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domingo, 3 de março de 2013

O último lampião


Um evento especial marcou determinado cenário colonial. A energia elétrica, na maioria das casas, tinha sido instalado a uma boas décadas. Alguns poucos moradores, retirados da estrada geral, careciam de ainda instalá-la. A administração, numa parceria entre os governo (das três instâncias), resolveram fazer um projeto de auxílio aos carentes. Estes, numa espécie de cortesia ou baixo custo, ganharam acesso ao bem da modernidade. Eles, como rurais, precisariam ter os idênticos direitos aos demais cidadões urbanos.
Determinada administração municipal, na visita do governador (de idênticos partidos), resolveu promover uma cerimônia ímpar. Esta consistiu em apagar o último lampião no município. O governador, em vésperas de reeleição, faria-se  presente como chefe (numa visita oficial transvestida de política). Uma residência, de fácil acesso e carente da energia (com moradores simpatizantes da corrente partidária), foi escolhida de forma proposital/a dedo. Uma data e horário foram marcados para o cerimonial momento. O entardecer, próximo ao escurecer, definiu-se para o evento de assopro da aposentadoria do lampião e da lamparina.
Uma circulação de veículos ímpar tomou conta das cercanias da residência e no interior da localidade. A imprensa, escrita e falada, fazia-se presente ao acontecimento para o registro. Os amontoados de cabos eleitorais e cargos de confiança, numa convocação extraordinária, fizeram-se presentes (para aplaudir e  dar público). Um espetáculo excepcional, digno dum “circo romano em dias festivos”, para divulgar e enaltecer as conquistas e louros das administrações. Abraços aqui e acolá, cumprimentos lá e cá, discursos daquele e desde, aplausos estridente e pausados, gritos de euforia e simpatia sucederam-se no ambiente.
Os gestores cedo fizeram referências aos polpudos investimentos e outras melhorias no bem comunitário. As empresas recém instaladas, como perspectivas de arrecadação e empregos, foram mencionadas. A questão trabalho, para filhos e netos, certamente não seria nenhuma dificuldade futura. As gestões públicas, na fala dos maiorais, constituíam se umas aparentes maravilhas. As carências e endividamentos, em nomes e números, foram “deixados nos gabinetes e varridos debaixo dos tapetes”. A certeza da reeleição, conforme as pesquisas preliminares, pareciam indicar vitória da situação. As coligações, numa espécie de frente para o grande pleito, continuaram sendo acertadas e discutidas com os caciques dos partidos.
O evento, de assopro das luminárias, numa altura tomou vulto na proporção da presenças das autoridades e correligionários. O espaço mostrava-se pequeno para tamanho número de pessoas. Uma anciã, assustada com toda essa movimentação e sentada quieta num canto da sala, externou curiosa pergunta num determinado momento. Ela, em meio aos muitas caras estranhas e novas, dirigiu-se a uns conhecidos para interrogar. A idosa, no seu dialeto germânico do Hunsrück, inquiriu: “- Aquele barbudo e grandão (o governador), todo engravatado  e centro das bajulações, é o Geisel?” (uma referência ao antigo Presidente da República Ernesto Geisel). Os políticos, em cerimônia e ladainha, eram justamente adversários ferrenhos/opositores da outrora ditadura militar. Uma filha logo fez sinal para silenciar!
O prefeito, para reforçar a média por verbas, falou em ser o último lampião. Uma grosseira falácia e disso sabia perfeitamente. Outras residências, no interior das grotas do município afora, continuaram a iluminar a escuridão com luz de lamparina. A aposentadoria não tinha sido dessa vez. A comunidade passou-se outra década até conseguir descartar os centenários lampiões e lamparinas.  Os resquícios do atraso, no primeiro fraquejo da tecnologia, ressurgem dos esconderijos e esquecimentos. As dispensas e porões, no interior das instalações, escondem relíquias (como peças de museu e precaução ao colapso do sistema elétrico).      
Uma realidade comum, na política, consiste em montar circos para enaltecer realizações dos gestores públicos. As reeleições,  por compras e não por obras, revela-se uma prática política corriqueira nas democracias. Políticos não fazem mais que suas obrigações, porém vendem imagem de generosidade e trabalho (com os recursos do erário). Inúmeros funcionários, em função dos polpudos salários, fazem papeis de mercenários e ridículos com razão de angariar os ganhos.
Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://class.posot.com.br

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