Translate

terça-feira, 31 de março de 2020

O CHAMADO DO VELHO ÍNDIO

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas

Guido Lang

O povo brasileiro tem muitas crendices e superstições, que refletem o quadro da miscelânea cultural. Inúmeras histórias são narradas de boca em boca, mas dificilmente ganham uma redação. O povo humilde dificilmente se dá o tempo e o trabalho de elaborar escritos, que descrevam a sua rica vivência.
Uma modesta família colonial tinha um pedacinho de terra próxima a um riacho, onde havia uma árvore centenária. A mulher, com frequência, ia ao córrego com o objetivo de lavar as roupas, porque não existia encanamento de água na residência. Inúmeras idas e vindas-faziam-se ao longo dum ano de penosa labuta.
A mulher, numa tarde, ouviu uma voz, que saía do fundo daquela terra, próxima do centenário vegetal. Esta, num primeiro instante, pensou tratar-se de alguém conhecido, mas olhou pelas redondezas e nada viu. Procurou prestar maior atenção em relação à procedência daquele chamado, que, vindo do solo, assustou-a tremendamente.
Esta, em meio aos temores, atendeu ao chamado, que dizia tratar-se dum indígena.
Um velho pajé, com a função de feiticeiro, profeta e sacerdote, tinha sido enterrado há décadas naquele espaço, mas sua alma ainda perambulava pelas redondezas daquele cemitério nativo.
A mulher achou tratar-se de um comunicado sobre a existência de tesouros.
As escavações, em poucos dias, iniciaram, mas não se encontrou nada de valioso.
A família, por causa de trabalho, mudou-se para a cidade e os  moradores do local acharam que esta tinha encontrado a ambicionada fortuna.
A coincidência da mudança tinha criado mais um conto colonial, no qual mesclam-se fatos concretos e imaginários.
Os seres humanos possuem mente fértil quando se trata de riquezas, pois histórias não faltam nas conversas informais sobre enriquecimentos. Os próximos parecem ganhar sempre mais fácil o dinheiro do que a gente.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 79, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://alegriadopovoam.wordpress.com/2018/06/02/a-velha-fantasma-da-amazonia/

segunda-feira, 30 de março de 2020

A LOCALIZAÇÃO DE ESTRELA/RS

Pânico: sapo gigante e perigoso se esconde dentro de casa na ...

Guido Lang

A vida consiste de alegrias e decepções; valemos, na sociedade consumista, na proporção dos benefícios que trazemos e somos descartados no volume dos encargos que causamos.
A vida, em circunstâncias e momentos, faz-nos deparar com instantes de burrice e ingenuidade.
Um colono, incomodado com a contínua presença de um sapo, "resolveu mostrar a localização de Estrela ao anfíbio". O bichinho, numa oportunidade, tinha sido levado e jogado nas águas do arroio Boa Vista, mas resolveu retornar às instalações criatórias daquele morador. A abundância de alimentos, em função da fartura de insetos, motivou-o a habitar aquele meio. As moscas criavam-se abundantemente nas estrumeiras e era necessário que a procriação excessiva fosse controlada naturalmente. O morador rural, não gostando de sapos e temendo pela saúde das criações e rebentos, resolveu “acabar com a raça” daquele ousado anfíbio que, no entanto, entendia-se como amigo e parceiro no sucesso econômico. O colono, num dia de mau humor, apanhou um sarrafo (ao alcance da mão) para bater no infeliz sapo. Procurou, num primeiro instante, respirar fundo e, com toda força, bateu no alvo e num dos azares da existência,
errou a pontaria. O bichinho deu um pulo e se livrou da desgraça.
O cidadão, com a força da batida, quebrou a madeira em diversas partes e um pedaço voou em direção ao seu nariz. A batida, efetuada numa pedra, causou o infortúnio, que acirrou a raiva do autor. O camarada,  em meio a dor e sangue, deu gritos de fúria, assim como, refletiu sobre a burrice do seu ato. O rosto, nos minutos posteriores, começou a inchar e a aplicação de gelo parecia insuficiente para sanar as marcas do acidente. Os familiares precisaram ajudar na emergência e os vizinhos estranharam o “griteiro”. Os amigos, ao saberem do ocorrido, deram gargalhadas da esdrúxula situação.
A história de mostrar a exata localização de Estrela, conforme afirmativa explanada anteriormente ao sucedido, ficou registrada na memória comunitária.
Os seres vivos de escala evolutiva inferior à humana também merecem nossa consideração e respeito, pois não tem culpa de sua situação  e adoram, igualmente, viver. Deus, em certas situações, pode não matar, mas dá-se ao trabalho de castigar os atos impensados.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 21, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://br.sputniknews.com/

domingo, 29 de março de 2020

A PESCA À ESPINGARDA

Guido Lang

A proliferação de açudes tornou-se algo comum nas propriedades minifundiárias de subsistência, quando os órgãos de assistência rural incentivam a criação de peixes.
Inúmeras áreas improdutivas, em forma de banhados, ganharam uma excepcional importância, porque encontraram uma viabilidade econômica.
A piscicultura inclui-se na proposta de tornar viável a pequena propriedade familiar, que se depara com enormes dificuldades para competir com as grandes lavouras comerciais.
A diversificação produtiva pode ser um meio de sobrevivência de diversas famílias, que obtêm novas forma de rendimentos. O contínuo consumo de peixes torna-se uma realidade com a história dos açudes, assim como a comercialização de eventuais excedentes.
Diversos colonos, nos últimos anos, investiram na edificação de reservatórios de água, nos quais criam-se sobretudo a carpa capim e a húngara. Os peixes criados recebem diariamente alguma alimentação, o que acentua o seu rápido desenvolvimento.
A apreciação dos enormes peixes, em meio ao trato, tornou-se um espetáculo que atrai familiares e tratadores.
Os criadores, em diversos momentos, adorariam consumir algum peixe que, no entanto, não vai nos anzóis. Os pescadores clandestinos inclusive afastaram-se dos açudes alheios, porque conhecem a inutilidade das pescarias “nas lavouras alheias”.
O esvaziamento frequente da represa, para apanhar alguns quilos de carne, também é uma impossibilidade.
Um produtor, no entanto, aprendeu uma nova forma de apanhar os peixes. Ele, diariamente, tratava-os num determinado espaço, que o cardume acabou conhecendo.
O inteligente, quando do interesse, deixava-os passar fome, com razão de, em seguida, tratá-los com migalhas. Deste modo, os peixes afluíam em massa. Neste instante, abatia-os a tiros de espingarda, evitando o inconveniente de esvaziar o reservatório e a inutilidade das pescarias.
Alguns pescadores clandestinos descobriram a prática e num cochilo dos proprietários dos açudes seguiram o aprendizado.
A descoberta de novidades pode abrir precedentes para sua aplicação em objetivos escusos.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 47, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

quarta-feira, 25 de março de 2020

A HISTÓRIA DAS COOPERATIVAS

Resultado de imagem para languiru mercado

Fonte: Guido Lang, com base no relato de Elton Klepker (primeiro prefeito de Teutônia/RS)

