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quinta-feira, 2 de maio de 2013

A troca de dono



Um cachorrinho, depois duma certa idade, acabou adotado por uma família colonial. O dono original, por falta de espaço no ambiente urbano, resolveu doá-lo às colônias. Este, no novo local, cedo realizou-se como animal. Ele conheceu a liberdade das correntes e debruçou-se sobre as caçadas.
O animal, nas idas e vindas no ambiente rural, conheceu macegas, matos e roças. As caçadas, como passatempo predileto, tornaram-se uma obsessão. Quaisquer oportunidades viam-se aproveitadas para devassar espaços. O novo dono, na compreensão canina, fazia-lhe escassos passeios ao interior das lavouras.
O cão, depois de uns bons meses, aprendeu a acompanhar o vizinho. O rural, a cada dia, ia e vinha do interior da propriedade. Os passeios, com o patrão opcional, tornaram-se uma opção e rotina. A casa colonial, no interior dum lugar ermo, viu-se desguarnecida na vigilância.
O cachorro, em meio à paixão das caçadas, adotou o novo lar. A antiga moradia, do segundo dono, deixada às moscas. Os graxains, lagartos, gatos do mato e raposas, com frequência, ousaram atacar o ambiente das galinhas. A ausência canina, em função da carência de cheiros, reforçou a ousadia da fauna silvestre.
O dono de adoção, para não deixar acorrentado o animal, procurou tratá-lo deveras bem. Este achou em poder reverter uma situação adversa. O passatempo das caçadas, como vocação, falou mais alto do que os frequentes mimos. As esporádicas visitas não davam conta das exigências de guarda.
O morador, diante do abandono proposital, resolveu adotar outros dois jovens (cachorros). Eles, treinados paulatinamente nas funções, levaram a dispensa dos serviços do primeiro. O ousado fujão pode seguir sua sina!
O antigo parceiro, numa certa altura, fez descaso das suas eventuais visitas. Os mimos e tratos cessaram na proporção dos desleixos com as obrigações. Ele tinha renunciado a sua nobre adoção e função.
O idêntico aplicam-se aos filhos. Estes, numa altura, precisam abandonar a família. O torrão fica num plano secundário. Os pais continuam sua história. Eles procuram ajudar no que dá. Os genitores, de uma ou outra forma, procuram preencher o vazio.
O êxodo, nas comunidades do interior, tem sido um fato corriqueiro. Os jovens, na migração rural-urbana, abandonam famílias e comunidades. O emprego, como ganha pão, chama-os nos espaços urbanos. Eles, no trabalho assalariado, ganham o dinheiro bem mais fácil e rápido (do que na agricultura familiar).
As inúmeras comunas, nas últimas décadas, conheceram um verdadeiro esvaziamento rural. O enfraquecimento das entidades comunitárias tornou-se uma sina. O abandono das paragens, em parte, assemelha-se a história do desleixo canino.
Inúmeras localidades, com a massiva debandada dos filhos, tornaram-se uma espécie de tapera. Vultosos recursos rurais acabaram extraídos do interior e aplicados nos investimentos imobiliários. Moradores novos advém para preencher o vazio demográfico deixados por emigrantes.  

Guido Lang
“Singelas Crônicas do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://www.bayerpet.com.br

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