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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A anomalia genética


Inúmeras localidades, muito modestas e singelas, localizam-se no interior. Elas, nas décadas de colonização, ostentam uma particular e rica história.  A comunidade escolar e religiosa, de acordo aos acessos, definem suas divisas. Algumas mostram-se tão discretas que mal aparecem nos mapas/referências municipais.
Outras colônias abrigam um punhado de moradores tradicionais e as casas somam mal algumas dezenas. O núcleo comunitário concentra-se nalguma baixada central (onde instalou-se o comércio, escola e templo). O centro comunitário é o local próprio aos encontros e reencontros dos naturais.
Uma certa comunidade, numa década inteira, conheceu uma anomalia. Esta, na sua entidade religiosa, mantinha um quadro de devoção ímpar. Algum encontro religioso via afluir os membros dos cantos e recantos do lugarejo. Uns entendiam a ausência, nos cultos/missas, como aparente pecado. Cada família, pela recomendação da tradição, mandava no mínimo algum representante.
O local, pela história, tinha sido o espaço do surgimento de diversas vocações. Os jovens, nalgum momento, tomavam o rumo da direção das escolas de formação teológica. Cada vocação era compreendida como benção/graça divina.
O fato curioso relacionava-se a uma certa distorção genética. A última década tinha conhecido o nascimento de inúmeras crianças de cabelo ruivo. Uma situação anômala no contexto das comunidades circunvizinhas e população de predominância de origem europeia. O comum era nascer uma e outra criança ruiva, porém não em tamanho número de representantes.
Os coloniais, de outras entidades co-irmãs, passaram a reparar e comentar a particularidade. O falatório difundiu-se no contexto regional e perguntas foram surgindo sobre o tema. As lideranças comunitárias, na proporção da chegada do assunto aos seus ouvidos, passaram a importar-se com a sucessão de acontecimentos.
Uns falaram de terem tido algum antepassado de cabelos assemelhados na família. Outros em mudanças genéticas, em função do trabalho massivo ao relento das roças, com o excesso de exposição à insolação (na proporção de ostentarem pele branca). Alguns mais, na questão da mistura de povos, em decorrência das procedências variadas da velha Europa...
Os comentários arrastaram-se por umas boas semanas e meses. O assunto, numa certa ocasião, viu-se comentado no seio duma reunião do presbitério. Vários integrantes da diretoria ficaram surpresos e careceram de respostas (à anomalia). Um certo “boca grande”, como sempre tem aquela peça, sugeriu numa altura das conversas trocar de religioso. Este, idem com cabelo ruivo, precisaria dar um tempo ao trabalho pastoral. A comunidade deveria conhecer novas bênçãos e ousadas renovações. Os moradores, neste ínterim, tinham concebido uma dezena de crianças (com cabelo avermelhado em inúmeros lares).
A troca do religioso, com a concordância de uns e discordância de outros, acabou concretizada. Outro jovem profissional advenho à pratica do serviço de cura d’almas. Um sucedido ímpar aconteceu: meninas/os deixaram de nascer com essa escassa coloração no couro cabeludo. A distorção, através da extrema fé e rezas dos membros, tinha sido corrigida como deficiência e distorção. A devoção realizara outra inexplicável maravilha/milagre. Os religiosos, através das atitudes e colocações verbais, exercem uma enorme influência nos pacatos moradores do interior.
Inúmeras suspeitas acabam comentadas unicamente nos círculos íntimos das conversas familiares. Determinadas distorções e incoerências, na hipocrisia humana, costumam ser varridas nos cantos e recantos dos pátios coloniais. As anomalias possuem suas explicações e o problema reside na descoberta das reais origens. Inúmeras histórias e relatos pitorescos carecem de maiores apontamentos e registros literários. O incoerente, entre a prática e teoria, custa a angariar maior confiança e credibilidade.  
                                                                                 
   Guido Lang
                                                             “Singelas Histórias do Cotidiano Colonial”

Crédito da imagem: www.umadguar.com.br