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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Incidente Kiss


Uma hora e 45 minutos da madrugada.
Olho para o relógio.
O celular marca o dia 27 de fevereiro de 2013.
Então, tristemente, me vem à mente a lembrança de todos aqueles que se foram com a tragédia da Boate Kiss e hoje infelizmente não podem estar entre nós. Há um mês atrás, exatamente um mês, estes eram os últimos momentos de vida de 239 jovens, a maioria estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ao qual conviviam semanalmente comigo nos limites do campus. Às duas horas e 30 minutos (27 de janeiro), começaria o show de horrores.
Será uma lembrança que jamais se consumirá no pensamento de todos que estiveram próximos ao incidente e vislumbraram a profunda tristeza de centenas de pais chorando sobre os corpos dos seus jovens filhos. Nem mil páginas poderiam explicar a indescritível dor, a qual se via por toda a cidade santamariense, especialmente nas famílias e amigos das vítimas.
Não há nada que se possa fazer para trazê-los de volta. A única forma de recordá-los é pensando nas coisas boas que fizeram e nas inúmeras virtudes que levavam consigo para onde quer que fossem.
A saudade será eterna! Saber que eu poderia ter sido mais uma das vítimas, já que pretendia ir na referida festa naquela noite, é um fato de imensurável peso sentimental capaz de promover reflexões sobre os mais enraizados valores de vida.
Desejamos, agora, somente que a justiça seja feita! Que aqueles que foram responsáveis pelas mortes de tanta gente inocente paguem pelo que fizeram, mesmo que talvez não o tenham feito de forma intencional.
Aqui diante do Criador e das pessoas que por eventualidade venham a ler estas breves linhas juro que jamais esquecer-me-ei deste acontecimento que presenciei e que nortearei a minha vida ao rumo da solidariedade e compaixão ao ser humano, já que são nestas horas que vemos a nossa insignificância diante do universo e que nada levar-se-á desta vida.
Que Deus, o Senhor dos Propósitos, guarde as almas de todos aqueles que pereceram no incêndio da Boate Kiss! 
Que esta calamidade sirva de exemplo para que outras tantas sejam evitadas mundo afora!
Que Deus abençoe Santa Maria-RS!
Júlio César Lang
27 de fevereiro de 2013
Crédito da imagem: http://extra.globo.com 

Os comedores de terras


Os moradores, reunidos na tradicional conversa informal, explanaram umas e outras boas e interessantes histórias e relatos. A conversação, numa turma de dezenas de amigos e conhecidos, aborda os assuntos e temas mais profundos e variados. A essência dos diálogos relacionam-se as narrações de experiências e vivências.
O tema terra cedo entrou na pauta. Inúmeras famílias, numas reservas acumuladas por gerações, “viram as posses escorrer entre os dedos”. Uns poucos anos bastaram na sucessão de gerações e as sobras “foram-se ralo abaixo”. Jovens abraçaram a causa da administração e gerenciamento. As estirpes, no ínterim das vivências, partiram na direção dos ancionatos ou derradeiros repousos.
A economia austera e espírito poupador, comum entre as primeiras levas de pioneiros e descendentes, perderam-se como princípios familiares. A ânsia de consumo, em meio a desenfreada propaganda na mídia, tornou-se algo banal e vicioso. Os forasteiros, com as uniões matrimoniais, entraram nos seios das clãs. Estes, com cobranças e sugestões, redimensionaram doutrinas e valores. A importância das terras, no seios familiares, inclui-se nesta preocupação.
Inúmeros coloniais, migrantes do campo a cidade, cercaram-se de companhias das cidades. Estas, em função das experiências e vivências urbanas, nunca deram maior importância/valor às terras das colônias. Estas, cobertas de matos ou lavouras localizadas nas grotas, viram-se relegadas ao abandono ou descaso. A ideia original, de primeira oportunidade, consiste em “em passá-las no troco”. Inúmeros migrantes, no propósito de jamais reinstalar-se nas colônias, acataram a resolução.
As terras, vendidas a antiga vizinhança, angariaram expressivas somas. O dinheiro usufruído, de maneira geral, acabou canalizado às necessidades de consumo. As lojas, mercados e revendas aumentaram sua clientela e lucros. Os recursos, acumulados com tamanha economia, sacrifício e trabalho (de anos ou décadas), cedo “viraram pó”. As companhias, por completo, gastaram-nos nas atividades terciárias (boa parte em luxo). Adveio a expressão correspondente de “comedores de terra”. Os membros, no consumo diário, gastaram um dinheiro valioso e volumoso.
Os patrimônios familiares, fruto de heranças, viram-se consumidos por quem menos batalhou/contribuiu para acumular sobras. Os familiares/parcerias, uns casos as femininas e noutras as masculinas, tornaram-se os consumidores. A prática trouxe a troca de mãos de inúmeras e valiosas reservas. Diversas famílias, apegados a terra por gerações, abandonaram a atividade agrícola e enveredaram pelo caminho da urbanização.
As terras, com as exportações dos produtos do campo, assumiram valores exorbitantes. Os hectares mecanizáveis custam verdadeiras fortunas. Quem comprou, ganhou  dinheiro; quem vendeu, arrependeu-se de perdas. Outros poucos, em prédios e terrenos, reaplicaram os recursos nos ambientes urbanos.
Uma realidade colonial nova significa o aluguel de terras. Diversos colonos, com os potentes tratores, tratam de arrendar áreas/lavouras. O valor do aluguel, em média, dá um salário mínimo por hectare/ano.  A locação permite a extração de três safras anuais: duas de verão e uma de inverno. Os inquilinos  com a massiva adubação, procuram extrair os limites do máximo. As áreas cedidas precisam estar livres de obstáculos (pedras e tocos). A mecanização precisa ser fácil e o solo fértil. Um negócio compensador para quem aluga. Eventuais prejuízos, com estiagens e pragas, recaem sobre os arrendatários.
A terra, num contexto econômico inflacionário, nunca perde seu real valor. Os solos precisam ser trabalhados caso contrário tornam-se encargos. Os rurais, diante das realidades dos fatos e vivências, fazem abordagens e criam histórias.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem:http://www.spni.com.br