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quarta-feira, 11 de março de 2020

JACOB LANG: A HISTÓRIA DE UM IMIGRANTE E PIONEIRO

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Guido Lang

O objetivo destes próximos 13 capítulos é contribuir para enriquecer a genealogia e microistória, que são ciências auxiliares da História. Elas ganham importância com a constante massificação da sociedade consumista. Visa valorizar a tradição oral familiar, que foi-nos herdada através do pai — Lothário Lang, avô — Frederico Carlos, bisavô — Frederico Guilherme e o patriarca — Jacob. A história verídica baseia-se na trajetória de Jacob Lang, que imigrou, em 22 de setembro de 1847, a Picada Café (na época Colônia Alemã de São Leopoldo), junto com os pais, na perspectiva de encontrar novas possibilidades de vida. A narração visa resgatar aspectos da epopeia da colonização alemã no Rio Grande do Sul, na qual a família Lang empenhou-se.
O registro, em forma de relato, documenta a história para que o tempo, com o desaparecimento das gerações, não acabe caindo no esquecimento. Além disso, a mantém viva, pois os descendentes desejam, num porvir, conhecê-la assim como saber suas origens, passado, raízes... Possuímos, em decorrência, o compromisso de registrá-la para mantê-la num mo- mento histórico em que as pessoas voltam-se à pesquisa da genealogia e história familiar. As pessoas, famílias, grupos, povo... sem história são suscetíveis à manipulação; assemelham-se às árvores, de troncos volumosos e raízes superficiais, que, facilmente, tombam pela ação do vento. Sentimo-nos no encargo de registrar a trajetória das pessoas humildes, que no anonimato, desbravaram as matas, semearam os campos, construíram cidades, desenvolveram a indústria e o comércio, mantiveram as tradições e costumes. O trabalho “Jacob Lang — A História de um Imigrante e Pioneiro” não foge a regra. Relata a trajetória de um pioneiro que atravessou o oceano com o objetivo de encontrar opções de vida. Conseguiu, por duas gerações, encontrar espaço à descendência. O aumento populacional, porém, preencheu o espaço disponível e, novamente, os descendentes, a semelhança de Jacob, tomaram o “pé na estrada” à procura de novas frentes agrícolas. Migraram as “novas colônias”, no começo do século, localizadas no norte do Rio Grande do Sul e oeste de Santa Catarina. As áreas aráveis acabaram ocupadas e a solução foi urbanizar-se.
Procuraram as cidades, nas quais mudaram de atividade profissional e deixaram a tradição agrícola para empregar-se no comércio e indústria; outros, num segundo momento, optaram pelas profissões liberais e iniciaram negócios autônomos. O objetivo, no entanto, jamais mudou, qual seja de obter melhores perspectivas de vida. A história familiar assemelhar-se-ia milhares de descendentes teuto-brasileiros que, vindos para a América à procura de melhores condições de vida, ajudaram a ocupar uma imensa área do território brasileiro, que, na atualidade, integra os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Espírito Santo, Rondônia, assim como parte do Paraguai e, atualmente, a Bolívia.

