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sábado, 2 de março de 2013

O barulho humano


Os brejos e matos, nas baixadas dos arroios e encostas dos morros, tomaram conta de inúmeros cenários coloniais. Algumas esparsas casas, numa aparência de perdidas como moradias, continuam como marcas da presença humana. Algum morador, como isolado agricultor ou chacareiro, continua a desafiar as distância da estrada geral. Estes, de alguma forma, parecem almejar silêncio e convivência com a mãe natureza. Alguma singela criação, como animais domésticos, soma-se como companhia e produção.
Esta realidade, numa aparência ímpar, criou um novo problema econômico. A ousadia da fauna silvestre tornou-se deveras acentuada. As eraras e graxains, a título de exemplo, avançam numa acirrada ferocidade sobre as criações e instalações. Os coloniais,  em plena luz do dia, enxergam suas andanças e companhias. O bicharedo, sem dó e piedade, caça as indefesas aves (como galinhas, gansos, marrecos, pombos) até extermínio completo. Um prejuízo monetário, em ração e tempo, para os criadores. A caçada dos animais silvestres, diante da legislação ambiental, ostenta-se proibida e punida. A convivência, entre as partes domésticas e naturais, apresenta-se completamente inviável.
Um isolado morador, muito apegado a companhia do rádio, descobriu uma sina. Este, nos momentos do aparelho ligado, via desaparecer o atrevimento e coragem do bicharedo. As vozes humanas, com alguma música (num bom dom), afugentavam as inconveniências. O aparelho, uma vez desligado, cedo atiçava a ousadia (em função da fome). O camarada, para salvar sua estimada criação, passou a deixar o aparelho sintonizado. Alguma estação, com muita algazarra e conversação, via-se como companhia. A anômala descoberta, para alguns parceiros chacareiros, repassou a informação.
Outro morador, visitante esporádico da chácara, seguiu o receituário. Este, nas vinte quatro horas diárias, deixa o aparelho sintonizado numa tradicional estação. Alguns horários assemelham-se ao clima dos bailões (tão comuns nos centros urbanos) e outros a campeonatos esportivos. A barulheira, do acentuado volume, espalha-se pelas redondezas da residência e pátio. As aves, como exemplo, vêem-se poupados  das caçadas implacáveis. As galinhas, na ausência do proprietário, seriam inviáveis criar livres e  soltas. Os garnisés  neste ambiente espaçoso e natural, multiplicam-se como aparente praga (na proporção da ausência dos antigos inimigos).
Visitas ocasionais aconchegam-se ao cenário barulhento. Estes, com a presença do aparelho, procuram pelos donos. Estes, como pessoas civilizadas, batem palmas, olham aqui e acolá, procuram lá e cá... Estes forasteiros, na ausência humana, deparam-se com uma tapera. A solução, depois de alguma espera, consiste em retomar o caminho da estrada de acesso. Alguma vizinhança, numa visão ocasional, controla eventuais acessos assim como conhece a história da barulheira radiofônica.
O curioso, no exemplo, consistiu em alguém descobrir o ponto fraco dos animais. Este camarada, com o sui generis, criou a base dum comportamento comunitário. A informação, como descoberta, viu-se logo repassada aos amigos e conhecidos. Os cidadões, com idêntico dilema, colocaram a experiência em prática. A real eficiência vislumbrou nova prática agrícola. Estas experiências, nas conversas informais, vêem-se repassadas como conhecimento empírico no conjunto de moradores.
O indivíduo, no cotidiano da existência, resolve um problema e logo cria outro. O barulho humano, de maneira geral, ostenta-se um especial incômodo à fauna silvestre. A lei da sobrevivência, no reino animal, não perdoa os desprotegidos e fracos (o primeiro cochilo representa o perecimento). Os paliativos, em certas situações, mostram-se remédios e soluções. Animais domesticam-se com alimentos e os humanos orientam-se pelo dinheiro.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://radioclubecampobelo.com.br

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