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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Valor de um galo

Um certo produtor, morador do interior, criou uma dupla de terneiros. Estes, por serem esbeltos e de tamanho assemelhado, ganharam a chance de serem criados em parceria. O objetivo consistia em formar uma junta de bois. Qualquer colono, na época da tração animal, mantinha-os em alta consideração, por serem “o pão da mesa do colono”.
O colonial, durante uns meses, cuidou da amamentação e trato dos bichinhos. Estes, de forma paulatina, foram amansados. Estes, desde tenra idade, ganharam canga. Precisaram acostumar-se a domesticação. Outros momentos arrastavam/puxavam algum arado, carreta/carroça ou tronco. O trabalho tornava-se uma necessidade e obrigação. O manejo precoce tornou-os animais calmos e pacíficos. Algum mimo, na hora de cangar, permitia apanhá-los no estábulo ou potreiro. A junta, pelo treino, encaminhara-se ao local próprio do cangar.
O proprietário, tendo outra junta, pensou num escambo/venda. Os propósitos foram externados nas conversas informais. A casa comercial, tradicional ponto de encontro e reencontro dos moradores da comuna, foi o local mais propício. A notícia, da venda duma junta de bois, tornou-se comunitária. Os curiosos logo pediram por valor. Alguém, como atravessador, até pensou em ganhar alguma margem. O preço estabelecido acompanha os valores do mercado. Algum referencial, no meio comunitário, existe como padrão. A procura maior, no período primavera/verão – época das plantações, eleva a cotação e, nas entressafras, abaixa.
Um certo camarada, doutra localidade e aparentado distante, interessou-se pelos animais. Afluiu a moradia para apreciar o produto da compra assim como tratar do preço. Os dois, comprador e vendedor, acertaram um certo valor (a crédito). O vendedor, por preço tal e até aquela data, pagaria o numerário pré-combinado (pela junta). O dono, indo pela credibilidade colonial, aceitou a bom termo o negócio (com alguma singela entrada).
O tempo transcorreu e o comprador/pagador nada da promessa. O vendedor precisou correr atrás do devedor. Idas e vindas ocorreram até a sua casa. Novas promessas sucediam–se e nada de dinheiro. Os bois, a essa altura do campeonato, já tinham mudado de dono e nada de reavê-los. O caloteiro, por semanas e meses, “matou o cobrador no cansaço”. Ficou aquela incômoda situação. O comprador, improvisando dificuldades de subsistência e tendo filhos pequenos, disse uma pérola: “- Eu não nego o devido! Pago como posso! Aconchega-te na proporção da junta valer o preço dum galo!”
Os anos, em meio à corrida inflacionário (nos anos do Governo de José Sarney), transcorreram e o poder aquisitivo viu-se corroído. O vendedor, pela esdrúxula situação, deixou o débito nisso. O galo, valor insignificante, jamais foi cobrado. O caloteiro pode levar o devido à sepultura. O meio comunitário relembra a chacota “pelo valor dum galo”.
Vendas a crédito representam sinônimo de calote e desconfiança. O exato e modesto “não” é a melhor forma de evitar aborrecimentos e transtornos. Certos elementos, embora muito pacatos, eternizam-se pelo “legado das pérolas”. Os caloteiros subsistem em todos os meios econômico-sociais.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem:http://pastorelireis.blogspot.com.br/2012/09/aprendendo-com-o-galo.html 