Logo que Klepker assumiu o cartório, instalou em Languiru o primeiro Escritório Contábil. Líder na região, foi nomeado agente correspondente do Banco Industrial e Comercial do Sul S/A. O gerente, em Estrela/RS, era seu grande amigo André Marcolino Mallmann, um dos do triunvirato. O escritório dava assessoria a doze empresas da região. Essa assessoria, mais o vínculo com o banco, foi motivo para os colonos o procurarem também para pedirem ajuda para a constituição das cooperativas mistas, que eclodiram na época. Assim, Klepker, como contabilista, orientou a fundação e a organização dessas cooperativas, que, a partir de 1950, eram: Cooperativa Agrícola Mista Linha Wink Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Pontes Filho Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Linha Geraldo Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Boa Vista Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Canabarrense Ltda., Cooperativa Mista Glória Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Beija Flor Ltda., Cooperativa dos Suinocultores Estrela Ltda. (sede em Languiru). Esta última teve pouca duração, pois enfrentou a luta da legislação IVC (Imposto de Vendas e Consignações), que chegou a cobrar 17% sobre o valor da venda. Klepker resolveu liquidar a Cooperativa dos Suinocultores e, no dia 13 de novembro de 1955, fundou a Cooperativa Agrícola Mista Languiru Ltda. Nela aplicou todos os seus primeiros conhecimentos práticos adquiridos durante os cinco anos em que orientara as outras cooperativas mencionadas. Um dos principais conhecimentos adquiridos e aplicados na Languiru foi o do capital que cada associado tinha que integralizar, valor índice simbólico da unidade monetária, para impedir que os associados se atribuíssem o direito de mandar mais nos negócios que o próprio gerente, impedindo, dessa forma, que, ao ter um pedido negado, o associado pudesse pedir sua demissão, levando o dinheiro que havia colocado na Cooperativa. Fato que ocorria nas outras cooperativas com associados que participavam com valores mais elevados. A cooperativa recebia todo produto disponível do associado e lhe fornecia, em troca, todos os artigos de consumo.
O objetivo principal era não usar a isenção do IVC, que somava cifras consideráveis, para não fomentar a concorrência desleal com os comerciantes que tinham de pagar o tributo na íntegra. Mas a cooperativa, constituída de pequenos agricultores, usufruía dessa isenção, o que era considerado discriminação entre cooperativas e comerciantes. Resumindo: o capital que Klepker não recebia dos associados para formar recursos na cooperativa, recebia em escala bem maior por meio da retenção do IVC, que levava para o Fundo de Desenvolvimento da Cooperativa.
Ainda falando do fundo, que recebia os valores do imposto IVC, as cooperativas de pequenos agricultores eram isentas, mas gastavam esse dinheiro pagando maior preço aos associados. Este pagamento maior gerava luta entre cooperativas e comerciantes das localidades. A única cooperativa que não fazia uso desse dinheiro e o levava a seu Fundo de Desenvolvimento Econômico era a “Cooperativa de Klepker”, como era conhecida e tradicionalmente chamada na época. Muitos associados questionavam Klepker por que não pagava o valor do IVC para os produtos em vez de levá-lo ao Fundo de Desenvolvimento Econômico. Klepker lhes explicou que esse valor, distribuído entre todos os agricultores associados, não produziria tanto como se ficasse “num bolo só” e que era aplicado para a cooperativa fazer capital de giro e, principalmente, para a aquisição de imóveis, maquinários, instalações e demais bens de que a cooperativa necessitava para beneficiar os próprios associados. Se não dispusesse dos recursos de retenção do IVC, os custos teriam que ser subsidiados pelos próprios associados, principalmente em reuniões de fofocas nas bodegas (vendas), de onde o Klepker tinha dinheiro para pagar todos os produtos à vista. Alguns até diziam que ganhava dinheiro da Alemanha, pois ele tinha viajado para lá. A concorrência entre cooperativas, especialmente entre a Languiru e os comerciantes, chegou ao ponto de surgirem os mais diversos comentários negativos e os comerciantes procuravam sua defesa. Alguns agricultores, talvez menos esclarecidos, acreditavam nas alegações dos adversários, mas a maioria, que era esclarecida, contra-argumentava dizendo “como pode, as outras cooperativas agrícolas todas sucumbiram (faliram) e a do Klepker cada vez cresce mais, chegando até a encampar as outras, que andavam mal das pernas, transformando-as em filiais da Languiru”. Os comentários fomentados pelos contrários, porque não dizer “adversários de Klepker” ou da “Cooperativa de Klepker” aconteciam por ocasião da grande festa anual da Assembleia da Cooperativa, quando Klepker sempre oferecia aos sócios um “grande churrasco de confraternização”. Esse acontecimento tradicional que trazia milhares de agricultores, que, na sua maioria, vinham em cima de carrocerias de caminhões de carga de todos os quadrantes, para a “festa do churrasco”, como já era conhecida. Ela foi realizada até o último mandato de Klepker como presidente da Cooperativa (1980) no Potreiro dos Beckmann (onde hoje existe a sede social da Associação dos Funcionários da Cooperativa Languiru). Os adversários ferrenhos de Klepker, demonstrando “sua dor de cotovelo”, diziam que o “Klepker estava tratando os seus bois com sal”. Os colonos, por outro lado, externavam sua alegria aos gritos, abandando os chapéus, alguns até chegavam a perder o chapéu. As churrasqueiras atingiam mais de um quilômetro de comprimento para assar de sete a oito toneladas de carne. Os espetos eram confeccionados pelos próprios associados e por funcionários que, meses antes, já os providenciavam, feitos de varas de angico colhido nos matos que eram devassados. Os assadores eram formados por funcionários e por associados voluntários.
Na década de setenta, quando o General Ernesto Geisel era Presidente da República (1974-1979), Klepker foi diversas vezes a Brasília, mas nunca foi ao Palácio do Planalto, pois ia direto ao Riacho Fundo (residência oficial do Presidente da República). Lá morava o sogro do Presidente, o Coronel Augusto Markus e sua esposa, para serem melhor cuidados pela filha Lucy (esposa de Ernesto Geisel). Numa dessas andanças, por volta de setembro de 1975, Klepker, conversando com dona Lucy, pediu-lhe que convidasse o Presidente Geisel para visitá-lo por ocasião da Festa dos vinte anos da fundação da Cooperativa Languiru. Dona Lucy prometeu a Klepker que falaria com o Ernesto. Klepker voltou de Brasília para Languiru e transmitiu aos seus companheiros de direção que deixara um convite para o Presidente Geisel participar da festa. Demorou umas semanas e o susto foi muito grande quando Dona Lucy telefonou para Klepker confirmando a presença do Presidente da República na festa dos vinte anos, que iria acontecer no dia 13 de novembro de 1975. Como de costume, a presença do Destacamento Precursor veio coordenar os detalhes da visita. A presença foi festejada com um almoço no Pavilhão Social da Cooperativa, ainda não totalmente acabado. O precursor escalou o lugar para cada um dos participantes da mesa ocuparem, quando Klepker notou que faltava o nome do Prefeito Municipal de Estrela Gabriel Aloísio Mallmann. Klepker alertou o General, chefe do destacamento precursor, que havia omitido o nome do Prefeito, mas recebeu uma resposta curta: era ordem expressa do Presidente da República, que o prefeito Mallmann não seria convidado para participar da mesa. O prefeito, que exerceu o mandato por duas vezes, mais tarde, foi condenado e preso, morrendo no presídio de Lajeado com a firme convicção de que o culpado de não lhe ter sido permitido sentar à mesa oficial tinha sido Klepker, quando, na verdade, ele ainda lembrara o chefe de que teriam esquecido o prefeito do município. Klepker e Mallmann, embora fossem adversários políticos ferrenhos, eram amigos íntimos.
Em 1968, Klepker foi eleito vereador por Languiru, em Estrela/RS. Ele recebeu 763 votos e foi o segundo mais votado. Na segunda legislatura, cuja campanha foi em 1972, insistiram, até convencer Klepker, a ser candidato a vice-prefeito na chapa do candidato a prefeito de Estrela Gustavo Simon. Nessa ocasião eram permitidas as sublegendas e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), usando esta faculdade, colocou três sublegendas. O adversário era Gabriel Aloísio Mallmann que concorreu sozinho pelo MDB e que ganhou a eleição com larga margem contra os três outros candidatos somados. Por essa adversidade política, advinda dessa eleição, Mallmann estava convicto de que fora Klepker que sugerira ao Presidente Ernesto Geisel deixá-lo fora da mesa oficial por ocasião da visita do Presidente. O prefeito Mallmann, mesmo não tendo sido convidado a compor a mesa oficial junto a Geisel, com a “maior cara de pau”, compareceu à cerimônia, mantendo-se junto ao público.
O pastor evangélico luterano, Edgar Hummes, da mesma confessionalidade de Klepker, havia sido convidado para pertencer ao Conselho de Administração da Cooperativa, o que já era uma tradição de muitos anos. O clero participava do conselho de administração e, como havia muitos sócios católicos, Klepker convidou também o Cônego Hugo Volkmann para fazer parte deste conselho. O cônego era bem mais prestativo do que o pastor nas sugestões que ajudaram Klepker na administração. Por isso, o diálogo entre o cônego e Klepker era bem mais frequente do que sua interlocução com o pastor. O fato originou aparentes ciúmes. Um dia, numa reunião do conselho, o pastor disse que Klepker sempre queria saber o que os associados tinham a reclamar ou perguntar à direção da cooperativa, por isso, indagaria o que todos queriam saber: “o que iria ser dos inúmeros bens que constituíam o patrimônio da Cooperativa se um dia ela quebrasse ou desaparecesse?” No mesmo momento, o Conselheiro Lauro Dickel, num tom irônico, respondeu: “Aconteceria à mesma coisa se a Comunidade Evangélica de Teutônia quebrasse, a Igreja pertenceria ao pastor. Aqui, no caso da Cooperativa, os bens passariam a pertencer ao Klepker”. Seguiu-se uma gostosa risada por parte dos presentes. O pastor, profundamente magoado, aguardou uma oportunidade para dar o troco.
No começo do ano de 1956, a luz elétrica para Vila de Teutônia era fornecida por um pequeno gerador movido por uma turbina e auxiliado por uma caldeira a vapor. O progresso da vila, no entanto, cada vez exigia mais potência para abastecer os usuários. O equipamento pertencia a Reinoldo Aschebrock, que era cunhado de Klepker. E Klepker, que, pouco anos antes, tinha fundado uma série de cooperativas, embora agrícolas mistas, não deixou de recomendar a seu cunhado que transformasse a sua pequena usina, considerada hidráulica, na Cooperativa de Eletrificação Rural Teutônia Ltda. (hoje Certel). A fundação e a organização Klepker sabia orientar muito bem. Aschebrock havia comprado uma área de terras que continha um banhado (Sumpf) – hoje Lagoa da Harmonia. Aschebrock aparentava ser um colono muito acanhado, mas, por dentro, era um “verdadeiro gênio”: tanto que ele lá instalou uma usina hidrelétrica, aproveitando a enorme queda d’água, e a transformou numa potente geradora de energia, considerando a necessidade de Teutônia para a época. Este novo investimento foi feito em nome da citada Cooperativa, orientada por Klepker. Quem diria que, cinquenta anos depois, esse empreendimento originaria a atual Certel (Cooperativa Regional de Eletrificação Teutônia Ltda.). Além de pioneira, esta é a maior cooperativa de eletrificação do Brasil.
Em 1960, Klepker fundou e dirigiu a Cooperativa de Eletricidade e Água Languiru Ltda., que foi um tipo de sucessora da antiga fornecedora de luz de Afonso Wallauer, de Linha Boa Vista, que abastecia as localidades de Boa Vista Fundos, Boa Vista do Meio, Boa Vista, Capivara e Languiru, mas, com absoluta deficiência, tendo em vista as necessidades de energia que só a vila de Languiru consumia. Esta era uma usina hidráulica que era alimentada por uma barragem construída no Arroio Boa Vista na Linha Boa Vista (hoje ainda existente). Esta cooperativa de eletricidade e água, criada por Klepker, teve como principal objetivo o suprimento de eletricidade para a então vila de Languiru e, paralelamente, ainda encarregou-se da distribuição de água potável proveniente de poços artesianos. Ocorreu aí a proeza de Klepker que, em sete dias, construiu uma linha de alta tensão de sete quilômetros para interligar a Cooperativa de Eletricidade e Água Languiru Ltda. à alta tensão da CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica), cuja rede estava na linha Wink, onde abastecia a Indústria de Laticínios Scaldat, comandada pelo então comerciante de Linha Schmidt, Alfredo Driemeyer. Encontram-se hoje também as sobras da fábrica de Manteiga Dahmer, de Boa Vista, pertencente ao comerciante Reinoldo Dahmer, que morava em Linha Schmidt (hoje Westfália/RS), onde também morava Driemeyer. Tanto da Indústria Scaldat, de Linha Wink, como da Fábrica de Manteiga Dahmer, de Boa Vista, hoje só sobraram as duas chaminés e os prédios que estão em estado de abandono.
Dahmer e Driemeyer eram considerados, na época, exímios comerciantes e fervorosos concorrentes. Voltando à proeza de Klepker com relação à construção da linha de alta tensão de sete quilômetros em sete dias, que conseguiu interligar a Cooperativa Eletricidade e Água Languiru Ltda. com a CEEE. Esta interligação proporcionou uma abundância de energia à vila de Languiru, que conheceu um fabuloso desenvolvimento. O prazo dos sete dias para construção da rede deu-se em função da eleição do governo estadual, que ocorreria por esses dias e o Governador Leonel Brizola havia prometido a Klepker ligar a rede ainda antes da eleição em troca da certeza de que ganharia a eleição em Languiru. Como esta certeza não era garantida, foi preciso ter a interligação antes do resultado do pleito. Klepker só conseguiu realizar esta proeza graças a sua liderança junto aos agricultores, que não mediram sacrifícios em ajudá-lo a alcançar o objetivo. Houve dias em que mais de cinquenta agricultores o acompanharam na obra, que consistia na marcação da linha que acompanhava a estrada pública, na derrubada de árvores de eucalipto para postes, no levantamento dos postes, na colocação das travessas no alto da fixação de isoladores e na extensão da linha propriamente dita. Os técnicos da CEEE limitaram-se meramente a fazer a ligação nos dois extremos da linha.
A parte relativa à energia elétrica da Cooperativa de Eletricidade e Água Languiru Ltda., mais tarde, foi anexada à Certel e a parte da água foi aproveitada para fundar a Associação Pró-Desenvolvimento de Languiru, que hoje distribui água potável a mais de dois mil e quinhentos consumidores.
Em 1970, Klepker fundou, organizou e dirigiu a Associação Beneficente Ouro Branco (Mantenedora do Hospital Ouro Branco). Como presidente da Cooperativa Languiru, havia comprado o Hospital Ouro Branco dos herdeiros de João Basílio Lavrinenco, médico de origem russa. Este havia construído o Hospital Ouro Branco. Alguns anos antes de falecer, ele já havia alugado a clínica ao seu colega Dr. Hércio Pegas que, desde então até sua morte, foi o médico e grande amigo de Klepker. O Dr. Lavrinenco ocupava uma parte do piso do subsolo do Hospital, onde morava sozinho, pois os familiares, a esposa, um filho e uma filha moravam em Buenos Aires – Argentina. O Dr. Lavrinenco continuava com a farmácia e com a parte hospitalar, que explorava economicamente. Os familiares lhe exigiam cada vez mais dinheiro ao ponto de cair no desespero e tornar-se alcoólatra, vindo a falecer tempos depois. As exigências da viúva e dos filhos cresciam cada vez mais e o Décio Michel, dedicado encarregado da farmácia, não sabia mais de onde tirar o dinheiro para satisfazer os herdeiros. Klepker então resolveu comprar o patrimônio do Hospital Ouro Branco. Essa compra já foi uma grande luta, imagina pagá-la! Para tanto, Klepker inventou um plano “mirabolante”: pediu cinco milhões aos associados que quisessem aderir espontaneamente ao negócio. Esses cinco milhões, a unidade monetária não vem ao caso, seriam devolvidos com 50% de custos hospitalares em caso de internação.
