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segunda-feira, 4 de março de 2013

Uma artimanha colonial


Uns funcionários, achando-se muito espertos e metidos na função do cumprimento das leis de trânsito, admiraram-se da bondade e cortesia de determinado cidadão. Este, instalado numa modesta localidade, tornou-se produtor de víveres. A família, por gerações, mantinha um excepcional conhecimento e tradição no cultivo de frutas e verduras (sobretudo uvas próprias de mesa). A atividade econômica não proporcionava fortunas, porém permitia a dignidade e qualidade de vida.
O proprietário, conhecido pelo sorriso frouxo e extrema simpatia, deslocava-se semanalmente na direção do centro urbano (regional). Este, numa rede de supermercado, comercializava e entregava sua produção. O segredo, para manter a lucratividade do negócio, consistia em eliminar a intermediação dos atravessadores. Uma Kombi velha, como veículo, levava a produção e trazia as necessidades familiares. Este, nas muitas idas e vindas, tornou-se conhecido e faz uma enormidade de amigos e conhecidos. A pontualidade e trabalho eram marcas da sua conduta.
O cidadão, num determinado posto de controle rodoviário policial, fazia uma gentileza ímpar. O ato, para alegria e satisfação  geral da turma, consistia em descarregar alguns bons quilos de fruta. O pessoal, nas caladas da tarde e ínterim dos afazeres, apreciava uma saborosa uva. A fama, da bondade do doador, cedo avolumou amistosos comentários e revelou-se uma espécie de obrigação. Beltrano, fulano e sicrano, na hora do lanche, agradeciam pela dádiva e ficavam intrincados pelo interesse da caridosa alma. A pergunta frequente consistia: “ - O cidadão deixou fruta?”
A verdade, numa certa ocasião, adveio a tona (como surpresa). O camarada, de forma indiferente, passou pelo posto de controle. Aquela história, de parar para deixar frutas, absteve-se de acontecer. Ele, apressado e preocupado, dirigia-se na direção da cidade próxima. Um conhecido policial, numa oportunidade, interrogou-o sobre o sumiço e descaso com a outrora tradicional doação. O colonial, sem floreios e rodeios na língua, completou: “- O colono agora tem carteira de motorista! Este antes dirigia frio e temia ser parado numa blitz!” Os antigos beneficiados, cabisbaixos e sem palavras, deixaram cair o queixo (com a astúcia e malícia alheia).
As práticas revelam a real esperteza e inteligência. As doações e mimos, como dádivas, escondem segundas intenções. As cortesias costumam ser um comércio indireto de favores. Quem, de forma direta ou indireta, já não foi comprado ou deixou-se vender? Uma situação corriqueira, nas democracias, dos ditos países pobres e populistas!

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano Colonial”

Crédito da imagem:http://blogdoefacil.com.br