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segunda-feira, 18 de março de 2013

A cobrança do trato



O produtor colonial, por inúmeros citadinos, vê-se tachado como ingênuo e modesto.   Ele, de maneira geral, mantém-se alheio as malícias e maracutaias urbanas. Este procura ocupar o tempo e preocupar-se com os afazeres das criações e plantações (vivendo em contato com a natureza).
Uma entidade cooperativada, com a contínua valorização do produto leite, resolveu fazer um projeto de financiamento de vacas. O objetivo consistia em elevar o nível genético dos planteis nos tambos. Os colonos, com alguma produção leiteira, poderiam inscrever-se no programa. Os técnicos, do departamento agro-técnico, analisariam as qualidades dos animais e as condições econômicas dos interessados. As vacas viriam compradas dos melhores tambos e transferidas aos produtores inscritos.
Um humilde rural, com alguma dezena de litros, participou da inovação. Ele, através dos técnicos, ganhou o aval da entidade e as ditas vacas foram-lhe trazidas. Estas, belos exemplares da raça holandesa, vieram enobrecer o meio colonial e a propriedade particular. A produção de leite, de imediato, saltou na conta do produtor. Os terneiros, na primeira oportunidade, viram-se gerados (na proporção do cio). A finalidade consistia em criar futuras produtivas novilhas/vacas. O melhoramento genético e produtivo, em síntese, funcionou a contento.
O produtor, em função das dificuldades econômicas familiares e esperteza financeira, deixou de honrar as prestações do débito. Este extraia os dividendos das vacas e nada de pagar os encargos. A escassa produção não cobria os exorbitantes valores assumidos. A entidade, depois de vários avisos/recados trazidos pelo leiteiro, enviou um ultimato de acerto de contas caso contrário os animais seriam reaprendidos/reavidos. A alternativa, como primeira opção, consistiu “em mostrar a cara” para ter uma conversa com o presidente da entidade.
O chefão e o fulano, no gabinete da entidade cooperativada, tiveram uma conversa franca (“para colocar os devidos pingos nos is”). A cooperativa, diante da carência de quaisquer pagamentos, queria uma indenização (em função do uso prolongado dos animais). O colono, durante uns meses, havia subtraído leite e terneiros. As vacas, com vida útil limitada a poucos anos, obrigaria a entidade a cobrança de algum ressarcimento. O discurso do maioral foi nessa ênfase.
O rural, no decurso da conversação, colocou sua tônica. Este, pelo senso de justiça, concordava em pagar alguma reparação (pelo ônus de uso prolongado de uns quatro bons anos). Ele, como criador e tratador, também tinha sua necessidade de cobrança de dispêndios. A cooperativa deveria compensá-lo pelo trabalho de cuidar e o trato animal dispendido neste longo espaço de tempo. A solução, numa choradeira e lamúria mútua, ficou na típica troca/tradicional “elas por elas”.
Os amigos, conhecidos e vizinhos admiraram-se da astúcia e ousadia do produtor. Ele, um pacato morador, “conseguiu passar a perna no cara mais esperto da comuna”. Alguém finalmente conseguira encampar e ludibriar o presidente da cooperativa. A entidade mostrava-se sempre a parte mais forte e o produtor a parte mais frágil. A corda, pela experiência, arrebentava sempre na parte mais fraca e dessa vez fora uma exceção. Poucos davam-se o direito de falar de igual para igual com uma autoridade desse porte.
Bons argumentos derrubam um conjunto de explicações e palavras. Os modestos, nos confrontos teóricos, costumam advir com ideias e opiniões determinadas e meditadas. Contratos mal elaborados não passam de aborrecimentos e prejuízos monetários. Comprovantes são meros papéis e não compram as necessidades na esquina.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano Colonial

Crédito da imagem: http://www.waitaki.com.ar/

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