Um fato pitoresco sucedeu-se: um dos subscritores e contribuinte veio, um dia, pedir ao Klepker que pretendia sair do plano hospitalar, pedindo seus cinco milhões de volta. O motivo da sua decisão foi que ele não tinha ficado doente e que, portanto, não tinha precisado gastar nada no hospital, enquanto seu vizinho vivia doente e já tinha gastado tudo que podia. Klepker, prontamente, mandou devolver os cinco milhões, porque, para ele, não era preciso pedir duas vezes, era atendido na primeira. Conclusão: cada louco com sua mania. Imagina se o descontente tivesse ficado doente logo após ter saído do plano! A maior fortuna da pessoa não é a saúde como é comum ouvir-se, mas saber estar satisfeito com aquilo que se tem.
A realização do plano foi muito bem recebida pelos associados da Cooperativa Languiru, que, na sua grande maioria, eram pequenos agricultores, e que, num curto prazo de tempo, reuniram o valor suficiente para fazer o pagamento do hospital. O plano foi fechado por não haver mais necessidade de dinheiro, embora ainda houvesse colonos interessados em contribuir com os cinco milhões. Que tempo bom era esse, em que o colono tinha dinheiro até debaixo do colchão! O fato provou que Klepker usufruía de uma confiança ilimitada por parte dos cooperativados. Os passos sucessivos na administração do Hospital, sob a presidência de Klepker, nos primeiros anos, foram algo notável, tanto que a parte comprada não representa 10% do que hoje está lá. Para esse desenvolvimento substancial, a olhos vistos, Klepker nunca deixou de ser grato a seu melhor colaborador neste empreendimento: Milton Schneider. Este se dedicou de corpo e alma. Ele também foi auxiliado por outro colaborador incansável, Décio Michel. Contudo, o profundo reconhecimento que Milton Schneider sempre teve e ainda tem de Klepker não lhe foi reconhecido pelos administradores subsequentes, que, no seu entender, deviam ter mantido Schneider, senão como mandatário superior, mas como um exímio colaborador, pela sua ilimitada experiência e pela sua grande dedicação.
Outro fato marcante que o povo precisa saber é que Klepker foi condenado a prestar serviço comunitário por ter construído duas salas de aula em Canabarro nos tempos em que foi prefeito, sem licitação global. Ele pediu à justiça que lhe impusesse a prestação desse serviço comunitário, que era uma pena alternativa, na Associação Beneficente Ouro Branco, que não o aceitou, alegando estarem procedendo a uma profunda reestruturação na organização do hospital e, por isso, não poderiam aceitar Klepker para prestar sua pena alternativa na associação. Klepker, diante disso, só lhes perguntou: - “Quem melhor que eu, que organizei a instituição e já lhe prestei alguns anos de serviços ao hospital, poderia ajudar nesta reestruturação?”
O problema visivelmente girava em torno de política! Klepker era contrário aos que lideravam a administração do hospital, principalmente, ao prefeito e aos candidatos à sucessão.
Em 1981, liderou a instalação da CCGL (Cooperativa Central Gaúcha de Leite), que hoje é a AVIPAL (Aviário Porto Alegre Ltda.). Esta indústria foi uma ordem provinda do Presidente Ernesto Geisel, que pedira a seu Ministro da Agricultura que instalasse uma cooperativa central para industrializar o leite no Estado do Rio Grande do Sul onde se situavam diversos pequenos laticínios que passavam por dificuldades, alguns até estavam quebrando. Nessa época, Klepker havia viajado para Europa onde, na Alemanha, conhecera o Projeto do Terneiro Estabulado: os terneiros machos ou fêmeas falhadas, sobretudo da raça holandesa, assim que nasciam, eram estabulados em pequenas repartições que não lhes permitia muito movimento e, nos primeiros dias de vida, recebiam o indispensável colostro, depois da ração que os levava até 150 quilos de peso em quatro a cinco meses. Eles então eram abatidos e produziam uma carne muito macia. Podia-se dizer “que até a carne de pescoço era igual a filé mignon”. Klepker visitou a família Goelmann’s Hof onde conheceu o projeto em que cerca de cem animais de raça holandesa, por ser corpulentos, estavam estabulados.
Klepker levou o projeto do terneiro ao Ministro da Agricultura em Brasília que o achou muito importante e chamou seu chefe do Setor Veterinário, que era um japonês de nome Ikiero Ikeda.
Este pediu assessoria do economista gaúcho José Antônio de Oliveira Coimbra. A estes dois, Klepker explanou o referido projeto trazido da Alemanha e lhes pediu para instalá-lo em Languiru, então distrito do município de Estrela/RS, junto à Cooperativa Languiru. Os dois técnicos demonstraram o máximo de interesse pela instalação do projeto determinado pelo Ministro: a implantação de uma central de leite nesta região. O economista Coimbra, logo a seguir, veio a Languiru e, vendo o Projeto do Terneiro Estabulado já funcionando, interessou-se também em micro regionalizar a indústria central do leite nesta região. As prefeituras que ficaram sabendo desta importante indústria a ser construída com incentivo do Ministério da Agricultura, interessaram-se em trazer esta vantagem ao seu município, enviando cartas ao Ministro oferecendo participação no empreendimento. Indistintamente todas ofereciam áreas grandes e adequadas, serviço de terraplanagem, isenção de impostos e demais benefícios. Klepker levou vantagem e conseguiu trazer a indústria para Languiru em função de sua amizade com o Presidente Geisel, que certamente, pediu a seu Ministro, Ângelo Amauri Stábile, para dar preferência para a localização do laticínio junto à “Cooperativa de Klepker”.
Klepker também queria oferecer colaborações do seu município, na época Estrela, por isso foi procurar o prefeito Hélio Musskopf, que prontamente, lhe disse que daria a área necessária para instalação, porém, em Arroio do Ouro ou Santa Rita, mas nunca em Languiru, pois Languiru já estava ensaiando sua emancipação. Klepker, voltando com esta resposta negativa do prefeito, reuniu o conselho da Cooperativa Languiru e, relatando-lhes o acontecido, pediu autorização aos conselheiros para comprar uma área de terras de quatro hectares, espaço mínimo necessário para instalar o empreendimento. Junto com seu companheiro e colaborador Ruben Wolf foram vistoriar uma área adequada, pertencente a Raymundo Ahlert, que lhes fez o preço por braça quadrada (como era costume da época). O negócio logo foi fechado, só que, na hora de fixar a quantidade de terras a ser comprada, Ahlert não concordou em vender somente os quatro hectares, alegando “não vender o nariz da sua cara” (significa não vender somente à frente). Argumentou que não daria os quatro hectares e venderia somente toda área de dez hectares. Diante das exigências do vendedor, não houve outra alternativa a não ser comprar a área toda, da qual quatro hectares da frente foram destinados para construção da indústria; os quatro hectares seguidos, Klepker ficou para sua empresa Turismo Alesgut Ltda. e o saldo dos fundos ficou para a Cooperativa Languiru. Na área do meio, de quatro hectares, criou um loteamento, com cerca de duzentos terrenos, o que gerou o atual Bairro Alesgut da cidade de Teutônia.
Comprada e escriturada a área, foi imediatamente iniciada a construção desta enorme indústria, que foi “concluída a passos largos”. Os colonos e outros interessados, avaliando o que significava esta indústria – próxima ao loteamento Alesgut – vieram comprar os terrenos apressadamente. Assim, a venda dos duzentos terrenos concretizou-se em menos de meio ano e Klepker impôs aos compradores a obrigação de construir um prédio de alvenaria, no mínimo de cinquenta metros quadrados num prazo de um ano. Esse foi o principal fator de evolução do Bairro Alesgut; que trouxe muitos migrantes para trabalharem em Teutônia. Na inauguração da CCGL, veio o Ministro da Agricultura Ângelo Amauri Stábile, que veio de avião até o Aeroporto de Venâncio Aires, onde Klepker foi buscá-lo com seu automóvel. A primeira matéria-prima, para a nova indústria, veio dos produtores da Cooperativa Languiru, que cedeu os seus cem mil litros diários de leite. Depois foi trazida a produção de leite de todo o Estado como acontece até hoje, atingindo a mais de três milhões de litros diariamente.
Os cem mil litros da Cooperativa Languiru eram recolhidos em latões de cinquenta litros por caminhões de carroceria aberta. Sobre esta modalidade antiguíssima de coleta de leite existe um fato pitoresco, pois o leite era medido em diversos dias indeterminados no mês. Certa vez, um produtor, que trazia seu leite em um vasilhame para derramá-lo nos latões, ao chegar perto do caminhão, notou que era dia de medição para apurar o grau de gordura do leite e verificar a eventual adição de água ao produto. O produtor, diante disso, tropeçou, disfarçadamente, derramando todo leite no chão, escapando assim do vexame da medição, pois havia adulterado seu produto com bastante água. Outros fatos similares aconteciam, pois vários produtores procuravam falsificar o produto. Aconteceu, em um outro momento, o fato de encontrarem lambaris nos latões de leite, pois o produtor, por descuido, pegara junto com a água que tirava do arroio para adicionar ao leite, alguns pequenos peixinhos. Este hábito era conhecido como “batizado do leite”.
O laticínio, que foi construído pela Cooperativa Languiru, encontra-se defronte ao Supermercado. Esse prédio foi o primeiro a ser financiado com recursos do famoso Plano Mundial “Aliança para o Progresso”, onde obteve  o contrato número um de todo Brasil, graças a amizade de Klepker com Nestor Jost (Presidente do Banco do Brasil – gestor daqueles recursos). Para inauguração do prédio do laticínio, Jost foi convidado e, na hora de serem todos chamados a ocuparem a mesa do tradicional churrasco, anunciou-se também o costumeiro aperitivo. Quando todos os convidados tomaram seus lugares, perceberam que, sobre a mesa, para o brinde, havia um copo de leite para cada participante. Entre surpresas e risadas, Klepker explicou que todos tinham sido convidados para inaugurar um laticínio e não um alambique (fábrica de cachaça). A imprensa, no outro dia, anunciou que Klepker inaugurara um laticínio oferecendo como aperitivo um copo de leite em vez de cachaça.
Outro fato inusitado com relação ao leite aconteceu logo no início, quando Klepker havia construído o laticínio para a Cooperativa. A Empresa Manteiga Dahmer, de Linha Boa Vista, comprava o leite pagando por grau de gordura que o produto mostrava nas suas quatro ou cinco medições por mês. O que também era adotado pelo laticínio da Cooperativa, mas com uma diferença: a Cooperativa pagava o leite pelo grau de gordura que apresentava nas médias mensais, enquanto a Fábrica Dahmer pagava pela média dos diferentes graus de gordura de todos os fornecedores. Por exemplo, o produtor que tinha oito graus de gordura, acabava perdendo alguns graus em função de produtores cujo leite apresentava um teor de gordura inferior. Já aquele que tinha um grau inferior acabava sendo beneficiado pelo produtor que tinha um leite com mais gordura. Quando Reinaldo Dahmer ficou sabendo que Klepker pagava o leite dos seus produtores pela gordura que a medição acusava, procurou convencê-lo de que isto não daria certo e que devia saber tirar um pouco de quem tinha muito e dar para quem tinha pouco. Klepker discordou dizendo que não concordaria em pagar preço diferente do que a medição acusava. Dahmer afirmou que “então a Cooperativa iria quebrar”. O que aconteceu, contudo, foi o contrário: a fábrica Dahmer continuou recebendo leite dos que tinham um grau maior de gordura e o resultado foi que a Fábrica Dahmer só não “quebrou” (faliu) porque a Cooperativa Languiru a salvou da falência, comprando o negócio.
A cooperativa também foi pioneira com relação ao envasamento do leite em sacos plásticos. Quando Klepker esteve na Europa, visitou a maior feira de embalagens do mundo, na Alemanha, e lá viu funcionar uma máquina que embalava o leite em sacos plásticos. Até então só se conhecia um único sistema de embalar o leite no Brasil: em garrafas de vidro. Klepker conseguiu comprar aquela máquina na exposição que, antes de vir a Languiru, teve de ficar exposta, por quinze dias, numa feira de Buenos Aires (Argentina). Esta negociata garantiu à Cooperativa Languiru ser a pioneira de todo o Brasil nesta nova forma de embalagem do leite. Este pioneirismo foi muito invejado pelos paulistas, que sempre queriam ser os primeiros a lançarem novidades. Este pioneirismo custou muito caro à Cooperativa Languiru, que foi a única a fornecer leite ensacado. Por duas vezes, Klepker e seu motorista tiveram que ir a São Paulo para buscar o filme que formava os sacos plásticos nos quais era embalado o leite automaticamente com a nova máquina comprada. Este filme era fornecido pela única fabricante, que era a Tetrapack de São Paulo. Klepker tinha de substituir o filme que ainda era fornecido com pequenos defeitos. Pode-se imaginar a ansiedade que se passava quando ocorria à quebra da continuidade no fornecimento do leite para o cliente, que já estava habituado com a comodidade que lhe proporcionava o leite em saco (em substituição à garrafa, que lhe causava aborrecimento até na devolução do vasilhame, que não existia mais na nova modalidade).
Em 1981, Klepker fundou e presidiu, por diversos anos, a Cooperativa de Crédito Rural Ouro Branco Ltda. – Crediouro, hoje conhecida como SICREDI – Sistema de Crédito Rural. O nome Sicredi provém do órgão governamental para regulamentar todas as cooperativas de crédito rural. A Crediouro ou Sicredi de Teutônia foi constituída mais por uma imposição de Klepker, que, presidindo a Cooperativa Languiru, viu que era preciso organizar uma Cooperativa separada que se encarregasse do setor de crédito rural, que funcionava misturado com as demais operações estatutárias, até porque a legislação já previa que as Cooperativas comuns não deviam manter operações de crédito paralelamente. Mas isso não foi aceito pacificamente pelos demais companheiros de administração da Languiru. Por isso se disse que a Crediouro foi imposta por Klepker, que via a necessidade de organizar o setor de crédito rural numa cooperativa própria, da qual ele era o presidente e, ao mesmo tempo, ocupou também os demais cargos por algum tempo, até que conseguiu convencer os seus colaboradores de que era realmente necessária a criação do sistema. É importante dizer que, enquanto Klepker foi presidente da Crediouro, ele e todos os seus auxiliares administrativos tiveram que trabalhar de graça, não havendo salário para ninguém. A implantação de Klepker frutificou não tão imediatamente, mas o resultado pode ser visto hoje na Cooperativa de Crédito Ouro Branco – Crediouro ou Sicredi de Teutônia, que tem sua agência central em um prédio vistoso defronte ao prédio da Cooperativa Regional Agropecuária Languiru Ltda. trabalhando ambas de mãos dadas pelo progresso e desenvolvimento do produtor rural.

