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quarta-feira, 12 de junho de 2019

O enigma da Lenda do Rio dos Sinos

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Guido Lang

A vida costuma inspirar-se na natureza, quando águas, animais e plantas descortinam belos cenários geográficos aos olhos humanos. O Rio dos Sinos, berço de muitas histórias e lendas, continua fascinando os moradores circunvizinhos, quando, apesar das massivas agressões ambientais, ostenta-se como excepcional paisagem natural. Inúmeros enamorados e poetas contagiam-se com sua formosura e maravilha, quando, em meio a agitação e correria urbana, dão-se um instante de percorrer suas cercanias. Estes, em momentos, refugiam-se nos últimos resquícios dos santuários ecológicos, que, no nosso contexto, sobrevivem no curso pluvial e encostas do planalto. As histórias e lendas, frutos da imaginação e sonho, criam-se ao longo das vivências, quando somam-se ao conjunto das crendices e superstições populares.
Uma recente versão adveio de um jovem casal enamorado, que, como amantes da natureza, resolveram conhecer e refugiar-se na harmonia e na tranquilidade das águas e vegetações dos Sinos. Estes serviram-se de um pacato caíque, que esparsamente ainda corta as singelas águas. Os apaixonados tomaram a embarcação no Porto Blos/outrora Passo de Campo Bom, quando tomaram o rumo do curso superior do rio. Estes, depois de depararem inúmeras agressões, puderam também conhecer facetas da diversidade biológica. Várias espécies de aves sobrevivem corajosamente “aos avanços do progresso”, quando lutam desesperadamente diante dos progressivos aterros, dragagens, dejetos, habitações... Outros exemplares da vida silvestre, distante dos olhos, deve haver nos refúgios, quando ousa subsistir a cobiça e incursões humanas.
 Os visitantes, em meio às clareiras dos banhados e matos, puderam apreciar, a centena de quilômetros quadrados de áreas inundáveis, a situação existencial das margens. Diversos lugares chegam a confundir os desavisados forasteiros, quando estranhas crateras misturaram-se ao ambiente de campos, clareiras, maricás... Os buracos são os grandes barreiros, que foram escavados pela centenária atividade oleira. O extrativismo mineral, em vários exemplos, criou a fisionomia de açudes, no qual proliferam marrecos, mosquitos, muçuns, nutrias, sapos, traíras... Esporádicas iniciativas agrícolas sucedem-se ao longo do curso, quando basicamente relacionam-se ao pastoreio. As plantações são uma raridade, pois o barro preto e visguento praticamente ostenta-se infértil. Os raios solares, nos verões quentes, deixam-no duro como pedra, quando o solo fica rendilhado em mil canais. Os pioneiros, nos primórdios da colonização, já frustraram-se com safras, quando partiram à atividade oleira e criação de gado.
Os jovens aventureiros, próximo ao outrora Passo da Cruz (divisas de Campo Bom, Novo Hamburgo e Sapiranga), tiveram a sensação de terem escutado estranhos ruídos, que, conhecedores da "Lenda dos Sinos", pareceu-lhes de algum artefato metálico. Estes, de imediato, ligaram os fatos do ruído aos desaparecidos sinos, que, há séculos, estariam fundiados nas profundezas do rio. A sonoridade aguda, escutada por navegantes e pescadores nas caladas das noites chuvosas e escuras assim como claras e de lua cheia, tomou-lhes os ouvidos. Os estranhos barulhos e ruídos, de imediato, foram interpretados como um aviso dos espíritos, que aguçaram seus instintos com vistas de estabelecer uma aliança e união duradoura. As suas relações acabariam seladas num matrimônio, que resistiria às agruras da monotonia e problemas do cotidiano.
O fato vivenciado criou nova versão aos enamorados, que, tendo o privilégio de ouvir o ruído dos sinos fundiados, terão a certeza da indissolubilidade do matrimônio e um relacionamento inquebrável. Uma bela e majestosa união familiar tomaria vulto para aqueles privilegiados, que tem a alegria e o privilégio de escutar os discretos e singelos ruídos. Uma leva de encantados, em função do conhecimento da mais nova lenda, toma o caminho do rio, quando almeja beneficiar-se da bênção e dádiva dos sinos. Narra a lenda que a fé é imprescindível na versão, caso contrário o som metálico seria inaudível aos ouvidos humanos.
Amigos enamorados! Alimentem o segredo e o sonho da "Lenda do Rio dos Sinos", quando por ventura serão beneficiados e presenteados com a sólida união.

Autor: Guido Lang
Fonte: Jornal O Fato, número 1182, dia 21/10/1997, página 06.

Crédito da imagem: https://medium.com/ouro-preto/6-coisas-que-voc%C3%AA-s%C3%B3-ir%C3%A1-fazer-em-ouro-preto-575f285eba41

