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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Os comedores de terras


Os moradores, reunidos na tradicional conversa informal, explanaram umas e outras boas e interessantes histórias e relatos. A conversação, numa turma de dezenas de amigos e conhecidos, aborda os assuntos e temas mais profundos e variados. A essência dos diálogos relacionam-se as narrações de experiências e vivências.
O tema terra cedo entrou na pauta. Inúmeras famílias, numas reservas acumuladas por gerações, “viram as posses escorrer entre os dedos”. Uns poucos anos bastaram na sucessão de gerações e as sobras “foram-se ralo abaixo”. Jovens abraçaram a causa da administração e gerenciamento. As estirpes, no ínterim das vivências, partiram na direção dos ancionatos ou derradeiros repousos.
A economia austera e espírito poupador, comum entre as primeiras levas de pioneiros e descendentes, perderam-se como princípios familiares. A ânsia de consumo, em meio a desenfreada propaganda na mídia, tornou-se algo banal e vicioso. Os forasteiros, com as uniões matrimoniais, entraram nos seios das clãs. Estes, com cobranças e sugestões, redimensionaram doutrinas e valores. A importância das terras, no seios familiares, inclui-se nesta preocupação.
Inúmeros coloniais, migrantes do campo a cidade, cercaram-se de companhias das cidades. Estas, em função das experiências e vivências urbanas, nunca deram maior importância/valor às terras das colônias. Estas, cobertas de matos ou lavouras localizadas nas grotas, viram-se relegadas ao abandono ou descaso. A ideia original, de primeira oportunidade, consiste em “em passá-las no troco”. Inúmeros migrantes, no propósito de jamais reinstalar-se nas colônias, acataram a resolução.
As terras, vendidas a antiga vizinhança, angariaram expressivas somas. O dinheiro usufruído, de maneira geral, acabou canalizado às necessidades de consumo. As lojas, mercados e revendas aumentaram sua clientela e lucros. Os recursos, acumulados com tamanha economia, sacrifício e trabalho (de anos ou décadas), cedo “viraram pó”. As companhias, por completo, gastaram-nos nas atividades terciárias (boa parte em luxo). Adveio a expressão correspondente de “comedores de terra”. Os membros, no consumo diário, gastaram um dinheiro valioso e volumoso.
Os patrimônios familiares, fruto de heranças, viram-se consumidos por quem menos batalhou/contribuiu para acumular sobras. Os familiares/parcerias, uns casos as femininas e noutras as masculinas, tornaram-se os consumidores. A prática trouxe a troca de mãos de inúmeras e valiosas reservas. Diversas famílias, apegados a terra por gerações, abandonaram a atividade agrícola e enveredaram pelo caminho da urbanização.
As terras, com as exportações dos produtos do campo, assumiram valores exorbitantes. Os hectares mecanizáveis custam verdadeiras fortunas. Quem comprou, ganhou  dinheiro; quem vendeu, arrependeu-se de perdas. Outros poucos, em prédios e terrenos, reaplicaram os recursos nos ambientes urbanos.
Uma realidade colonial nova significa o aluguel de terras. Diversos colonos, com os potentes tratores, tratam de arrendar áreas/lavouras. O valor do aluguel, em média, dá um salário mínimo por hectare/ano.  A locação permite a extração de três safras anuais: duas de verão e uma de inverno. Os inquilinos  com a massiva adubação, procuram extrair os limites do máximo. As áreas cedidas precisam estar livres de obstáculos (pedras e tocos). A mecanização precisa ser fácil e o solo fértil. Um negócio compensador para quem aluga. Eventuais prejuízos, com estiagens e pragas, recaem sobre os arrendatários.
A terra, num contexto econômico inflacionário, nunca perde seu real valor. Os solos precisam ser trabalhados caso contrário tornam-se encargos. Os rurais, diante das realidades dos fatos e vivências, fazem abordagens e criam histórias.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem:http://www.spni.com.br 

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