*Texto extraído do livro “AS MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DE ELTON KLEPKER: CRIADOR DO MUNICÍPIO DE TEUTÔNIA/RS” (2008), páginas 16 até 26, de GUIDO LANG.

* É PROIBIDA A REPRODUÇÃO INTEGRAL OU PARCIAL DO TEXTO SEM A MENÇÃO DA REFERIDA FONTE (LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998).

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: http://jornalng.com.br/news/supermercado-languiru-abre-as-portas-nesta-sexta-feira

O DISCURSO DO PRESIDENTE GEISEL NA VISITA A COOPERATIVA LANGUIRU (DE TEUTÔNIA/RS) EM 13/11/1975

Resultado de imagem para geisel

Agradecendo a homenagem prestada pela Cooperativa Languiru, o Presidente Ernesto Geisel assim se expressou:

“Creio que hoje, aqui, eu fui um pouco traído com o discurso escrito que acaba de ser feito. Não era meu objetivo e nem vim preparado para fazer um discurso, mas acho que tenho que dizer alguma coisa, e não desejo decepcioná-los ficando calado. Meses atrás, quando me fizeram o convite para aqui comparecer, confesso que tive várias dúvidas se aceitaria ou não o convite. Não é fácil para um Presidente da República deslocar-se pelo País afora e atender a todos os convites que recebe. São inúmeros, e o Presidente precisa, também, trabalhar. Por outro lado, esta região tem para mim e para minha mulher lembranças e recordações muito gratas, que nos tocam no fundo do coração e nos criam, às vezes, um excesso de emotividade pela qual eu também não gosto de passar.
Realmente, foi aqui que viveram nossos antepassados e foi aqui que, muitas vezes, a pé, em carreta ou dorso de um cavalo, passei períodos agradáveis de férias, no convívio com meus tios, meus primos e minha avó. Entretanto, achei por fim que devia vir e, afora essa recordação do passado, a minha vinda foi motivada pela importância que atribuo a esta cooperativa. Não apenas pela significação econômica do vulto de seus negócios, mas pelo exemplo que ela fornece e dá às demais, pela sua organização, pela sua direção, pela sua persistência, pelo combate que vem travando há 20 anos, ao longo dos quais, nas diferentes refregas em que se empenhou, sempre saiu vitoriosa, o que lhe permitiu atingir o alto nível em que hoje se encontra.
É propósito do meu Governo e de todos os que me antecederam darmos o máximo desenvolvimento ao cooperativismo.
Acreditamos que é uma forma de união que pode proporcionar os melhores resultados, seja no que se refere à produção em si, seja no que se refere à comercialização e ainda ao consumo e com uma interferência altamente proveitosa dos setores de crédito do Banco Nacional de Cooperativismo.
Aqui, esta organização é ainda mais importante pelo regime fundiário que, através do tempo, se estabeleceu como um minifúndio. Saber tirar desse minifúndio o rendimento capaz de sustentar uma família, assegurar a esse minifúndio a necessária produtividade mediante a utilização da melhor técnica, é um problema sem dúvida muito difícil, sobretudo numa área que, em grande parte de suas características, não comporta a utilização da mecanização, pelo acidentado dos seus terrenos. Então, tem aí a Cooperativa um vastíssimo campo de trabalho: fazer com que esses minifúndios, utilizando a excelente mão de obra de que a região é dotada pelos descendentes dos colonos que aqui se estabeleceram, apesar de tudo, progridam e que o povo que aqui reside tenha um melhor padrão de vida do que tiveram seus antepassados.
Creio que a Cooperativa está realizando isso e os meus votos são de que ela prossiga e alcance cada vez maiores êxitos.
Por fim, eu desejo fazer uma referência ao pedido que me apresentaram e que se relaciona à estrada que pretendem vincular ao sistema viário rodoviário da região e a pretexto, principalmente de utilização do terminal rodo-hidro-ferroviário.
Devo confessar que essa estrada não se enquadra no quadro nacional, ela não está vinculada ao Programa Nacional de Rodovias, mas não quero decepcioná-los neste sentido e acho que alguma coisa se possa fazer se realmente o nosso Governador estiver de acordo em fazer comigo uma “barganha”. O Governo Federal não pode asfaltar a estrada, mas o Estado pode. Nós, entretanto, de maneira indireta, podemos compensar o Estado pelo dispêndio que ele terá com essa obra. Muito obrigado”.

*Texto extraído do livro “AS MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DE ELTON KLEPKER: CRIADOR DO MUNICÍPIO DE TEUTÔNIA/RS” (2008), página 93, de GUIDO LANG. Baseado na obra “LANGUIRU RECEBE A VISITA DO PRESIDENTE GEISEL – MOMENTO HISTÓRICO NA VIDA DO COOPERATIVISMO BRASILEIRO” (1975).

* É PROIBIDA A REPRODUÇÃO INTEGRAL OU PARCIAL DO TEXTO SEM A MENÇÃO DA REFERIDA FONTE (LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998).

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2018/05/geisel-o-presidente-desconhecido-cjht5xmdz096m01pabtfdy36w.html

segunda-feira, 23 de março de 2020

A CONSTRUÇÃO DO CENTRO ADMINISTRATIVO DE TEUTÔNIA/RS

Resultado de imagem para centro administrativo teutonia

Fonte: Guido Lang, com base no relato de Elton Klepker (primeiro prefeito de Teutônia/RS)

Em 1983, logo que assumiu o primeiro mandato, Klepker criou e orientou a Cooperativa de Calçadistas Autônomos de Teutônia (COCATE). Esta foi a decisão de Klepker para tirar da miséria os desempregados da falida empresa de Calçados Schaefer Ltda. do Bairro Canabarro, que, de uma hora para outra, não tinham mais como ganhar o seu pão. Assim, Klepker, com seu ideal cooperativista, acabou fundando mais uma cooperativa, a COCATE, cujos associados eram os desempregados da empresa falida. Os desempregados passaram a trabalhar no ramo calçadista e escolheram entre eles seus administradores. A cooperativa, inicialmente, foi muito bem até que um dia o INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) entendeu que os associados deveriam pagar contribuição previdenciária como empregados. Até então, a cooperativa pagava sua parte como empregadora e os associados contribuíam com a taxa de autônomos, como eram considerados, e não como empregados, como o INSS, queria passar a tratá-los. O resultado, depois de uma longa disputa judicial, foi o fechamento da cooperativa.
Quando idealizou o Centro Administrativo, Klepker inspirou-se em Brasília, que considera a oitava maravilha do mundo. Publicou então uma licitação para os técnicos, engenheiros e/ou arquitetos apresentarem um projeto de obra. Aos participantes foram apresentados aspectos básicos que deveriam reger a construção, como, por exemplo: primeiro, o prédio não poderia ter madeira (somente tijolos, cimento, ferro e outros materiais não inflamáveis), isso para não ser necessário gastar com seguro contra incêndio; segundo, todo prédio deveria ser plano e térreo, sem escadarias ou andares; terceiro, o formato deveria ser em forma de cruz; quarto, seu estilo deveria ser o “enxaimel”. Todas as propostas apresentadas foram desclassificadas por não atenderem aos requisitos básicos. Klepker gastou alguns quilos de papel e rascunhou o projeto que havia idealizado, entregando-o ao engenheiro para transcrevê-lo nas linhas profissionais e foi daí que resultou a construção do tão admirado e conceituado Centro Administrativo, que se tornou o ponto turístico número um do município e da região e já foi visitado por teutonienses, gaúchos, brasileiros e estrangeiros (afluindo de algumas dezenas de países do mundo). Todos admiram a obra e classificam-na como inédita no seu gênero (obra municipal); não se tendo notícia de existir uma outra idêntica a nível nacional.
Nos quatro ângulos, ao redor da obra central, há o relógio das flores – simbolizando a pontualidade do povo germânico (nossos ancestrais); o museu Henrique Uebel, que guarda uma peça única no mundo, criada pelo gênio musical teutoniense, que deu seu nome ao museu – ele tocava simultaneamente sete instrumentos, tornando-se conhecido como “homem orquestra”; o Lago, que tem formato geográfico do município e que tem ao centro uma miniatura do Centro Administrativo sobre cuja plataforma foi esculpido um casal de pequenos colonos cujos antepassados colonizaram esta terra; e, por fim, há o engenho de cana de açúcar, totalmente em madeira, que era utilizado para a extração do caldo de cana com o qual os colonizadores fabricavam seu açúcar. Junto à réplica do engenho há um poço, cavado na terra, que simboliza a fonte de água potável para as pessoas e os animais. A água era retirada do poço por meio de um balde que era baixado e levantado por um cipó enrolado num cilindro de madeira, movimentado por uma manivela. Próximo ao poço, encontra-se um forno feito de barro, semelhante ao que era utilizado pelos colonizadores e ainda o é hoje em muitos lugares no interior do município para assar pães, cucas, biscoitos, entre outros alimentos. Para completar a homenagem, destaca-se um par de sapatos de pau, lembrando os primeiros colonizadores imigrantes germânicos que vieram da Westfália – uma região muito fria e úmida que exigia o uso de calçados feitos de madeira forrada com palha ou com meios de lã. O projeto global do centro administrativo, tal como idealizado por Klepker, preserva doze quadras, com dez terrenos cada, ao redor do mesmo. Esta área é destinada exclusivamente para serem construídos os órgãos, repartições e/ou entidades que prestem serviços de interesse público assim como o Centro Administrativo de Teutônia, que deverá sempre oferecer condições para que todos sejam atendidos praticamente sob o mesmo telhado. Toda pessoa encontra lá o atendimento que procura, sem precisar locomover-se para maiores distâncias (entre uma e outra repartição).
Entre outras obras, além do Centro Administrativo, Klepker reconstruiu todas as estradas municipais, que haviam sido deixadas em péssimo estado, durante aqueles dois anos que decorreram desde a emancipação até a posse do primeiro prefeito eleito. Em virtude da prorrogação de mandatos, Teutônia ficou ao completo abandono administrativo, pois ainda era de responsabilidade do município mãe, que não fez mais nada – instalando-se um verdadeiro caos. Quem mais sofreu com este miserável estado das estradas foram os transportadores de leite, ou melhor, os caminhoneiros que traziam o produto das propriedades produtoras até a usina. No inverno, com chuvas frequentes, era difícil ocorrer uma madrugada em que não vinha um pedido de socorro para ajudá-los a sair das valetas para dentro das quais haviam escorregado. A primeira medida tomada, logo após a posse, foi a pavimentação com paralelepípedos das subidas e descidas mais íngremes, dando segurança aos motoristas que recolhiam o leite diariamente, fizesse chuva ou sol.
A construção de escolas, creches e pavilhões sociais era prioridade do governo Klepker. Logo que começou a administrar Teutônia, em 31 de janeiro de 1983, muitas pontes e bueiros, que impediam a passagem de veículos pesados, foram reconstruídos e novos foram edificados. Muitas estradas novas foram abertas, tanto na zona urbana como na rural. Muitas dessas obras já caíram no esquecimento, principalmente, porque Klepker tinha o hábito de nunca inaugurar uma obra, porque só gostava de construí-las. Para exemplificar bem essa afirmação, cabe fazer esta pergunta: Quem lembra qual foi a obra pública municipal que gerou a maior expansão e integração do Bairro de Canabarro? Foi a ponte em nível com a rua D. Pedro II, sobre os trilhos da Rede Ferroviária Federal, construída por Klepker em seu 1° mandato. Essa importante obra para Canabarro Klepker construiu, mas não inaugurou. Seus companheiros políticos fizeram a inauguração sem a presença de Klepker que disse preferir pensar numa próxima obra a fazer dentre as muitas que esperam. Um episódio especial aí ocorreu: O amigo e companheiro de Klepker, o popular Manoel da Rodoviária, aproveitou a ocasião da grande passagem de curiosos e simulou uma inauguração da importante obra pronta. Fez uma faixa com papel higiênico que estendeu ao alto, atravessando a ponte. Saíram discursos políticos, mas o objetivo do Manoel foi outro: Vendeu dez caixas de cerveja. Outra particularidade de Klepker, que fez tantas outras obras mais, foi nunca pedir empréstimos e fazer tudo com recursos próprios do município, princípio este que sempre foi uma característica sua, tanto que lembra, até hoje, que seus pais lhe ensinaram a sempre ser econômico e nunca gastar mais do que ganhava. Embora pudesse estabelecer o seu próprio salário, ele nunca era muito mais do que o salário mínimo da época. O mesmo valor era pago aos vereadores e aos próprios funcionários municipais. Assim economizava recursos que investia nas obras e ainda conseguia aumentar a arrecadação do município que crescia de ano a ano a olhos vistos. Em todas as suas obras, especialmente no Centro Administrativo – que foi a de maior vulto – não foram feitos contratos globais. O próprio prefeito administrou todas as suas obras e a compra de materiais, evitando a possibilidade de alguém ganhar um “extra” em cima dos preços que eram rigorosamente controlados. A mão de obra foi administrada pelo conceituado construtor Antônio Costa, conhecido por mestre Antônio, que já vinha trabalhando com Klepker nesta função desde as obras da Cooperativa Languiru.
Por volta de 1984, no auge da polêmica história da desapropriação, Klepker desapropriou 95 hectares entre Languiru e Canabarro, pertencentes a quarenta pequenos agricultores, que era a área mínima necessária para o primeiro prefeito construir o Centro Administrativo e o restante da infraestrutura, como escolas, igrejas, indústrias, bancos, lojas, pavilhões, entidades sociais, áreas de lazer... Ele fez tudo isso para formar o conjunto da nova cidade de Teutônia – conforme obrigava o Termo de Compromisso – peça básica de todo o processo emancipacionista. Mas nem todos estavam de acordo com as ideias do prefeito. Além do “famigerado manifesto” dos onze pastores, a Câmara de Vereadores tomou partido da questão, chegando ao ponto de pedir a cassação do prefeito Klepker. A câmara, constituída de nove vereadores, inicialmente, deu maioria ao prefeito, tendo cinco vereadores votado a favor e quatro contra. Então, o vereador do partido do prefeito, Willy Ricardo Wolff, que tinha sido a principal figura na primeira campanha de eleição do prefeito, achou melhor passar a ser contrário a ele e aderiu aos desapropriados. Assim, o prefeito ficou com minoria na Câmara. Aí iniciou o processo de instalação da cassação do mandato, por isso, “os cassadores” apelaram para o vereador Egon Edio Hoerlle, que, ao aderir ao grupo, formou os dois terços necessários. Hoerlle, assinando o requerimento pedindo a cassação do prefeito, deu condições para a Câmara instalar o processo, que passou a tramitar até que um dia a Câmara foi convocada para votar a cassação. O prefeito, que estava sendo cassado, participou desta sessão. Estranhou-se a demora para o início dos trabalhos, quando Klepker viu que o vereador Willy Ricardo Wolff telefonou para o vereador Egon Hoerlle na Certel. Lá recebeu a resposta de que Hoerlle não estava e que tinha viajado, deixando os seus parceiros “pendurados no pincel”, como se diz na gíria. O presidente voltou aborrecido para a mesa diretora da sessão, bateu na campainha e disse que estava aberta a sessão de cassação do prefeito. Em menos de um minuto, bateu de novo na campainha e disse que estava encerrada a sessão por falta de quórum. Este fato carece de uma pequena explicação: o presidente deveria ter declarado que não havia quórum para a cassação embora houvesse quórum para funcionar a sessão. O ambiente estava tão pesado que se sabia que Egon Edio Hoerlle precisava estar presente para formar os dois terços.
Em meados de 1988, quando ia findando o primeiro mandato de Klepker, ele coordenou a campanha para eleger o seu vice, Silvério Lüersen, para prefeito. Inicialmente, a campanha não era pacificadamente aceita pelos eleitores de Teutônia, que ofereciam certa resistência para votar no candidato indicado por Klepker, porque o consideravam pouco resistente. Mas quando Klepker falou aos eleitores, que ficaria por trás do Silvério e lhes assegurou a continuidade da excelente administração, que conseguiu fazer Teutônia, “partindo do nada”, num município modelo em progresso e desenvolvimento, conseguiu sua confiança. O município, invejado por outros, já estava ultrapassando o município mãe, Estrela. Foi o bastante para os eleitores aderirem e aceitarem a proposta de Klepker, votando maciçamente no candidato proposto. Silvério Lüersen ganhou as eleições com larga margem. O adversário nessa eleição, como na primeira, foi o engenheiro civil Silvio Brune.
Silvério Lüersen, como prefeito da segunda administração, fez um bom governo: muitas realizações, obras de toda espécie, tudo isso naturalmente sempre assessorado, assistido e orientado por Klepker (1989-1992).