O prédio da Estação Ferroviária de Campo Bom


Guido Lang

A cidade de Campo Bom mantém uma esdrúxula construção, que salta aos olhos dos forasteiros. Estes, nas suas passagens de carro ou linhas de ônibus, costumam interrogar sobre a razão daquela edificação. Esta trata-se do atual prédio da Biblioteca Pública Municipal Dr. Liberato, que ostenta, junto as construções da Antiga Igreja Evangélica e a Sociedade 15 de Novembro, uma riquíssima trajetória. Os antigos unicamente ainda memorizam fatos notáveis, que, desde 1935, foram sucedendo-se na notável obra.
A Antiga Estação Ferroviária de Campo Bom, a partir de 1934, tomou corpo, quando mobilizou a elite econômica e monetária da então pacata vila distrital. O lugarejo, num acelerado processo de industrialização, necessitava de uma nova estação ferroviária, na qual haveria espaço para a circulação de mercadorias e pessoas. A casinha do trem existente era muitíssimo pequeno para atender as novas necessidades, quando moradores e produtos, em meio à espera dos comboios ferroviários, poderiam ficar expostos a ação das intempéries do tempo. Os empresários, liderados por Alfredo Blos, Arno Kunz e Emílio Vetter, tomaram a dianteira com a razão de edificar um novo prédio.
Os órgãos públicos, como de práxis, mantiveram carências de verbas, que pudesse custear as despesas do empreendimento. Os empresários, sobretudo o industrialista Emílio Vetter, abraçaram partes da obra comunitária, quando doaram terreno e tijolos. Pode-se dessa forma, edificar um prédio inovador que contrastava no contexto das fábricas e residências da vila camponense. Ele também foi o primeiro prédio comunitário, que ostentava dois pisos e, à distância, mantinha uma magnitude e opulência. A construção, no contexto da ferrovia, foi considerado um protótipo, que inspirou outras semelhantes edificações. As vantagens decorriam do conforto oferecido assim como a existência de uma moradia “ao ecônomo ferroviário”, obediência aos requisitos de higiene e a presença de um poço artesiano.
A inauguração transcorreu no dia 11 de abril de 1935, quando autoridades e moradores afluíam ao grandioso acontecimento. A vila parou em função da festa, quando não faltavam discursos, música e confraternizações. O cidadão Emílio Vetter, para marcar a conquista comunitária, mandou abater três cabeças de gado, quando comeram um churrasco, de forma gratuita, todos os moradores do distrito. Estes, na sua totalidade, foram beneficiados com a concretização da velha aspiração da comunidade, que, a muito, tinha sido reivindicada pelos moradores.  Um cartão de visitas, portanto, criou-se no lugarejo, que, nos finais de semana, reunia inúmeros campobonenses. Estes afluíram à Estação Ferroviária com a finalidade de inteirar-se do movimento de passageiros, quando não havia maiores opções de lazer.
A desativação da Linha Férrea, em 1963, veio sepultar um capítulo épico, gerando nova função econômica e social ao prédio. Este, depois de algumas adaptações, tornou-se a sede da Prefeitura Municipal de Campo Bom/RS. O afluxo de contribuintes veio trazer-lhe uma gama de indivíduos, que vinham satisfazer exigências burocráticas. As tradicionais sacadas, no lado sul e norte, foram transformadas em salas, quando ampliou-se as reais funções de uso. Alguns prefeitos, como Evaldo Dreger, Osmar Alfredo Ermel, Werner Ricardo Bohrer, Nestor Fips Schneider, Élio Erivaldo Martin e Karl Heinz Kopittke, dirigiram os destinos municipais a partir do local. O espaço, a partir do aumento dos serviços públicos em função da acelerada urbanização, tornou-se pequeno, quando, em 1988, mudou-se o local da administração municipal.
A construção, nesta época, ganhou algumas adaptações e esparsas melhorias, quando tornou-se o espaço da Biblioteca Pública Municipal “Dr. Liberato”. O acervo literário municipal pode ser abrigado no seu meio, quando manteve sua vocação comunitária. Um afluxo contínuo, de apaixonados leitores, afluem no seu interior, quando procuram aprofundar pesquisas, inteirar-se do “cotidiano jornalístico”, solicitar empréstimos literários... Um punhado de alunos e professores visita as dependências, quando participam dos diversos projetos culturais oferecidos pela biblioteca. Umas exclamações ou perguntas comuns e tradicionais costumam desabrochar na boca da criançada: “Que estranha construção! Olha o prédio diferente! Veja edificação esquisita!”
Os funcionários, depois de anos de labuta no espaço, depararam-se com sensações estranhas, quando, em momentos, desfilam no seu interior. Eles parecem ouvir barulhos esquisitos, que advém de algumas salas. Eles descrevem acontecimentos sucedidos com indivíduos, que a muito descansam no repouso eterno. Estes, talvez espíritos de finados, parecem adorar a histórica construção, que, a cada quarto de século, ganha novas atribuições comunitárias. Alguns trabalhadores, em função dos fatos e ruídos, interrogam-se das razões daqueles enigmas e mistérios, que apavoram supersticiosos e desafiam a lógica da compreensão humana. Alguns sugeriram a bênção religiosa, enquanto outros a realização de orações (em favor da paz e sossego dessas almas). Os descrentes materialistas parecem indiferentes aos sucedidos, quando carecem importunar-se com imaginações.
O histórico e tradicional prédio, com presença marcante na realidade comunitária, mantém-se uma presença marcante, quando impõem-se pelo estranho estilo arquitetônico e salienta-se pelas múltiplas funções utilitárias.
Antiga Estação Ferroviária de Campo Bom, portanto, mantém-se significativa, quando apesar do estado de preservação, escreves uma rica trajetória e marcastes a vida de uma infinidade de moradores. Segue a tua gloriosa sina, quando “ostentas atendimentos públicos e preservas histórias dos mistérios da criação”.

Autor: Guido Lang.
Fonte: Jornal O Fato, número 1161, dia 08/08/1997, página 06.

Crédito da imagem: https://www.guiacampobom.com.br/campo-bom/pontos-turisticos/antiga-estacao-da-linha-ferroviaria