Reencontro Dickel no Paraguai



Os Dickel, nos dias 02 e 03 de fevereiro de 1997, tiveram um encontro inesquecível e histórico. Uma caravana de brasileiros visitou a descendência no Paraguai. Diversos membros foram participar do 1° Encontro Internacional da Família Dickel. A descendência lançou as bases e o exemplo dum reencontro familiar à base do Mercosul.
Vários parentes originários do Brasil, Argentina e do Paraguai prestigiaram o magnífico acontecimento. Este realizou-se na Sociedade Alemã da cidade de Obrigado/Itapuã. Inúmeros laços familiares foram reacendidos em função da distância e perecimento das velhas estirpes. Preciosas informações foram trocadas com vistas de conhecer e descrever a epopeia da trajetória Dickel em terras americanas. Valiosos conhecimentos foram extraídos da experiência de aventurar-se numa viagem transnacional. Outros cenários e paisagens foram apreciados e comentados.
Os preparativos da viagem foram organizados pelo Guiomar Dickel e Lothário Dickel. A dupla tratou de contratar ônibus, arregimentar parentes (interessados na excursão), providenciar os trâmites burocráticos, etc. Este empreendimento começou na Boa Vista/Teutônia/RS. O local, até aquele momento, era o local tradicional dos encontro de família (descendência do patriarca Alexandre Dickel e Elisabeth Born).  As expectativas vinham-se somando há meses e semanas. Uma empleitada que parecia impossível para alguns e possível para um conjunto de corajosos. Diversa descendência, originária de Teutônia, Brochier, Estrela, Porto Alegre, tratou de integrar-se a caravana dos aventureiros. O ambiente constituiu-se de muitas brincadeiras, camaradagens e piadas.
A partida iniciou no dia 31/01/1997. O veículo tomou a direção de Porto Mauá/RS e San Xavier/Missiones. Embarcou-se às 11 horas e chegou-se às 9 horas do dia 01/02/1997. Esperou-se, no local, a barca da travessia do Rio Uruguai. O momento foi excepcional para inúmeros participantes. Estes desconheciam o sistema de transporte de barca. Chegou-se ao território argentino, quando os trâmites burocráticos impediram a passagem por essas plagas. Procurou-se explicar as dificuldades da ausência de carteira de identidade de cinco crianças e dois adultos. Estes possuíam outra documentação e a presença paterna (das crianças). As autoridades de fiscalização, depois de demoradas delongas, foram irredutíveis nas suas resoluções.
A opção tomada foi retornar ao território nacional. A alternativa consistiu de contornar o caminho. Passou-se pelo oeste catarinense e paranaense. A viagem acabou atrasada, porém não se renunciou a vontade de visitar “os parentes paraguaios”. A persistência e teimosia germânica foram primordiais com vistas de concretizar as resoluções previamente determinadas.
A descendência Dickel, na Cidad del Leste/Paraguai, veio recepcionar os parentes brasileiros, quando foram conduzidos ao interior do país. Pôde-se, em meio à penumbra do amanhecer do dia dois, conhecer aspectos do território paraguaio. Apreciou-se muita soja, alguma criação de gado, cultivo de erva-mate e manutenção de resquícios da Floresta Pluvial Subtropical.
Os casebres, de chão batido e de madeira eram uma realidade corriqueira. Estas, ao longa da estrada, espalhavam-se nas diversas direções. As construções, em diversos exemplos, contrastavam com o cenário essencialmente agropastoril (domínio das grandes lavouras mecanizadas). Os guaranis e naturais, em momento, pareciam cidadãos de segunda classe ou marginalizados, pois careciam de maior poder econômico. Os nipo-paraguaios e teuto-paraguaios dominam economicamente o cenário nacional (local). Os forasteiros, no seu entender, seriam os principais esteios do desenvolvimento econômico e contribuintes ao Estado Nacional.
A recepção foi alegre e calorosa. A descendência Dickel, em caravana com os carros das marcas japonesas (importadas), veio recepcionar os visitantes na Sociedade Alemã de Obrigado. Os Dickel, Brönstrup, Dietze, Fensterseifer, Lang, Schneider pareciam conhecer-se como velhos amigos. A realidade, no entanto, presenciava uma primeira aproximação ou reaproximação.  Os diversos visitantes, em seguida, foram conduzidos às famílias. Estas, de forma individual ou em casais, hospedaram com imensa alegria, consideração e satisfação. As interrogações, de ambos os lados, sucederam-se naquele contexto de curiosidades mútuas. Vínculos acabaram cedo criados.  Estes, desde 1911, pareciam adormecidos quando a distância parecia impôr obstáculos intransponíveis.
A saga dos Dickel tinha começado naquela data, quando Cristian Dickel (filho de Carl, neto de Heinrich e bisneto do patriarca Alexander) e Otilie Lang, com seis filhos menores, imigraram naquelas paragens. O casal levou cinco semanas (de carroça puxadas por mulas e cavalos) para chegar ao Paraguai. Restou instalar-se na selva da Colônia Alemã de Hohenau (posteriormente pioneiro na Colônia Alemã de Obrigado). Sobreviveram, neste ínterim, por meio de algum charque, pão preto e ovos. A caça e pesca constituía-se complemento alimentar. A erva-mate e o “tum” tornaram-se as principais fontes de renda. Vieram-se, no tempo, substituídos pela mandioca, milho e soja. O objetivo, em primeiro lugar, era produzir ao autoconsumo. Os Dickel saíram da Boa Vista/Estrela/RS (atual Linha Capivara/Teutônia) para auxiliar a criar a Colônia Alemã de Obrigado (1912).
O encontro reverteu-se de pleno êxito. Umas duzentas pessoas prestigiaram o evento. Este basicamente consistiu de um culto evangélico luterano, leitura de histórico da odisseia familiar, almoço comunitário, apresentações culturais, baile e intensa troca de informações. Uma oportunidade ímpar de rememorar velhas reminiscências, que pareciam suplantadas (num contexto de décadas de carência de vivências). O final do dia foi aproveitado para fazer passeios (familiares) as propriedade agrícolas, que espalham-se num raio de diversos quilômetros. Os visitantes puderam conhecer um outro sistema produtivo. Este contrasta sensivelmente com o contexto do minifúndio de subsistência diversificado das paragens sulinas.
A descendência Dickel, portanto, está de parabéns. Esta rompeu fronteiras no contexto dos encontros de família. Realizou o primeiro evento em nível de Mercado Comum do Cone Sul. Um feito ímpar! Os participantes da viagem também conheceram novas realidades e vislumbraram novas experiências e horizontes nas vivências comunitárias.

Fonte: Guido Lang. Jornal O Fato n° 1118, dia 07.03.1997, pág. 02 (texto reescrito).