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A história dos Lang perdeu-se na Europa Central. Estes, por volta do século XVII, migraram à região do Hunsrück, que integra, atualmente, a República Federal da Alemanha. Sua história assemelha-se a de milhares de imigrantes teutos, que vieram à América à procura de melhores perspectivas de vida.
Os Lang, no Hunsrück, eram trabalhadores braçais e ferreiros na aldeia de Riesweiler. Jacob nasceu em meio as dificuldades econômicas, pois os pais, Jacob Pedro (1792-1872) e Juliana Catharina Kind (1797- 1829); avós: Pedro Lang (1761-1807) — Maria Katharina Muller (1773- 1823) e Martin Kind (1750-1802) — Juliana Margaretha Rheinemann (1756-1814), viviam numa condição de semi-escravos dos latifundiários da região. Jacob Pedro, numa visita à aldeia de Dichtelbach, conheceu Juliana Catharina, a qual tornara-se namorada e esposa. Casados, resolveram instalar-se na aldeia de Dichtelbach, que era a aldeia natural dos Kind. O casal teve os filhos Pedro, Jacob, Davi e Catharina, porém esta veio a falecer com um mês de idade. Jacob Pedro e Juliana viveram em constantes dificuldades econômicas, quando veio acrescer-se a desgraça: Juliana adoeceu e acabou falecendo, deixando Jacob Pedro sem condições de cuidar dos filhos.
Porém conheceu, no mesmo ano, a jovem, natural da aldeia de Womrath, Elisabeth Catharina Closs. Casaram-se e vieram a ter os filhos Catharina, Eva, Margaretha, Elisabetha I, Cristina, Heinrich e Elisabetha II. A Elisabetha I veio a falecer com três anos de idade, pois, naquela época, faltavam recursos medicinais e era comum o falecimento de crianças. As dificuldades econômicas e a instabilidade política, no Hunsrück, acentuaram-se. A Prússia, dominadora da região, envolvera-se em pro- longadas guerras. A família fazia plantações, em parceria, com latifundiários, entretanto, constantemente, acabavam perdendo a colheita, pois soldados iam e vinham pelas culturas. Acrescentava-se a isso, a pobreza do solo, secas, exploração dos donos das terras, excesso populacional na região e rivalidades internas entre os próprios moradores. As perspectivas de melhores condições parecia uma impossibilidade e iniciou-se o desejo de migrar.
As crises econômicas acentuaram-se na Prússia. Os Estados Alemães, numa tentativa de unificação econômica, criaram o Zollverein, que trouxe progresso e desenvolvimento, acentuou a hegemonia prussiana sobre os Estados germânicos. O povo, num primeiro momento, acabou desempregado, pois inúmeras oficinas artesanais não-suportaram a concorrência dos artigos importados. A Revolução Industrial, na Alemanha, acentuou a exploração dos trabalhadores, que era mão-de-obra barata e “bucha de canhão” para o exército prussiano. A miséria, portanto, era a constante companheira entre milhares de cidadãos teutos. A família Lang não fugira à regra, pois sentia as consequências da falta de terras agrícolas, do acentuado crescimento populacional e de maiores oportunidades de ascensão econômica.
As notícias chegaram, através da propaganda hábil dos agentes de angariamento de imigrantes e de cartas dos parentes emigrados, da prosperidade obtida na América. As informações falavam das possibilidades infinitas de enriquecimento, da abundância de ouro e prata (poderia até crescer em árvores), da existência de vastas extensões de terras cobertas de mata, das possibilidades de caça e pesca, dos lotes de terras cedidos pelos Governos aos colonos... Jacob Pedro e Elisabetha não resistiram e resolveram aventurar-se, pois, praticamente, nada tinham a perder no Hunsrück: somava-se à miséria, a má colheita de 1846, quando perderam, praticamente, toda a plantação com a estiagem. Os Lang, diante do insucesso, atenderam o pedido de emigrar; incluíram-se ao exemplo de milhares de alemães, que aventuraram- se pelo Novo Mundo. O continente americano, na época, era o lugar para alojar os excedentes populacionais da Europa.