*Texto extraído do livro “AS MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DE ELTON KLEPKER: CRIADOR DO MUNICÍPIO DE TEUTÔNIA/RS” (2008), páginas 37 até 41, de GUIDO LANG.

* É PROIBIDA A REPRODUÇÃO INTEGRAL OU PARCIAL DO TEXTO SEM A MENÇÃO DA REFERIDA FONTE (LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998).

* Edição: Júlio César Lang


* Crédito da imagem: https://www.youtube.com/watch?v=6ajBprPpPS8


A EMANCIPAÇÃO DE TEUTÔNIA/RS

Resultado de imagem para centro administrativo teutonia

Fonte: Guido Lang, com base no relato de Elton Klepker (primeiro prefeito de Teutônia/RS)

1981 foi o ano que Elton Klepker liderou a emancipação dos distritos de Teutônia, Languiru e Canabarro, que já eram os distritos mais evoluídos do município de Estrela/RS, pois já tinham infraestrutura como luz, água, ruas pavimentadas, escolas, hospitais (Redentor de Canabarro, Teutônia Norte, do Dr. Ruschel, no Distrito de Teutônia, e Ouro Branco, de Languiru), telefonia e tantas outras que já lhe davam, a cada distrito, o aspecto de uma cidade. O único problema, quase insolúvel, era que a emancipação devia ser de três distritos (do mesmo município). Um fato que jamais tinha acontecido de acordo com os registros históricos e que dificilmente acontecerá novamente.
O movimento desta emancipação provinha de um outro anterior realizado em 1963, ou seja, dezoito anos antes. Já naquele momento surgiu a intenção dos moradores dos três distritos de Estrela (Teutônia, Languiru e Canabarro) de emancipar-se do município mãe. A iniciativa já fora liderada por Klepker. Foi então convocada uma reunião para todos os interessados na emancipação. O salão de Oscar Schwanbach, que se encontra hoje ainda no centro do Bairro Teutônia, e que é hoje propriedade da família Suhre, ficou superlotado. Foi uma verdadeira festa popular. Era unânime a vontade de verem os três distritos transformados em um município. Pela legislação da época, era necessário colher um terço das assinaturas dos eleitores que quisessem a emancipação. A coleta foi iniciada já no dia seguinte, com muito entusiasmo por parte de diversos encarregados. Surgiram então perguntas importantes por parte do povo: Em que condições ocorreria a emancipação? Onde ficaria a sede do novo município? Onde seria construída a prefeitura? Cada grupo encarregado da coleta de assinaturas respondia de acordo com seus próprios critérios, já que não havia sido acertado nada na reunião anterior. Estas divergências causaram mal entendidos entre os emancipacionistas dos três diferentes distritos, pois cada qual queria a sede, a prefeitura e outras vantagens para o seu distrito.
Uma das divergências culminou com uma agressão física cometida pelo eleitor Ewaldo Schonhorst, de Pontes Filho, do Distrito de Languiru, ao encarregado da coleta de assinaturas Ewaldo Ahlert, que era do Distrito de Teutônia. Schonhorst agrediu Ahlert, porque, quando Schonhorst afirmou que Languiru não ia acompanhar a emancipação se a sede do município ficasse no Distrito de Teutônia, Ahlert respondeu que “agora eles iriam no cabresto” – expressão usada para dizer que era obrigado a ir, pois o cabresto é uma peça que se enfiava no pescoço do cavalo e que o obrigava a atender ao manejo do cavaleiro. Ao usar essa expressão, Schonhorst, sentindo-se ofendido, deu uma bofetada em Ahlert que o deixou caído. Essa cena, apreciada por Klepker, deixou-o estupefato, e, por isso, resolveu encaminhar um pedido à Assembleia Legislativa do Estado para sustar o movimento emancipacionista. O advogado que requereu mandato de segurança a pedido de Klepker foi o eminente deputado estadual Antonino Fornari, que era natural de Arroio do Meio/RS, mas era considerado um grande amigo de Teutônia, porque sua esposa, a Senhora Ira Sommer, era natural da então Picada Schmidt (hoje Westfália/RS). Deferido o pedido de sustação da emancipação pela Assembleia Legislativa, a legislação, em seguida, mudou, tornando impossível fazer novo pedido. Somente em 1975 foi tomada a iniciativa para novo movimento.
Esse novo movimento, novamente liderado por Klepker, tomou como lição o fracasso de 1963 e, por isso, antes de fazer a reunião preparatória, foram feitas mais de vinte reuniões com as lideranças dos três distritos para se encontrar um denominador comum e para tentar agradar aos três distritos emancipacionistas. Essas reuniões geraram um termo de compromisso assinado por todas as lideranças reunidas. O termo estabeleceu todas as condições e fez parte do pedido de emancipação para o órgão competente, que era a Assembleia Legislativa. Foi preciso encontrar uma redação que definisse detalhadamente qual seria a sede do novo município, pois a sede de um novo município é a área urbana que forma a nova cidade. Quando é um distrito que se emancipa, esta tarefa é muito fácil, mas quando três distritos emancipam-se e cada um quer ser a sede do novo município, tudo fica mais difícil. Houve somente uma solução, que foi inserida no mencionado Termo de Compromisso, em que diz: “a sede do novo município serão as três áreas urbanas das três vilas de Estrela, ou seja, Teutônia, Languiru e Canabarro, mais a área rural necessária para a sua interligação e que deverão ser urbanizadas e, consequentemente, inseridas na área total que constitui a sede da nova cidade”.
O segundo problema a ser resolvido pelas lideranças para constar também no Termo de Compromisso era a microlocalização da prefeitura, pois cada distrito emancipado queria a prefeitura para seu bairro. Resumo: Canabarro queria lá; Languiru queria em Languiru e Teutônia, em Teutônia. Surgiram aí as mais diversas propostas, uma das quais foi apresentada pelo saudoso Bruno Hamester, que queria que fosse demarcado o meio entre os extremos das fechaduras das Igrejas Evangélicas de Confissão Luterana de Teutônia e Canabarro, para que, exatamente no meio, se localizasse “a fechadura da porta da nova prefeitura de Teutônia”. Mas se esse ponto caísse dentro do Arroio Boa Vista? Seguiu-se uma grande gargalhada por parte dos líderes presentes ao encontro em que Hamester apresentou sua sugestão. Finalmente, foi aceita uma proposta de Klepker com relação à construção da nova prefeitura, que, segundo ele, seria edificada pelo primeiro prefeito eleito em uma área que não se distanciasse mais de duzentos metros da divisa entre os distritos de Languiru e Canabarro. O nome do município foi aceito pacificadamente pelas lideranças reunidas em virtude da origem étnica dos habitantes emancipacionistas. Acertados os demais detalhes, foi lavrado e assinado o histórico Termo de Compromisso que fez parte do processo de emancipação.
O plesbicito foi realizado aos 24 dias do mês de maio de 1981. O “sim” obteve uma vitória de dois votos por um. Estava criado o Município de Teutônia. E, em 03 de outubro de 1982, aconteceu à primeira eleição para prefeito, vice-prefeito e nove vereadores. Os candidatos para prefeito e vice-prefeito foram Elton Klepker e Silvério Lüersen, que enfrentaram Silvio Brune e Júlio Ernani Sippel. Klepker e Lüersen venceram. Além deles, foram eleitos os seguintes vereadores: Egon Edio Hoerlle, Willy Ricardo Wolf, Ledi Schneider, Cláudio Wiebusch, Selby Wallauer (nomeado Secretário da Educação, foi substituído pelo primeiro suplente Airton Guilherme Grave), Ronald Orlando Goldmeier, Mário Wink, Alcido Lindemann e Dorival Bez Machado. Klepker, embora iniciando a administração do ponto zero, como acontece com todo novo município, enfrentou e superou todas as dificuldades. Cumpriu à risca o Termo de Compromisso, editado por ele, e que lhe impunha a tarefa de construir um Centro Administrativo.
O Centro Administrativo iniciou a história mais polêmica de Teutônia. Para construir o centro, foi preciso adquirir uma área de terras. Klepker procurou fazer um acordo com os proprietários de terras entre Languiru e Canabarro, onde deveria ser construída a obra (conforme o Termo de Compromisso). Achou por bem propor aos proprietários adquirir a área necessária, trocando cada hectare de que precisava por quatro terrenos com toda a infraestrutura. Havia em torno de quarenta proprietários rurais entre Languiru e Canabarro; aí começou uma “verdadeira guerra”. Mais ou menos a metade desses proprietários posicionou-se a favor da proposta de Klepker, enquanto a outra metade pronunciou-se contrária. Isso tudo era consequência da eleição municipal. Os integrantes da Arena (Aliança Renovadora Nacional), que tinham apoiado Klepker, continuavam a apoiá-lo na cessão de suas terras; a outra metade, ligada ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro), era contrária e era “atiçada” pelas lideranças políticas, “ainda com cabeça quente”, em função da eleição perdida. Esta discordância obrigou Klepker a iniciar o processo de desapropriação contra os adversários, por quanto por parte dos apoiadores (concordantes) era lavrada uma escritura pública amigável. Os processos desapropriatórios tomaram vulto de descontentamento e foi preciso recorrer a todas as esferas judiciais, mas todas deram ganho de causa ao prefeito.
O caso até gerou a intromissão do clero, dado que, em uma reunião do Concílio Eclesiástico, os doze pastores das comunidades evangélico-luteranas (IECLB), credenciaram o pastor Edgar Hummes, da comunidade Paz, do Bairro Teutônia, a redigir um manifesto assinado por onze pastores, incriminando o prefeito Elton Klepker por ter tirado o pão da mesa dos filhos dos agricultores dos quais “tirara terras”.
O termo comprovou que Klepker estava certo. Hoje, tanto os que cederam amigavelmente suas terras e, principalmente, os que perderam a questão na Justiça – acusando Klepker de ter-lhes tirado ou extorquido suas terras – estão rindo “com a boca atrás das orelhas”, como se diz na gíria, porque se convenceram da vantagem do negócio, já que o lucro foi unicamente deles. Em média, foram desapropriados somente 18% das terras de cada proprietário, os restantes 82% valorizaram milhares de vezes ao ponto de um terreno hoje valer mais do que toda a área naquela época. Os pastores, que assinaram o documento, devem estar sabendo também da injusta acusação que fizeram e nem pediram perdão. Klepker, no entanto, como bom cristão, perdoou-os sem que tenham pedido perdão, já que Klepker norteou e ainda continua norteando toda a sua vida nos princípios cristãos que foram legados pelo seu inesquecível pastor Wilhelm Ziebarth, que o batizou, confirmou e casou.

