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segunda-feira, 1 de julho de 2019

O livre pensador

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Guido Lang

Os livres pensadores eram uma espécie de intelectuais comuns no meio colonial. Eles eram os indivíduos mais esclarecidos e com forte influência assimilada pelo iluminismo e maçonaria. Adoravam criticar e questionar os princípios cristãos e combater as superstições.
Frederico, um forte colono teuto-brasileiro e estabelecido no interior de uma localidade, dizia-se livre pensador. Ele, do seu avô e seu pai, recebeu influência dos iluministas (Diderot, Montesquieu, Rousseau e Voltaire), que se valeram da razão com vistas a descobrir o mundo. Koseritz, a nível estadual, era a sua maior influência, pois afinava com suas ideias (de Deus estar presente na natureza). A leitura, em meio às tarefas rurais, era uma necessidade, e o Almanaque do Pensamento, Brasil Post e Neu Deutsche Zeitung eram intercambiadas entre parentes e vizinhos, que fechavam com as suas concepções ideológicas.
Os filhos semanalmente tinham a missão de levar e trazer os escritos, que circulavam em diversas residências. O debate sobre informações e temas sucedia-se nas rodadas de aperitivos ou jogos de cartas, assim como nas visitas específicas, sobretudo nos dias chuvosos, para aquela finalidade. Os retornos da venda colonial eram outro momento significativo para o diálogo e para reflexões, quando ficava-se conversando à beira da estrada (junto ao acesso de alguma propriedade rural). As concordâncias e discordâncias, num alto nível e impulsionadas pela dose alcoólica, faziam-se grandes polêmicas.
Frederico, pelo conhecimento assimilado e experiência vivenciada, tornou-se um formador da opinião pública comunitária. A colonada, diante dos “dilemas da burocracia estatal e problemas existenciais”, consultava-o com a finalidade de “ouvir saídas e sugestões frente às problemáticas”. Alguns moradores e o pastor, no entanto, conheciam suas concepções materialistas e panteístas, porque em situações, acreditava na matéria e noutras na presença de centelhas divinas no conjunto da natureza.
O camarada, no ambiente doméstico e familiar, mantinha inclinação a benzeduras e superstições. Ele em meio à incredulidade cristã, fazia o ato de benzer em “nome do Pai, Filho e Espírito Santo”. Mas, noutro exemplo, não deixava varrer após o pôr-do-sol, pois “temia varrer a sorte porta afora”. Frederico, portanto, ostentava um sincretismo, que mesclava crenças do período das “Luzes” com o das “Trevas”.
Todos nós, de alguma forma, confundimos concepções e filosofias, que mesclam conhecimentos científicos com empíricos.

(Texto extraído de “Contos do Cotidiano Colonial”, página 13, de Guido Lang).

Crédito da imagem: https://revistagalileu.globo.com

O dinheiro desvalorizado

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Guido Lang

Uma localidade interiorana foi cenário de um fato financeiro marcante, que retrata facetas do espírito econômico e poupador da descendência teuto-brasileira.
Dois solteirões, moradores do interior de uma pacata comunidade rural, viveram uma experiência essencialmente modesta. Eles, durante anos de labuta, foram acumulando divisas monetárias, pois mantinham a filosofia germânica do poupar nas farturas, com intuito de ter recursos nos infortúnios. Os rapazes conseguiram sobreviver essencialmente com o mínimo, em que, um certo conforto e bem-estar era compreendido como luxo. Os frutos do trabalho, continuamente, sobravam.
Um certo dia, um dos moços veio a perecer, quando o sobrevivente, com vista a não cair no desleixo e solidão, foi acolhido por um parente próximo. A solidariedade cristã e familiar era cultivada comumente, no meio colonial. A mudança, depois de décadas de vida, naquela casa e terra (herdada dos ancestrais), tornou-se necessária. Alguns moradores, amigos e vizinhos auxiliaram na tarefa da escassa mudança de bens, que restringiam-se a meia dúzia de pertences. Os ajudantes, depois de alguns minutos de labuta, depararam-se com dois enormes sacos, que pareciam tomados de papéis. O solteirão recomendou cuidado especial e por isso, atiçou a curiosidade do pessoal.
Os curiosos, de imediato, resolveram conferir o conteúdo dos invólucros, e ficaram admiradíssimos com as imagens. Os papéis consistiam de notas de dinheiro que, durante duas vidas inteiras, foram guardados naqueles espaços. As notas, sobretudo em cruzeiros, encontravam-se com seu valor vencido. As estimativas dão conta que, pelos valores da época, daria para comprar uma boa extensão de terra ou na atualidade, adquirir diversos veículos. Os ajudantes lamentaram profundamente o “leite derramado”.
Os poupadores, centavo por centavo, foram juntando os ganhos na sua rígida mentalidade econômica. As pessoas abstinham-se de investir na lavoura, privavam-se de melhorias alimentares, renunciavam ao conforto... Um sacrifício em vão em função do desconhecimento da escalada inflacionária brasileira. O exemplo mostra o espírito poupador germânico, gosto acentuado pelo dinheiro, temores com o porvir... Eles sobreviviam com o mínimo, com vistas a economizar o máximo.
A vida, em momentos, prega-nos peças esdrúxulas e interessantes.
           
(Texto extraído de “Contos do Cotidiano Colonial”, página 15, de Guido Lang).

Crédito da imagem: http://descubracastelo.com.br/cedulas-do-brasil/