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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

BANHADOS DO RIO DOS SINOS

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Guido Lang

O banhado de Campo Bom, conhecido como o primeiro e principal pântano na descida do curso fluvial, apresenta um cenário entristecedor, porque continuamente e progressivamente sofre agressões com aterros, caçadas, canalizações, desmatamentos, extrativismo e lixo... Um recanto e refúgio natural, patrimônio de gerações, acaba permanentemente ceifado e mudado em função da cobiça humana, desde que a valorização imobiliária descobriu o grande filão econômico. Diversas áreas, da noite para o dia, acabam aterradas ou canalizadas, e, em seguida, pipoca mais uma construção, que, sob forma de casebre ou olaria, rouba um pedacinho de terra, de modo que o espaço de filtração dos mananciais hídricos acaba reduzido.
Os lixos, sobretudo plásticos, espalham-se aos “quatro ventos” e contrastam com o ambiente natural. Estes, de todas as formas e em quantidades inimagináveis, são atirados e trazidos pelas águas, revelando facetas trágicas do nosso modelo de vida. Os odores, oriundos de elementos inorgânicos e orgânicos, espalham-se ao longo da estrada geral da Barrinha. Forasteiros e visitantes interrogam-se sobre a procedência desses cheiros. As águas escuras e mal cheirosas, no período das cheias, escondem a poluição líquida e os dejetos domésticos e industriais. As estiagens também denunciam a irracionalidade humana, quando poluímos nosso habitat com elementos tóxicos.
A população, de maneira geral, desconhece ou ignora a importância dos banhados, que não existem em vão ao longo do curso fluvial. Eles possuem a função primordial e sublime de purificar águas, que cruzam uma das áreas mais industrializadas do território gaúcho. O controle da vazão, na época das enchentes, caracteriza outra finalidade, quando são um grande regulador das excessivas precipitações. A contenção das cheias sucede-se pela contenção parcial da massa líquida pelos banhados, que momentaneamente, não consegue desaguar no Guaíba. A oxigenação do ar, num contexto de maior poluição atmosférica (em decorrência da massiva combustão automotora), revela-se outra contribuição ambiental. Os cantos e recantos de lazer e recreação, em forma de balneários, campings, entre outros, podem ser uma fonte econômica, porque são um refúgio nos verões quentes e secos para as populações carentes. Os extrativismos animal e mineral, apesar das desrecomendações e proibições, são outro fato corriqueiro. Extrai-se argila e areia assim como se promovem caçadas e pescarias. A extração de madeiras para queima (como lenha) é outra triste sina.
O principal filão econômico dos banhados, nas próximas décadas, ainda está por vir, quando o espaço poderá ser canalizado para massiva produção de peixes. Centenas de reservatórios artificiais poderão ser edificados, podendo ser aproveitados também como espaços de camping. O extrativismo mineral, de argila, mantêm-se uma atividade produtiva centenária. Fornos e olarias continuarão produzindo artigos de barro. Resquícios esparsos da floresta natural, com raras espécies animais, poderão e serão motivo de muita curiosidade aos olhos humanos. Então crianças e jovens adorarão conhecer “algumas migalhas do ambiente geográfico original”. A necessidade de águas consumíveis forçará a tomada de medidas de preservação ambiental, que terão um custo monetário astronômico.
A sociedade como um todo é culpada pelo lamentável e periclitante estado dos banhados do Rio dos Sinos. Os banhados de Campo Bom, sobretudo o da Barrinha, somam-se ao descalabro ambiental, porque medidas impopulares deixaram de ser tomadas. O Poder Público, em todas as instâncias, é culpado, porque contribui ao permitir aterros, canalizações, “desova de lixos”, edificações... A avançada e moderna legislação ambiental existe apenas no papel, enquanto as deficiências continuam decorrendo da falta de vontade de sua aplicação e cumprimento.
Uma consciência ecológica, através da educação ambiental, está sendo criada e incutida nas crianças, mais é insuficiente para inibir tamanha destruição da reserva ecológica. Um punhado de preservação permanente descreve e desenha um trágico cenário, onde a natureza é descrita como mero instrumento de lucro e de completo domínio humano. Vê-se um exemplo drástico de desleixo com o patrimônio de gerações, que outrora, majestoso, “imitava o Reno” e que, na atualidade, reproduz uma sarjeta.

Fonte: Livro "Histórias do Cotidiano Campobonense - Coletânea de Textos" (páginas 49 e 50 - ano 1998), de Guido Lang.


*Crédito da imagem: https://www.jornalnh.com.br/


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