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quarta-feira, 26 de junho de 2019

O pedreiro voluntário

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Guido Lang

Um construtor, colono nos raros momentos sem serviço, ostentava um imenso apego à entidade religiosa e à fé cristã. A família e a religião pareciam ser a sua razão existencial. O trabalho comunitário, na sua concepção particular de vida, devia ser prestado gratuitamente e o auxílio à igreja “contaria pontos para absolvição divina”.
A instituição religiosa, em função do aumento populacional e do estado precário do templo, viu a necessidade de edificar um novo prédio, afinado com as novas linhas arquitetônicas e situado numa colina de majestosa visão panorâmica. Uma comissão de construção, integrada basicamente pela elite econômica, fora constituída e nomeada, e saíra a arrecadar fundos.
Seu Heinrich, afamado e exímio construtor e com pedidos de obras nas diversas colônias (picadas) para a edificação de galpões e moradias, foi destacado como mestre-de-obras e pedreiro chefe. Este, com o maior orgulho e satisfação, aceitou a sublime tarefa e ainda colocou-se à disposição para labutar gratuitamente na empreitada. Ele vislumbrou a oportunidade de deixar uma obra para gerações, assim como seu nome eu ficaria registrado na memória daquela construção e localidade, dentro dos relatos comunitários. Os netos e bisnetos ficariam orgulhosos com os feitos do antepassado, que teria inscrito seu nome nos anais da comunidade e entidade.
O trabalho, depois de contínuas campanhas de arrecadação de doações e promoções, desenvolveu-se no decorrer de dias, semanas e meses. Os moradores, de maneira geral, acompanharam acirradamente as obras e o “Seu Heinrich’’ era admirado pelo conhecimento e dedicação. Este, há um bom tempo, labutava exclusivamente na construção do monumental empreendimento, que tornou-se um protótipo para a religião.
O templo, a duras custas, fora concluído. Chegou o dia da inauguração. As autoridades eclesiásticas e membros, presentes em massa, esperavam o momento culminante. A multidão admirou-se da magnitude do prédio, que seria oficialmente inaugurado com o badalar dos sinos. Heinrich, como construtor voluntário, esperava ter a honra e o privilégio de puxar o sino. A comissão e diretoria, diante do desconhecimento das pretensões, esqueceu de oferecer-lhe a devida consideração. O pedreiro magoou-se profundamente pela desfeita. Este, como represália, nunca mais colocou os pés naquele prédio, assim como jamais voltou a labutar gratuitamente.
“O burro que mereceu o pasto pelo seu trabalho geralmente nunca come deste”.

(Texto extraído de “Contos do Cotidiano Colonial”, página 11, de Guido Lang).

Crédito da imagem: https://br.depositphotos.com

O livre pensador

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Guido Lang

Os livres pensadores eram uma espécie de intelectuais comuns no meio colonial. Eles eram os indivíduos mais esclarecidos e com forte influência assimilada pelo iluminismo e maçonaria. Adoravam criticar e questionar os princípios cristãos e combater as superstições.
Frederico, um forte colono teuto-brasileiro e estabelecido no interior de uma localidade, dizia-se livre pensador. Ele, do seu avô e seu pai, recebeu influência dos iluministas (Diderot, Montesquieu, Rousseau e Voltaire), que se valeram da razão com vistas a descobrir o mundo. Koseritz, a nível estadual, era a sua maior influência, pois afinava com suas ideias (de Deus estar presente na natureza). A leitura, em meio às tarefas rurais, era uma necessidade, e o Almanaque do Pensamento, Brasil Post e Neu Deutsche Zeitung eram intercambiadas entre parentes e vizinhos, que fechavam com as suas concepções ideológicas.
Os filhos semanalmente tinham a missão de levar e trazer os escritos, que circulavam em diversas residências. O debate sobre informações e temas sucedia-se nas rodadas de aperitivos ou jogos de cartas, assim como nas visitas específicas, sobretudo nos dias chuvosos, para aquela finalidade. Os retornos da venda colonial eram outro momento significativo para o diálogo e para reflexões, quando ficava-se conversando à beira da estrada (junto ao acesso de alguma propriedade rural). As concordâncias e discordâncias, num alto nível e impulsionadas pela dose alcoólica, faziam-se grandes polêmicas.
Frederico, pelo conhecimento assimilado e experiência vivenciada, tornou-se um formador da opinião pública comunitária. A colonada, diante dos “dilemas da burocracia estatal e problemas existenciais”, consultava-o com a finalidade de “ouvir saídas e sugestões frente às problemáticas”. Alguns moradores e o pastor, no entanto, conheciam suas concepções materialistas e panteístas, porque em situações, acreditava na matéria e noutras na presença de centelhas divinas no conjunto da natureza.
O camarada, no ambiente doméstico e familiar, mantinha inclinação a benzeduras e superstições. Ele em meio à incredulidade cristã, fazia o ato de benzer em “nome do Pai, Filho e Espírito Santo”. Mas, noutro exemplo, não deixava varrer após o pôr-do-sol, pois “temia varrer a sorte porta afora”. Frederico, portanto, ostentava um sincretismo, que mesclava crenças do período das “Luzes” com o das “Trevas”.
Todos nós, de alguma forma, confundimos concepções e filosofias, que mesclam conhecimentos científicos com empíricos.

(Texto extraído de “Contos do Cotidiano Colonial”, página 13, de Guido Lang).

Crédito da imagem: https://revistagalileu.globo.com