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A família, neste momento, providenciou a venda dos poucos pertences. O objetivo foi de obter alguns recursos financeiros à viagem. Trataram de comercializar com os vizinhos os escassos imóveis, animais domésticos e ferramentas (impossíveis de levar durante a viagem). Os recursos puderam custear víveres e as passagens de Hamburgo a Rio Grande.
A etapa seguinte era tentar chegar ao Hunsrück até o porto de Hamburgo, no qual saíam os navios cargueiros. Estes, geralmente, traziam pro- dutos tropicais e riquezas minerais à Europa e levavam, de volta à América, artigos industrializados e carga humana, que eram colonos (dispostos a instalarem-se no continente americano). Trataram-se de deslocar-se de barco e carreta do Hunsrück até Hamburgo, quando precisaram decidir-se pelo rumo da viagem. Poderiam optar entre os Estados Unidos da América ou o Brasil. Os Estados Unidos ofereciam a vantagem de reencontrarem-se com centenas de conterrâneos e um eventual encontro com os filhos Pedro e Davi. O preço da passagem, no entanto, era mais cara e a família não tinha recursos suficientes. Ao passo que o Brasil oferecia a vantagem de serem considerados “colonos do Governo”, quando teriam direito de receber auxílio para o custeio das passagens, instalação em terras devolutas e auxílio alimentação. Desconheciam informações sobre o Brasil e, muito menos, sabiam da sua localização. Tomaram conhecimento da tentativa de fazer uma colonização germânica e, para tal, já haviam imigrado algumas levas de colonos. O Governo Imperial queria, dessa maneira, retomar a imigração depois de alguns anos de interrupção.
Jacob Pedro ficou desiludido, pois não tivera condições para manter unida a família. Os filhos Pedro e Davi, fruto do primeiro casamento, tinham imigrado com destino aos Estados Unidos e certamente jamais os veria. Compreendia, no entanto, que os filhos precisavam viver sua vida. Os pais os criam e, depois de adultos, tomam os próprios rumos, pois cada qual precisa traçar seu destino e nenhum ser pode, e nem deve, tentar viver a vida alheia. O casal Jacob Pedro e Elisabetha embarcaram, junto com os filhos Jacob, Catharina, Eva, Christina e Elisabeth, para o desconhecido; os filhos tinham respectivamente 23, 17, 15, 7 e 3 anos de idade. Doeu-lhes abandonar a pátria, terra dos ancestrais que tinham sido, em tempos remotos, conquistados pelos bárbaros, ao Império Romano. Os Lang tinham criado raízes, pois foram, em inúmeras oportunidades, convocados para defendê-la dos invasores franceses. Lembravam- se, de viva memória, das invasões napoleônicas, que tantas vidas, estragos e miséria causaram. As tropas francesas arrasaram casas e campos e nem a igrejinha, da aldeia de Riesweiler, pouparam, pois incendiaram-na. Os registros comunitários, guardados na igreja, acabaram consumidos; valiosas informações familiares terminaram perdidas à eternidade. As guerras trouxeram o caos e o constante proselitismo religioso entre protestantes e católicos. Sobrou, à família, duas opções: continuar na miséria ou imigrar. Optou-se pela aventura, pois não adiantaria ficarem presos a sentimentos no momento que a miséria instalava-se. Os instintos de sobrevivência, nestas circunstâncias, falam mais altos, pois defuntos não possuem serventia.
A viagem iniciou, em 18 de julho de 1847, a bordo do navio Brigue Henriqueta Sophia. O cargueiro transportava artigos industrializados e uma massa humana de conterrâneos, que, igualmente, aventuravam-se na travessia do Atlântico. O povo germânico não suportava a penúria e a solução fora, portanto, procurar outras barragens, nas quais os trabalhadores tivessem acesso a terra e poderiam sentir-se “donos do seu próprio nariz”. Os imigrantes tinham consciência das futuras dificuldades, saudades da pátria e a perda das raízes históricas, que, certamente, por dezenas de anos, acompanhariam os descendentes. Deixaram as tumbas dos ante- passados, que tinham migrado, na perspectiva de promissoras terras, das estepes asiáticas em direção à Europa Central. A história parecia repetir-se, embora em outras circunstâncias. As sepulturas dos antepassados acabariam consumidas pela ação do tempo e os descendentes lhes dariam pouco caso; interessava-lhes viver a vida e o cultivo das tradições e as raízes ocorreria com o passar dos anos, quando fossem anciões. Os jovens pouco procuram interessarem-se pelo passado, pois estão preocupados momentaneamente com o presente; desejam descobrir as maravilhas da vida e vivê-la com toda intensidade; vão em busca de parceiros para “curtirem-a”; casam-se e se multiplicam; acabam, em decorrência, enchendo a terra à semelhança dos antepassados. Replenamos a região do Hunsrück e, na atualidade, precisamos procurar outras terras. Virão dias em que os descendentes encherão estas, que, no momento, encontramo-nos pro- curando. O destino do Homem parece decifrar o desconhecido, conhecê-lo e adaptá-lo a sua realidade. O ignorado parece desafiar a inteligência e precisamos, como seres humanos, encontrar respostas às interrogações. O Brigue começou a abordar de Hamburgo. Vimos nas paisagens dos Países Baixos (Holanda), na qual sucediam-se as planícies e chegamos, finalmente, no Oceano Atlântico. Ficamos maravilhados com sua grandeza: as águas salgadas pareciam um mistério. O barco, de aproximadamente 30 metros de comprimento por 10 de largura, praticamente desaparecia diante da imensidão do mar. Contemplávamos, nas noites claras, o céu estrelado, no qual as constelações desapareciam no horizonte. Chegamos a ver a Estrela Polar e a constelação do Urso; quando desa- pareceram vimos outra constelação em forma de crucifixo. A grandeza da criação impressionou-nos. Concluímos que, realmente, deve existir um criador. Não importa o nome: Deus, Alá, Supremo Arquiteto... importa que exista. Navegamos semanas, quando deparamo-nos com os primeiros sinais de terra; eram restos de plantas e aves. As ondas, no entanto, pareciam amontoar-se e agitar-se. O comandante, de repente, ordenou: “Marinheiros, recolham as velas”. Gritou-nos: “Protejam-se! Temporal à vista”. Uma onda gigante praticamente encobriu o barco. Protegemo- nos nos camarotes, mas a água entrara por toda a embarcação. O comandante ordenou içar uma vela, que pudesse manter o equilíbrio e evitar o naufrágio. O vento e as ondas pareciam brincar com o barco. Navegamos, horas, à deriva e estávamos indo a sudeste. Viajávamos durante, aproximada- mente, duas semanas, quando chegamos próximos às costas africanas. Os alimentos minguaram e tínhamos o suficiente apenas para quatorze semanas. Continuamos sentindo os enjoos do constante balançar da embarcação, parecia-nos que jamais nos acostumaríamos. Tínhamos somente duas opções: prosseguir ou perecer. Retomamos praticamente a viagem, pois tínhamos navegado, em vão, por dez semanas, porém levamos mais seis até que reapareceram sinais de terra. O comandante informou-nos que estávamos próximos ao porto de Rio Grande, que localizava-se ao sul do Brasil. Retomamos o ânimo, pois estávamos sobrevivendo à aventura.

* Texto extraído do livro "Jacob Lang: A História de um Imigrante e Pioneiro", páginas 11 à 15, de Guido Lang.

* Crédito da imagem: https://descomplica.com.br/blog/historia/grandes-navegacoes/

* Digitado por Júlio César Lang.