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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A dormência


Um certo morador, numa altura, precisou fazer um roçado no contexto da mata virgem. Conquistar mais alguma área arável. As necessidades familiares aumentaram. A produção oferecia possibilidades de ganhos.
Este começou com o roçado da mata rala, derrubada dos troncos (volumosos), secamento da vegetação e daí a tradicional coivara/queimada. Procurou-se, de imediato, cultivar alguma abóbora, feijão e milho (alimento básico ao trato animal). O solo/terra, com a camada milenar do húmus, atendeu as farturas e necessidades de produção.
A surpresa ocorreu com os tipos de inços. Adveio, a semelhança “do pêlo do cachorro”, a conhecida/tradicional guaxuma. Centenas de milhares de mudinhas brotaram no interior do roçado. Surgiu uma pergunta crucial: Como poderia estar inçado dessa maneira?  Sementes de guaxuma numa floresta virgem? Algo inimaginável no ambiente agrícola! Uma planta, a capina, difícil de combater (antes do advento dos herbicidas).
O assunto foi tema das conversas informais na venda (armazém). Algum idoso escutou o explanado. Este, a partir da tradição oral, soube da resposta. O seu avó havia comentado uma história com seu pai, enquanto ele foi ouvinte. O relato fora o seguinte: um construtor de bancos/canoas, há aproximados cem anos (por volta de 1910), amarrava mulas no interior da mata virgem/floresta. Este construía barcaças junto aos volumosos troncos. Eles, a base de machadadas, viam-se derrubadas e usadas como matéria prima. Fazia-os, de preferência, junto aos troncos de timbaúva (tradicional alcunha de “orelha de macaco”). Instalava acampamento, por dias, na proporção do avanço dos trabalhos (de confecção dos artefatos). Poderia demorar-se semanas e, concluído os artigos, viam-se escoados, com carroça, na direção dos cursos fluviais (daí comercializados ou atendido algumas encomendas). Os bichos de montaria, como as tradicionais mulas, ficaram no aguardo do construtor/dono. Estes, no ínterim, defecavam as sementes em meios às fezes.
Estas, num estado de dormência, preservaram-se nestas décadas. Advieram, com o desmatamento, as condições próprias à fecundação. Ela, de imediato, tomou forma. Elas, no seu interior, suspeitam-se ostentar uma espécie de óleo natural. Explica-se a razão da tamanha longevidade. Um fato admirável no contexto do ciclo da vida. Esta encontra alguma forma de precaver-se/preservar-se. A natureza encontra alguma forma de resguardar as espécies contra um eventual extermínio.  Os pacatos colonos admiraram-se do vigor natural e instintos de autopreservação.
O indivíduo nunca pode subestimar os desígnios naturais. O Homem, em traços gerais, pensa conhecer os segredos da natureza. Esta, a todo instante, surpreende com indescritíveis dilemas e enigmas. A tradição oral é a forma como pacatos colonos preservam sua história. Os registros escritos tomam forma com os modernos meios de comunicação (Internet). Alguém, no meio comunitário, trata de ostentar e preservar determinada informação (sobre os muitos assuntos). “Deus escreve certo em linhas tortas”, por isso trata de resguardar seus tesouros naturais.

                                                                                                   Guido Lang
                                                                                   Livro "História das Colônias"
                                                                              (Literatura Colonial Teuto-brasileira)

Crédito da imagem: https://www.fmcdireto.com.br/portal/manuais/infestantes_verao/files/assets/seo/page187.html

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