*Texto extraído do livro “AS MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DE ELTON KLEPKER: CRIADOR DO MUNICÍPIO DE TEUTÔNIA/RS” (2008), páginas 34 até 37, de GUIDO LANG.

* É PROIBIDA A REPRODUÇÃO INTEGRAL OU PARCIAL DO TEXTO SEM A MENÇÃO DA REFERIDA FONTE (LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998).

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://www.teutonia.rs.gov.br/o-municipio/

sexta-feira, 20 de março de 2020

AS SOMBRAS DO PASSADO


Znalezione obrazy dla zapytania: romance

Guido Lang

(História inspirada em fatos reais. Relato de um romance que acabou em tragédia no final do século XIX, no atual município de Teutônia/RS)
 

1 -  A Colônia Teutônia

A Colônia Teutônia, no interior do município de Estrela, é uma fértil terra, que, a partir de 1858, foi europeizada. Inúmeros imigrantes, sobretudo hunsrücker e westfalianos (acrescido de uns poucos austríacos da Boêmia), instalaram-se nas encostas e vales do Arroio Boa Vista. Algumas famílias, com estirpes espalhadas pelo Estado, possuem suas origens nas plagas teutonienses; as terras, originalmente, foram divididas em 600 lotes coloniais, que tinham a extensão entre 30.000 a 200.000 braças quadradas. Vários sobrenomes salientaram-se na epopéia da colonização, no que se destacam, entre muitos outros, os Franck, Hilgert, Hetzel, Krützmann, Jasper, Brandenburg, Dickel, Gennehr, Lang, Strate, Wiebusch, Dockhorn...
Philipp Franck, Anne Jasper e Heinrich Hilgert, protagonistas da história, somaram-se aos inúmeros desbravadores, que num trabalho paciencioso, foram conquistando centímetro por centímetro da Floresta Pluvial Subtropical. Animais selvagens, insetos desconhecidos, répteis temidos, botocudos errantes foram enfrentados com artefatos rudimentares. Os colonos, na ânsia por terras, tinham somente um lema: “Vencer ou perecer”. Inexistia a ideia do retorno ao torrão europeu, porque se carecia de recursos.
Os pioneiros, depois de morar embaixo de árvores ou improvisar moradias, iniciaram a derrubada das centenárias árvores, que, entrelaçadas por cipós, formavam emaranhados. Inúmeras espécies, como angicos, canelas, canjeranas, cedros, grajuviras, louros e ipês possuíam volumosos troncos, que precisavam de vários braços para conseguir abraçá-los. Um trabalho demorado de corte, cujas ferramentas e métodos rústicos (como machado, serrote e fogo) romperam o grito dos bugios e o cantar dos pássaros. A terra, com o trabalho familiar, necessitava ser conquistada para o plantio da abóbora, cevada, feijão, mandioca, milho, trigo... Animais domésticos, como galinhas, gansos, patos, gado e porcos foram multiplicando-se ao ritmo das colheitas, quando abundava trato. Alguma montaria constituía-se numa “uma pérola” em meio às picadas (trilhas) de mato que, com facões e machados, foram abertas pelos agrimensores diretores da companhia colonizadora (Sociedade Colonizadora Schilling, de la Rue, Rech, Kopp & Cia) para fazer as medições.
Anne, Philipp e Heinrich participariam do processo de conquista, quando os filhos eram a mão-de-obra barata das famílias germânicas. Dialetos, como o austríaco, hunsrück e westfaliano (“sapato-de-pau”), ouviam-se às margens do fértil Arroio Boa Vista, que é o maior curso d’água da margem esquerda do Rio Taquari. Falas estranhas às terras subtropicais externavam um modo de pensar e viver dessa gente empenhada em construir uma nova morada. Várias famílias, nas diversas picadas/localidades (Catarina, Boa Vista, Glück-auf, Germana, Frank, Neuhaus, Nove Colônias...), viram-se instaladas em algum lote. O afluxo de novas famílias advinha com o progresso e os casamentos, através dos quais, durante algumas décadas, as estirpes viram-se aparentadas. As melhorias, como caminhos de acesso, escolas comunitárias, pontos de pregação evangélico-luteranos e vendas coloniais sucediam-se com os anos, quando ocorreram melhorias econômicas. O canto coral e o baralho (carteado) ganharam espaço como diversão e tornaram-se locais de encontro e reencontro. Inicialmente, nas próprias famílias; depois, nas casas comerciais (conhecidas como vendas). O escambo de artigos agrícolas por ferramentas, ocorria nos estabelecimentos de Karl Arnt e Ernst Hetzel. Outros, com os anos, sucediam-se em cada localidade, quando colonos-comerciantes e colonos-pastores constituíam-se como as pessoas mais informadas e viajadas do lugarejo.

