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sexta-feira, 3 de abril de 2020

O MANUSCRITO PARAGUAIO


Guido Lang

Um morador rural recebeu uma correspondência do Paraguai. Este manuscrito encontrava-se redigido num espanhol que era de difícil leitura. O colono e familiares, por um bom tempo, debruçaram-se sobre os significados daqueles escritos, que pareciam indecifráveis para leitores de formação escolar primária. Procurou-se levar a carta à professora da localidade, que também incompreendia aqueles registros literários.
Alguém, depois de dias de reflexão e tentativas de elucidar o enigma, lembrou- se do farmacêutico. Este tinha muita prática de decifrar manuscritos, pois as receitas médicas vinham redigidas de uma forma extremamente penosa. O profissional, depois de uma breve olhada, parecia continuamente elucidar os maiores garranchos, quando receitava remédios aos pacientes. O Johann, farmacêutico tradicional do vilarejo e “pau para muita obra”, foi procurado para dar uma olhada naquela mensagem. Este, como de práxis e movido pela sua costumeira curiosidade, não se negou a fazê-lo.
O profissional autodidata, depois de alguns minutos, voltou às estantes da farmácia e começou a pegar remédios. Ele achou que se tratava de algum receituário médico, que era costumeiramente recomendado aos pacatos moradores coloniais. O colono, diante da postura, ficou atônito, porque nem estava interessado em adquirir qualquer medicação.
O sucedido veio a elucidar a aparente suspeita que esporadicamente era comentada nas comunidades circunvizinhas ao lugarejo. O farmacêutico, em diversas oportunidades, comercializava remédios impróprios, que nem tinham recebido recomendação. O vendedor, desta forma, re- solvia seu problema de produtos encalhados, que careciam de compradores. A história do Johann cedo correu as comunidades, que riram da sua infelicidade e malandragem.
Somos, em diversas circunstâncias e momentos da existência, ludibriados em função de artifícios e de ignorância. A confiança excessiva, em situações, acaba aproveitada para tirar vantagem, mas a verdade, cedo ou tarde, revela-se através dos fatos.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 32, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

O CAVALO CORREDOR


Guido Lang

O lazer colonial, até os anos de 1960, era bastante escasso no contexto das colônias, onde carecia-se das facilidades de comunicação e locomoção para os diversos eventos comunitários.
Os colonos, de maneira geral, divertiam-se nos bailes anuais das entidades, nas carreiras de cavalos, nos festejos familiares, kerbs, partidas de futebol...
Um esporte bastante apreciado eram as tradicionais corridas de animais, que se sucediam nos potreiros das colônias..
A multidão, nos eventos previamente divulgados, afluía maciçamente às competições, nas quais faziam-se vultuosas apostas nos animais. Um baralho (carteado), sobre um pelego estendido no chão, ganhava importância, nos intervalos da diversão, pois nem sempre havia cadeiras e mesas para as partidas improvisadas.
Os moradores submetiam-se à realidade de carências, porque desconheciam maiores confortos e vantagens naquele pacato e rústico modelo de vida.
Um apostador e o dono de um cavalo corredor fizeram um negócio para alimentar e investir no aprimoramento do excepcional bicho. O dono entraria com a mão-de-obra, com a finalidade de tratar o animal e com os rotineiros treinos de corrida. O fanático apostador entraria com o trato (alimento) no qual não poderia faltar a abundância do milho.
O colaborador caprichou no investimento, pois sentia paixão pela corrida de cavalos, e apostava suas economias no corredor de sua preferência. O dono, numa falcatrua, desviava o cereal para o trato suíno, enquanto o colaborador nem desconfiava do roubo. O cavalo, numa aparente combinação, ganhava somente as corridas de menor número de apostas e perdia aquelas de maiores quantias.
O colaborador perdeu muito dinheiro com a história e praticamente faliu no seu negócio particular até descobrir a veracidade do engano e roubo. A malandragem sempre existiu nas mais diversas e modestas organizações sociais, pois enganar e roubar parece fazer parte do gênero humano.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 84, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang