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terça-feira, 9 de junho de 2020

EVOLUÇÃO DAS LINHAS DE LEITE


Guido Lang

As localidades, a partir da década de trinta, conheceram um serviço rural, que passou a redimensionar a atividade produtiva e a vida social de inúmeras comunidades interioranas. O trabalho de escoamento de leite tomou impulso ao implantar-se contínuas melhorias de locomoção e transporte. O volume da produção, em substituição ao outrora mercado da nata, exigiu inovações que fizeram-se ao longo das décadas. Uma casta de novos ricos aflorou com a produção leiteira, enquanto a massa produtora de leite não acumulou maiores divisas financeiras; os interioranos, como de praxe, conseguiram poucos recursos advindos de uma penosa labuta.
As primeiras linhas de leite, curiosamente, começaram mediante o transporte equino. Algumas latas eram amarradas na sela dos animais. Os recipientes eram enchidos num ponto comum e em seguida, de carroça, eram escoados em direção aos laticínios. A vantagem desse transporte era relacionado ao fácil acesso, pois quaisquer becos de chão batido eram alcançáveis. Os caminhos da roça eram percorridos com a finalidade de escoar algumas dezenas de litros. Os transportadores, desrespeitando as intempéries e costumeiramente acompanhados de alguma cachorrada, tratavam de fazer o penoso serviço. Não acumulavam, porém maiores dividendos com a labuta. Faziam, no entanto, boas amizades e relações sociais no contexto da colonada.
Os carroceiros de leite foram a segunda etapa do processo produtivo. Com um conjunto de quatro a seis animais (burros ou bois) iam juntando o produto na picada. Um maior número de produtores exigiu uma ampliação dos volumes carregados, assim o transporte equino tornava-se antieconômico. Algum leiteiro, tendo de dez a vinte latas na carroça, tratava de apanhar e juntar o produto, e “o negócio da comercialização d’água” podia correr solto. A exclusão social tomava-se uma realidade devido a descoberta de falcatruas. O carregador, em média, levava meio dia para percorrer o percurso de meia dúzia de quilômetros, que estendiam-se da sua casa até a “nataria”. Este, igualmente, não acumulou nada de expressivo com o serviço que mal e mal deu para o sustento familiar: alguma criação e plantação complementava as exigências de sobrevivência. 
O caminhão leiteiro se tornou a terceira empreitada, no qual podia-se carregar alguns milhares de litros e percorrer diversas dezenas de quilômetros. Os leiteiros começaram a ostentar uma expressão econômica e social destacada, ganharam dinheiro, fama e influência. Estes tornaram-se o elo entre produtores e empresas, pois, além de levar o leite, tratavam de trazer mercadorias. O transporte de rações e produtos diversos passava pelo veículo automotor, abrindo assim uma espécie de transportadora rural. Os dividendos financeiros, desta forma, que afluíam de diversos meios, puderam oferecer um bom nível de vida: uma residência confortável, um bom carro, renovação periódica do caminhão, compra de novas linhas de leite eram possibilidades.
O leiteiro e sua família eram figuras chaves nas festas familiares de confirmação e casamento. Ele, costumeiramente, era um dos primeiros convidados, pois atendia aos diversos moradores da comuna. O seu caminhão de leite, em costumeiras oportunidades, parecia mais uma linha de ônibus, do que um escoador da produção colonial. As caronas de produtores, diante da ausência de linhas de ônibus ou o desejo de não custear as passagens, eram corriqueiras e a cabine era muitíssimo disputada. Algumas senhoras, esposas de produtores, até adquiriram fama, porque, com extrema frequência, utilizavam-se do serviço; algumas tinham a preferência de sentar próximo ao motorista-proprietário, e os boatos de casos amorosos tomavam vulto.
Os caminhões-tanque são a recente inovação, pois primam pela eficiência e higiene do carregamento. Eles são frutos das inovações mercadológicas, porque o mercado busca a racionalização de custos diante dos desafios da concorrência e da integração econômica. Estes precisam escrever sua epopeia do escoamento de leite, pois, à semelhanças do transporte equino, carreteiro de bois e caminhão de leite, inscreveram sua saga no contexto colonial. As linhas de leite, portanto, tiveram expressiva importância, pois foram fatores de uma redimensão das atividades produtivas da lavoura minifundiária de subsistência, como também razão de inúmeras reminiscências de acontecimentos rurais.

* Fonte: Disponível no livro "OS COLONIZADORES DA COLÔNIA TEUTÔNIA: COLETÂNEA DE TEXTOS", de Guido Lang.

* Crédito da imagem: Rudolfo Geib, morador da Boa Vista Fundos/Teutônia/RS, transportando a produção de leite até a Boa Vista, na fábrica de manteiga "Dahmer & Cia", onde o produto era desnatado. Anos de 1940 (Gentileza - Rudolfo Geib).

* Postagem: Júlio César Lang.

* PROIBIDA A REPRODUÇÃO INTEGRAL OU PARCIAL DO TEXTO SEM A MENÇÃO DA REFERIDA FONTE (LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998).

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