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domingo, 16 de junho de 2019

A figueira centenária

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Guido Lang

As colônias alemãs, sobretudo do Vale do Taquari, foram abaladas pela Revolução Federalista (1893-1895). Os maragatos e pica-paus continuamente incursionavam pelas picadas, e ambos adonavam-se de víveres e roubavam casas comerciais.
Os colonos, em diversas oportunidades, viram suas criações e plantações pilhadas. As tropas, sem mantimentos, abasteciam-se nas pacatas propriedades rurais, que cediam aves, bovinos e suínos, assim como montarias. Os moradores, com vistas a não sofrer maiores represálias, cediam os bens. Os dividendos monetários acumulados com muita economia e trabalho também necessitaram de esconderijos seguros, pois atiçavam a cobiça humana.
Um morador colonial, perseguido pelos maragatos (por ser simpatizante dos castilhistas), precisou esconder-se no interior dos matos da sua propriedade, pois recebia, constantemente, visitas de inimigos. Estes, a todo momento, procuravam-no com o intuito de degolá-lo, era tido como informante de republicanos. Necessitou também esconder seu numerário financeiro, que consistia de alguns quilos de moedas de ouro e prata (do período imperial). Ele, como refugiado, resolveu armazená-lo no interior de um orifício oco do tronco da tradicional figueira centenária. O colono, com convicção, confiou na segurança daquela guarda, pois o período revolucionário certamente seria breve.
A instabilidade política e a perseguição estenderam-se por meses. O cidadão, num belo dia, veio a adoecer e a morte súbita ceifou-lhe a existência. O dinheiro, durante décadas, ficou guardado no interior da exuberante figueira, que mantinha-se como símbolo de perenidade. As gerações de familiares, vinham e iam, e nada de desfazer o mistério das moedas. Ele, inclusive, tinha dado origem a histórias familiares, que eram narradas de pais para filhos. Os forasteiros e moradores, em diversas ocasiões, chegavam a abrigar-se nas sombras da formosa árvore que não parecia ostentar maiores segredos.
Um agricultor, com vistas a fazer espaçosa roça, resolveu derrubar a árvore, que, com advento da mecanização agrícola, representava um estorvo. A motosserra, em poucos minutos, foi ceifando e retalhando a planta, quando, numa certa altura, escutou-se um estranho ruído. O barulho denunciou a presença de metais, e vieram à tona as extraviadas moedas. Uma alegria tomou conta do pacato trabalhador rural que, casualmente, deparou-se com a fortuna.
A vida, em escassas oportunidades, defronta-nos com dádivas e surpresas.

(Texto extraído de “Contos do Cotidiano Colonial”, página 16, de Guido Lang).

Crédito da imagem: https://pixabay.com/pt/photos/bitcoin-moedas-ouro-dinheiro-moeda-282798/

A fuga do combatente maragato


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Guido Lang

A Colônia Teutônia (atual Teutônia/RS), em 15 de maio de 1894, conheceu seu maior combate, quando tropas federalistas (conhecidas como maragatos) e republicanas (conhecidas como pica-paus), degladiaram-se na Revolução Federalista (1893-1895).
Centenas de homens enfrentaram-se sobre a ponte do Arroio Boa Vista (entre Glück-Auf e Neuhaus – atual Languiru e Teutônia Várzea), onde os revolucionários federalistas entrincheiravam-se na residência de Júlio May (quartel-general) e moradias circunvizinhas.
Os maragatos, conhecendo o tamanho da tropa governamental, passaram a fugir, sem disparar o primeiro tiro, em direção aos matos. Os tiros dos pica-paus assumiram a semelhança duma chuva em direção aos fugitivos, que foram abonando arreios, bagagens, cavalos e munições aos inimigos. Quatorze combatentes, em meio ao combate de Teutônia, tombaram mortos. Dois eram governamentais e doze, maragatos.
Os federalistas, curando as feridas e desorganizados nos matos, passaram a ser caçados como animais, com razão de abandonarem o quartel-general teutoniense.
Estes, depois de meses de acampamento e inúmeros atos de pilhagem, assim como do incêndio de diversas casas comerciais, precisaram procurar novas bases.
Diversos combatentes, depois de dias de esconderijo, necessitaram “colocar o pé na estrada” com a finalidade de reaglutinar-se e reencontrar-se com seus simpatizantes.
A tradição oral conta-nos a história dum federalista que bateu esfomeado numa residência colonial.
Soldados republicanos ainda estavam no seu encalço, pois almejavam abatê-lo ou eventualmente prendê-lo.
Este, em meio ao maior pavor e estado deplorável, chegando na moradia, solicitou água e pão. A família atendeu prontamente ao pedido do inimigo, quando o revolucionário retomou fuga. Os perseguidores, minutos depois, chegaram e pediram informações. Relatou-se sobre sua passagem, mas ignorou-se sua direção e o solicitado por ele.
O maragato era um ser humano, por isso não merecia ser caçado como animal.
O colonial não nega um pedido de água e alguma comida a forasteiros, que, costumeiramente, são recebidos amistosamente.

(Texto extraído de “Contos do Cotidiano Colonial”, página 87, de Guido Lang).

Crédito da imagem: https://www.extraclasse.org.br/cultura/2013/04/chimangos-x-maragatos/