosas reservas. Diversas famílias, apegados a terra por gerações, abandonaram a atividade agrícola e enveredaram pelo caminho da urbanização.
As terras, com as exportações dos produtos do campo, assumiram valores exorbitantes. Os hectares mecanizáveis custam verdadeiras fortunas. Quem comprou, ganhou  dinheiro; quem vendeu, arrependeu-se de perdas. Outros poucos, em prédios e terrenos, reaplicaram os recursos nos ambientes urbanos.
Uma realidade colonial nova significa o aluguel de terras. Diversos colonos, com os potentes tratores, tratam de arrendar áreas/lavouras. O valor do aluguel, em média, dá um salário mínimo por hectare/ano.  A locação permite a extração de três safras anuais: duas de verão e uma de inverno. Os inquilinos  com a massiva adubação, procuram extrair os limites do máximo. As áreas cedidas precisam estar livres de obstáculos (pedras e tocos). A mecanização precisa ser fácil e o solo fértil. Um negócio compensador para quem aluga. Eventuais prejuízos, com estiagens e pragas, recaem sobre os arrendatários.
A terra, num contexto econômico inflacionário, nunca perde seu real valor. Os solos precisam ser trabalhados caso contrário tornam-se encargos. Os rurais, diante das realidades dos fatos e vivências, fazem abordagens e criam histórias.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem:http://www.spni.com.br 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A fábula das idades

Deus criou o burro e disse-lhe:
- Obedecerás ao homem, carregarás fardos pesados e viverás 30 anos. Serás o burro!
O burro se voltou para Deus e disse:
- Senhor, ser burro carregar peso e viver 30 anos? É muito: bastam-me 10.
Deus, então, criou o cachorro e disse:
- Comerás o osso que for jogado ao chão, cuidarás da casa do homem e viverás 20 anos. Serás o cachorro!
Por razões semelhantes, às do burro, o cão preferiu viver só 10 anos.
E Deus criou depois o macaco:
- Pularás de galho em galho, farás macaquices, viverás 20 anos. Serás o macaco!
E o macaco achou que seria cansativo viver tanto tempo. Pediu para viver o mesmo tempo de um cão.
Por fim, Deus criou o homem e disse:
- Serás o rei dos animais, dominarás o mundo, serás inteligente e viverás 30 anos.
O homem virou-se para Deus e disse:
- Dominar o mundo e viver apenas 30 anos? Dê-me, Senhor, os 20 que o burro não quis, os dez do cachorro e os dez do macaco!
E Deus atendeu o pedido...
Até os 30, o homem vive como homem, os 20 anos seguintes vive como burro (carregando os fardos da família e da vida), dos 50 aos 60 passa a tomar conta da casa como o cachorro), e a partir dos 60, assim como o macaco, vive de casa em casa, visita os filhos e faz gracinhas aos netos.

Crédito da imagem: http://fabio10i.blogspot.com.br

O vendedor de porongos

Tamanhos e formatos da cabaça

Um colonial, numa certa ocasião, dirigiu-se à cidade. Este procedeu uma visita aos parentes. Na oportunidade aproveitou para levar alguma encomenda de cuias. Este, pelos porongos escolhidos a dedo, ganhou boa soma. Ele, numa conversa informal, relatou o sucedido ao curioso e necessitado vizinho.
Este, com os tradicionais problemas financeiros, pensou numa forma de comercializar  sua relegada produção. Algumas mudas, numa casualidade, haviam nascido e crescido num amontoado de esterco curtido. Os singelos pés (plantas) produziram algumas centenas de frutos. O produtor, diante da fala, vislumbrou a oportunidade de comercializá-los na cidade. Ele, com a o auxílio dos familiares, colocou mãos a colheita.
O produtor, nos primórdios da colonização (por volta de 1875), encheu uma carroçada de frutos. Ele, num certo dia, partiu pela esburrada estrada geral. Os familiares, com as prováveis vendas, aproveitaram o momento para encomendar uma porção de compras. A família, como pedido, almejava uma porção de quinquilharias (com o dinheiro auferido na venda).
O vendedor de porongos, na estrada de ida, precisou pegar uma barca para atravessar o rio (Taquari). O curso fluvial, nos meses chuvosos do inverno, ostenta acentuados volumes de águas. O camarada, depois de um deslocamento de quilômetros, achegou-se às cidades (principiantes núcleos urbanos de Estrela e Lajeado/RS). Ele, aqui e acolá nas casas dos moradores, ofereceu seu produto colonial.
Os naturais, de maneira geral, mostraram descaso com a mercadoria. Um produto comum, de fácil produção, nas lavouras das colônias. Este, numa profunda decepção, não conseguiu efetuar maiores vendas. Os dispêndios, de manutenção e subsistência, mal viram-se cobertos com vendas. As necessidades levaram a dispender o escasso dinheiro. O desânimo, numa altura, levaram-o a retomar o caminho de casa.  
O cidadão, diante das carências e dificuldades, obrigou-se a poupar e sacrificar-se mais. Ele procurou diluir e diminuir o prejuízo. O raciocínio, em termos gerais, consistia: “- Já que não vendi, não tenho como contratar os serviços de retorna da barca (diante da inexistência de ponte). Procurarei algum passo (passagem rasa no rio). Os animais e carroça, a nado, podem atravessar pelas águas”. Ele, sem maiores floreios e rodeios, procedeu dessa forma.
A junta de bois, conduzido nas rédeas, incursionaram pela passagem. Os porongos, sendo leves, passaram a flutuar nas águas. As peças, com o afundamento da carroça, foram correnteza abaixo (na direção da confluência dos rios). O veículo, noutra margem, viu-se esvaziado e lavado.
O produtor, achegando-se à casa, causou admiração aos familiares. Os gritos dos filhos eram: “- O pai vendeu tudo! O pai comprou nossas encomendas!” A esposa reforçou o barulho com o interrogatório: “- Vendeu todos os porongos? Deu para ganhar o dinheiro?” O marido, não sabendo que dizer ou explicar diante do esdrúxulo resultado, respondeu: “- Procurei mandar tudo para Porto Alegre!” (através da direção dos rios Taquari, Jacuí e Guaíba). A dedicação e o trabalho tinham sido em vão. A penúria monetária manteve-se como sina familiar.
Os produtores continuamente defrontam-se com as carências de mercados. A viabilidade econômica duma propriedade minifundiária de subsistência familiar ostenta-se um tremendo desafio. Inúmeros empreendimentos e negócios exigem  labuta e sacrifício, porém os resultados mostram-se mediocres. Mercadorias de fácil produção costumam conviver com carências de aceitação no mercado.

Observação: História narrada por Romildo Spellmeier/Colinas/RS.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://www.viladoartesao.com.br

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A quem pertence?


Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que se dedicava a ensinar zen aos jovens.
Apesar de sua idade, conta a lenda que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.
Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali.
Queria derrotar o samurai e aumentar sua fama.
O velho aceitou o desafio e o jovem começou a insultá-lo.
Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou insultos, ofendeu seus ancestrais.
Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível.
No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.
Desapontados, os alunos perguntaram ao mestre como ele pudera suportar tanta indignidade.
- Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pretende o presente?
- A quem tentou entregá-lo. – Respondeu um dos discípulos.
- O mesmo vale para a inveja, a raiva e os insultos. Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo.
A sua paz interior depende exclusivamente de você.
As pessoas não podem lhe tiram a serenidade.
Só se você permitir. 
       
 Legrand (dados biográficos desconhecidos)

Crédito da imagem: http://alternativajr.blogspot.com.br