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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O mimo comunitário


       Uma centenária comunidade possuía problemas de frequência na sua assembleia anual. Esta, numa exclusiva oportunidade, sucedia-se no centro comunitário. Os membros, nalgumas centenas, careciam de comparecer. O evento da prestação de contas e acerto de resoluções pouca atenção e interesse despertavam.
Os membros com aquelas desculpas e indiferenças para fazerem-se presentes. Uns poucos nem queriam ouvir falar do assunto (sob o temor de ganhar algum cargo na diretoria). Outros, por tradição, ainda pertenciam como membros (em função da necessidade de bom senso em estar associado nalguma entidade). As assembleias, a cada ano, ajuntavam menos gente. Os participantes resumiam-se a menos de duas dezenas. Estes, “gatos pingados”, costumeiramente ligaram-se a familiares de integrantes das diretorias.
A resolução, numa altura, consistiu numa mudança de rota. Ouviu-se conselho aqui e sugestão acolá! Nada de maiores geniais ideias e de audaciosas inovações. Uns, a título de exemplo, falaram em sorteio de brindes. Algum mais no convite pessoal por famílias. Outro, como sugestão milagrosa, falou no oferecimento dum almoço cortesia. A comunidade, no dia da assembleia geral, custearia os encargos da refeição. Os beneficiados seriam todos os membros em dia com a tesouraria. Uma gratificação por ter honrado os compromissos das mensalidades assim como fazer-se presente ao encontro.
A receita, em forma de decisão de assembleia, foi colocada em prática. Adveio a surpresa. Aquela choça/morna reunião, de escassos membros, ganhou consideração,  entusiasmo e frequência. Inúmeras famílias, na totalidade dos integrantes, “afluíram como formigas em romaria”. Aquela data, num domingo de manhã pré-determinado, ganhou importância e interesse especial. As senhoras ganharam folga dos fogões na cozinha. Os maridos alívio momentâneo das churrasqueiras. Famílias deixaram de gastar em quiosques e restaurantes. Algum pão duro viu o momento próprio de diluir dispêndios com mensalidades...
O curioso e interessante sucedia-se com a real prestação de contas. Muitos, das centenas de participantes, pouco compreendiam ou interrogavam sobre os números expostos. Outros deram a mínima as conversas e polêmicas comunitárias. Alguns, num claro descaso, achegaram após a realização da assembleia. Todos, sem nenhuma exceção, ganharam o mimo. A preocupação era não criar comentários e descontentamentos.
A entidade, com o sucesso da empleitada, instituiu a experiência como norma. Aquela data, na agenda, ganhava reserva à frequência. O interesse, de integrar/participar duma diretoria/gestão, manteve-se naquele empurra-empurra e marasmo. Poucos, como obrigação e vocação, unicamente fizeram a gentileza de abraçar a causa. Estes, como doação de tempo e trabalho, deram sua contribuição.
O espírito humano ostenta-se deveras interesseiro. Este, sem maior gratificação ou recompensa, carece de interessar-se pela coisa comunitária.  Muitos aquela briga para pagar e outros anos sucessivos na inadimplência. Alguns mais simplesmente evadiram da entidade em função de precisar “abrir a mão”. O dinheiro havia para outras diversas necessidades, porém nada de maiores dispêndios com entidades. As cobranças compulsórias ocorriam unicamente nos encargos das coisas públicas. As autoridades, sob o signo duma legislação criada pelas instâncias políticas, instituíram dispêndios e estes eram cobrados/embutidos nos produtos e serviços.
O indivíduo interpreta o gênero humano a partir das necessidades básicas. Os animais matam-se por comida e os homens trucidam-se por dinheiro. Os cara de pau, no contexto das cortesias e mimos, chegam as raias dos abusos e ridículos. Os encargos espantam os indivíduos na proporção dos chamariscos aproximarem os homens.        
Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano da Vida”

Crédito da imagem: http://visitepetropolis.com

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