2  -  A venda

Anne Jasper, nos idos de 1875, foi encarregada de fazer umas compras no armazém de Ernst Hetzel, que se localizava nos fundos da Boa Vista (lugar posteriormente denominado Linha Capivara). Ela, trocando um pouco de café e sal por manteiga e ovos, deparou-se com um jovem que, como morador da Picada Frank, encontrava-se no estabelecimento. O rapaz, de imediato, chamou-lhe a atenção, quando ele, como bom companheiro e seguindo o hábito local, cumprimentou-a com um "bom dia". Anne, muito envergonhada e tímida, como as meninas da colônia, viu algo diferente naquele moço, porque “o sexto sentido” parecia-lhe pressentir algo.
Philipp, após a ida da menina, perguntou ao Ernst: 
- “Quem é esta menina simpática?
Ernst respondeu:
- “Ela é filha de Friedrich Jasper, que é um morador da localidade. Eles são de uma família caprichosa e afluíram da Westfália. Contam que o velho lutou nas Guerras da Unificação Alemã (1870) e ganhou a Grande Cruz de Ferro do Império Alemão. Ele revela-se um exímio atirador e construtor”.
Uns meses transcorreram e Anne parecia ter esquecido a fisionomia do moço. A preocupação era auxiliar os pais na criação dos irmãos, cuidar dos serviços domésticos, auxiliar nas atividades agrícolas... O princípio era trabalhar com o objetivo de reunir economias, que o velho Jasper, com a maior parcimônia, reunia e guardava. Inúmeras moedas, sobretudo de ouro e prata com a esfinge do Imperador Dom Pedro II, acumulavam-se em um baú. A preocupação, a cada transação comercial, era vender um pouco mais que as compras efetuadas. Algumas divisas, em forma de numerário, precisariam advir, do que os comerciantes não gostavam, uma vez que davam preferência ao mero escambo, e os colonos ficavam a mercê dos vendedores.
A família Jasper, nos primeiros anos, preocupou-se em edificar a sua moradia. As pedras foram extraídas no próprio lote, pois nele afloravam pedras-grês (para edificação de alicerces e cercas de pedra). As pedras especiais foram utilizadas na moradia, enquanto as irregulares e pontiagudas na edificação das taipas. A madeira, como cabriúva e o cedro, foi cortada na floresta, da qual se fez janelas, portas e telhado. Um solar Jasper, no estilo enxaimel, viu-se construído, moradia essa que passaria por gerações. Uma preocupação excepcional mantinha-se com o porão, que era o espaço do abate de animais, depósito de ferramentas e produtos e refúgio durante os rigores do verão. Um recanto, entre as inúmeras pedras do alicerce, viu-se resguardado para que o dinheiro pudesse ganhar abrigo seguro diante da investida de forasteiros. Um lugar inimaginável à guarda de reservas monetárias, que pudessem despertar a cobiça alheia e o egoísmo humano. Friedrich não se deu conta de que acabaria criando uma lenda. Uma história comunitária na qual o numerário Jasper não seria esquecido no espaço e tempo. Criou-se a lenda do tesouro Jasper, um segredo que desafia a descendência e os caçadores de tesouros. Um punhado de moedas, cujo objetivo era resguardar o casal diante dos infortúnios da velhice, foi o resultado de uma economia de décadas. O princípio westfaliano de guardar níquel por níquel para tornar-se o mais afortunado da picada foi seguido à risca, e os Jasper tornaram-se os mais afortunados da Capivara e redondezas.

3  -  O baile

A rotina colonial parecia monótona, pois poucos eram os acontecimentos sociais, apenas alguns cultos, efetuados por Heinrich Beckmann ou Gustav Adolf von Grafen, aconteciam. Os casamentos, durante o ano, sucediam-se nas casas dos colonos. Nessas ocasiões, eram convidados só os vizinhos e parentes muito próximos. O Kerb também era festejado entre os familiares mais íntimos. Essa festa era o evento do ano e, durante a comemoração, oferecia-se, aos visitantes, “do bom e do melhor”. Não faltavam os assados, arroz, batatas, conservas, cucas, doces, massas, saladas... A família organizava-se e trabalhava o ano inteiro para oferecer o melhor nessa confraternização. Também retribuía, em outro momento, a visita dos parentes que participaram da comemoração.
Os bailes ocorriam de forma esporádica, geralmente por ocasião de uma inauguração de casa ou promoção familiar. Os comerciantes, em seus prédios espaçosos, promoviam eventos para os quais afluía o conjunto de moradores próximos e de picadas diversas. O acontecimento era animado por alguns “colonos músicos”, que mantinham um repertório reduzido. Alguma música, inclusive de composição própria, via-se tocada em várias oportunidades; noutros momentos, “arranhava-se os instrumentos”, e o pessoal adorava “essa barulheira”. Os colonos, “escondidos no meio do mato”, desconheciam maiores afinações, apenas ouviam, de algum imigrante, falar dos conceituados salões da Europa.
Anne Jasper, nos idos de 1876, foi a uma promoção de Ernst Hetzel, que era, ao lado de Karl Arnt, o comerciante mais influente das redondezas. A jovem, em meio ao reduzido número de pretendentes, tinha pouca opção. Além disso, as moças ficavam recolhidas num canto e os moços noutro. Ela, num certo instante, deparou-se com uma surpresa. Alguém lhe disse:
-“Vamos dançar?”.
A menina olhou o rapaz, tratava-se do jovem Heinrich Hilgert, que vinha dos lados da Boa Vista. Ela, como menina educada, disse:
-"Aceito!”
 Os jovens dançaram algumas “marcas” porque, conforme versava a tradição, “uma dança era obrigação”. “Carão” diante do convite era motivo de ofensa e uma desfeita inesquecível; era encarado como uma afronta ao convidante, por isso era fundamental pensar bem diante de atitudes extremas.
Anne e Heinrich, naquela noite, dançaram algumas “marcas” sob o observar atento da família e vizinhos. As carícias e intimidades no ambiente público eram inimagináveis e motivo para denegrir a imagem da moça. Algumas músicas dançadas diante dessa sociedade colonial representavam um compromisso sério no entender dos moradores. Heinrich chegava a sonhar com Anne como sua esposa, porém ela não imaginava que poderia estar plantando seu desgosto e tragédia.
A bela jovem de cabelos louros e graça indescritível tinha ganhado um obcecado admirador, que não media a consequência dos seus atos. Ela desconhecia os Hilgert, que, sob os olhares de Friedrich Jasper e Wilhelmine Buhler, não eram a melhor referência. A família Hilgert, devido à carência de capricho e devido ao escasso apego ao trabalho, via-se descartada como boa companhia. Recomendava-se, de forma discreta, melhores candidatos nas circunvizinhanças. “Anne”, disse o pai, “você merece mais, valorize-se como menina, pois casamento não é negócio de cavalo”. Um casamento equivocado, nas colônias, mostrava-se uma tragédia, sobretudo à mulher; ela pagava a má escolha com a desonra e miséria.
Um casamento, na prática rural, significava um punhado de filhos, que costumeiramente superava uma dezena. Um fato raro era falhar dois ou três anos sem alguma “novidade familiar”, o que significava o aumento do número de membros. Os filhos, desde que se conheciam por gente, auxiliavam nos trabalhos e nunca faltavam nas tarefas de criação dos irmãos e nas lidas rurais. Cada filho, conforme a idade, ganhava tarefas de acordo com o vigor físico da idade. Anne, a semelhança das demais mulheres, naquela sociedade patriarcal, seria “uma boa parteira” e mulher submissa ao marido.
Algumas necessidades familiares advinham do escambo, porque os Jasper não tinham como produzir café, ferramentas de ferro, sal, tecido... A produção econômica principal eram os cereais, porque permitia a criação dos porcos. Esses, com sua gordura, forneciam a banha, que nos anos posteriores, ficou conhecida como “ouro branco” (uma atribuição posterior ao atual bairro de Languiru e ao hospital local). O abate de suínos era semanal, porque se aproveitava a banha para a comercialização, e a carne era destinada ao consumo familiar. Os domingos eram marcados pelos fartos assados de porco, que eram preparados no forno colonial. A linguiça também era preparada continuamente, e a vencida era descartada, tratada aos cachorros (daí surgiu a expressão: “amarrava-se cachorro com linguiça”).
A mãe de Anne, Wilhelmine, numa certa manhã, disse:
- “Anne! Dá uma corrida à venda do Hetzel, precisamos de sal. Deixa a conta para o pai acertar”.
A moça, como boa menina, de imediato aceitou e não tinha como dizer "não"; um pedido, naquela sociedade colonial germânica, era uma ordem. Anne, vestindo a roupa colonial e sem maiores arrumações, pegou uma égua selada e tomou a estrada geral. Procurou contornar os atoleiros do inverno, onde animais atolavam até a barriga. Alguns resquícios da mata nativa, ao longo da picada, mantinham-se intactos. O avanço  da colonização acabaria com os centenários troncos e com isso, em boa parte, com animais silvestres. Os bugios, em seus bandos, faziam suas algazarras e brincadeiras; capivaras fossavam o solo e corriam entre trilhos; tucanos voavam entre galhos e troncos... Uma diversificada fauna de beija-flores, bem- te-vis, corruíras, joões-de-barro, quero-queros, tico-ticos... Às margens do Arroio Boa Vista, com abundância de água e sol, a vida ganhava um colorido especial.
Anne, no meio do caminho, deparou-se com um jovem cavalheiro, que umas horas antes, também tinha procurado a venda, que era espaço das compras e vendas, assim como das conversas informais e divulgação das novidades. O comerciante Ernst, sempre muito curioso, tratava de perguntar e divulgar os acontecimentos, quando os moradores, nas idas e vindas, traziam os sucedidos de acidentes, doenças, negócios, visitas... Esse moço, numa coincidência inimaginável, era o Philipp Franck. Ele, morador da Picada Frank, passava pelo Passo da Capivara no Arroio Boa Vista e achegava-se à localidade. O rapaz não retornara a fazer trajeto por mera casualidade, porque já tinha vislumbrado algum interesse. A menina loira tinha-lhe conquistado o coração e agora tinha-na a sua frente. Parecia-lhe uma bênção divina, porque Deus, na sua grandiosidade e onipotência, age por meios diretos e indiretos, de formas inimagináveis.
Philipp Franck fica fascinado e estático. Anne repara nele um olhar amoroso, porque os jovens logo compreendem a linguagem da paixão. O comportamento, com a proximidade, revela intenções. O jovem diz:
- “Bom-dia, Anne! Há muito procuro ter a oportunidade para poder conversar contigo. Você também ouviu falar dos Franck que residem na picada vizinha? Lembra-se de mim? O moço que se encontrava na venda e ficou a observar-lhe de forma atenta?”
- “Ouvi falar de ti! Lembro-me do fato de tê-lo encontrado há alguns meses”, complementou Anne.
-“Desculpe-me Anne! Há muito tempo ambicionava este momento. Queria ter vindo ao baile do Hetzel, mas foi-me impossível. Tenha a compreensão do meu interesse por você. Compreendo que é bastante grosseiro pará-la na estrada para conversar e externar-lhe outra proposta. A dificuldade é o encontro e reencontro, porque quero a ver-lhe em outros momentos”.
- “Fico sem palavras! A admiração e o espanto tomaram conta de mim. Não imaginava que alguém se encontrasse interessado em minha pessoa. Vou conversar com os meus pais sobre o nosso encontro e interesse. Não posso demorar-me a conversar muito tempo para não dar margem a outras interpretações. Até logo! Agente se vê noutros momentos”, concluiu a menina.


* Texto extraído do livro "As Sombras do Passado", páginas 03 à 07, de Guido Lang.

* Crédito da imagem: https://deveserisso.com.br/