Translate

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

As dificuldades


       Uma certa família, por décadas, viveu no interior e defrontou-se com as dificuldades econômicas.  “O dinheiro vivia contado aos centavos” e, em diversas oportunidades, deixara de atender as necessidades dos filhos. Eles precisaram de certos materiais escolares e roupas, porém nada: carestia completa. Podia-se dizer: “- A família não passava fome, todavia pouco faltou para tanto”. A sobrevivência consistiu em comercializar algum leite (tarefa da mulher); o homem ocupar-se com tarefas alheias (diarista). Terra arrendada e nada de maiores investimentos (para desenvolver uma propriedade de subsistência familiar).
Os anos transcorreram; filhos cresceram; a migração campo-cidade uma realidade... Adveio a aposentadoria e a idade. Os ganhos fixos (dos benefícios), de cada final de mês, possibilitaram o bom gerenciamento das finanças. A família, agora marido e mulher, puderam vivenciar uma subsistência familiar calma e despreocupada. Os rebentos, estudados e empregados, ajudaram com dinheiro e mimos, alegraram com netos e visitas... O casal podia dizer: “- Eles não eram nem pobres e nem ricos; poderiam comprar do bom e melhor para comer (nos cardápios); descansar conforme as conveniências; fazer os passeios desejados...”
O casal, nestas idas e vindas, fez um comparativo de anos. Queria saber da felicidade do outrora ou momentânea. O tempo instantâneo, com o advento da idade, significava o consumo diário de uma gama de remédios. A vida sedentária e a velhice tinham criado sérios problemas de saúde. O consumo desenvolveu a diabete e a obesidade. Cuidados e caminhadas diárias faziam-se necessários. O comparativo revelou uma dura realidade: “- A felicidade, apesar das inúmeras dificuldades e privações, mostrava-se maior nas colônias. A idade e o sedentarismo criaram problemas de saúde e consumo de remédios”.
A experiência refez a velha sabedoria: “- O indivíduo, estando com saúde, abraça qualquer causa; judia-se, no primor da existência, com razão de querer remendar na velhice”. As famílias, no tempo, acabam como começaram: marido e mulher. Os filhos seguem sua sina. Os pais ficam vivendo o prazer da vidinha de cada dia. Algum perece e daí o outro fica “nos aparentes favores de algum filho” (na proporção de não refazer sua parceria).
Comparativos nunca são demais numa existência. Viver o prazer de cada momento e dia com razão de degustar essa passagem ímpar. Os problemas próprios, comparado aos alheios, de maneira geral são probleminhas. Agradecer piedosamente, por ainda estarmos aí, na proporção de tantos estarem na ausência. A saúde mostra-se uma excepcional dádiva e a maior sabedoria consiste em cuidar dela.

Guido Lang
Livro: “Histórias das Colônias”
(Literatura Colonial Teuto-brasileira)

Crédito da imagem: http://imoveis.culturamix.com/dicas/paisagem-rural 
                

O primeiro

        
          Numa certa ocasião ocorreu o imprevisto! A morte não precisa esperar.  Ela chega por si só! As pessoas vão para o descanso e cedem o lugar aos mais novos. Os finados retornam ao lugar de procedência. Os familiares compreendem a situação como chamado divino. A missão terrena cumprida em bons termos. Os exemplos servem de lição para quem fica. Sábios são aqueles que conseguem passar muito dias nesta jornada e vivem momentos ímpares.
As casas mortuárias, a partir de 1980, ganharam importância no cenário colonial. Diversas entidades religiosas trataram de edificar seus prédios. Os religiosos queriam terminar com os velórios nas casas dos finados. A falta de estrutura, no momento impróprio, dificultava as coisas (cerimônia) com espaço. Um exemplo clássico relacionava-se a falta de assentos. Uma borbúdia com o afluxo de uma centena de moradores (entre aparentados, conhecidos e vizinhos). O religioso, no fundo, interpretava como transtorno deslocar-se às inúmeras casas/residências coloniais. Este, em situações, obrigava-se a fazer caminhadas em meio a brejos, cercados e potreiros. A construção, junto ao campo santo, abreviaria e facilitava os atos de encomendação e sepultamento.
Outra casa mortuária, junto ao cemitério, foi edificada pelos lados de Teutônia/RS. Um certo morador, como comerciante (duma localidade), ostentava-se deveras curioso. O cliente, à venda, mal achegara-se e este tratava de comentar, narrar e ouvir as últimas da comuna. Passou, umas cinco décadas, sendo o cidadão muitíssimo esclarecido, informado e propagador das boas novas/ocorrências comunitárias. Na história da edificação da casa mortuária não foi diverso. Ele, como ex-presidente da entidade, acompanhava os vários passos do empreendimento. Os membros-doadores, na proporção de haver materiais, gostavam de ver os trabalhos deslancharem.
A curiosidade, com a conclusão dos trabalhos, relacionava-se com a inauguração. Quem seria a primeira vítima? As obras avançavam e as conversas iam na direção do fulano e beltrano. Estes, adoentados a um bom tempo, recaiam as suspeitas. A construção, numa data, ostentava-se concluída. Podia ser inaugurada. Quem seria a vítima? Algumas semanas transcorreram nessas conversações. Os adoentados arrastaram-se no tempo.  Nada de corpo! O mistério estendia-se na “surdina das conversas informais”.
Os sinos, numa certa manhã, tocaram e anunciaram o derradeiro. “Faleceu alguém” foi à conversa. Quem seria o paradeiro? Qual membro da comunidade? A casa mortuária ganharia sua utilidade? Acabaria inaugurada! O anunciado correu os quatro ventos! Achegou cedo aos muitos lares! A surpresa foi de admiração e espanto: o sicrano. O comerciante era a vítima. Um mal súbito, aqueles tradicionais ataques do coração, levaram-no a inaugurar o prédio. O destino havia pregado outra peça. Levou o mais curioso! Aquele mais interessado em saber quem era o primeiro!
Quê peça a vida nos reserva? Uns parecem adivinhar seus infortúnios! Os excessos de curiosidade resultam em chacotas. Os moradores, em meio ao seio comunitário, costumam deixar algumas histórias como doces reminiscências.
                                            
Guido Lang
Livro “História das Colônias”
(Literatura Colonial Teuto-brasileira)

Crédito da imagem: http://aguidyannedelonge.blogspot.com.br/2011/02/hey-hey-eu-amo-cemiterios.html