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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O segredo do presente


Um morador, próximo a banhados, matos e roças, conheceu algumas rotineiras visitas. Estas, na ausência de maiores inimigos naturais, cedo tornaram-se uma praga. Os ratos, na primeira oportunidade, invadiram instalações e delas fizeram o espaço próprio à vivência. Os cheiros de urina tornaram-se um impróprio e sem falar na indecência das espalhadas fezes.
O colonial, para safar-se da inconveniência, procurou valer-se da astúcia e esperteza. Ele, como criador de animais domésticos, procurou espalhar algum aparente e inocente mimo. Este, durante sucessivos dias, administrou algum farelo de milho. O produto via-se espalhado nalguma mesa. O administrador, a cada dia, apreciava o sumiço do alimento. O fato acontecia nas caladas da noite e algumas fezes denunciavam a presença de roedores.
Os ratos, nessa altura com sólidas comunidades constituídas, entraram numa acirrada polêmica. Uns membros, muito jovens e imaturos, cedo falaram numa bondade humana. O dono, nos relatos das crueldades humanas, deveria ser uma exceção à regra (dos homens, na sabedoria dos antigos, serem muito interesseiros e maus). O criador dificilmente esquecia-se de distribuir o já tradicional mimo.
Os comentários, pelos membros mais idosos, falavam e narravam histórias chocantes de caçadas implacáveis (movidos contra a espécie). Entendiam-os, os ditos racionais, como uma espécie imprópria e maldosa. A conversa divergente, diante da descrença de muitos, arrastou-se por uns bons dias e semanas.
O proprietário, numa altura, acrescentou uns poucos grãos diversos ao farelo. Procurou manter a discrição e economia do produto. Alguns falaram em tratar-se duma sobremesa e disputavam a mordidas as dádivas. Elas, no primeiro momento, reforçaram as qualidades e virtudes humanas. O doador alimentaria um amor e paixão por animais exóticos.
O curioso abateu-se depois de algumas horas. Uns consumidores, “dessas bênçãos”, passaram a sentir terríveis dores estomagais. O interior parecia dilacerar-se. Eles, junto aos próximos da espécie, imploravam por água. Os adoentados, de forma desesperada e desnorteada, saiam dos buracos e esconderijos. Estes, como “zumbis ambulantes”, tinham consumido alguma inconveniência/veneno desses grãos. Umas poucas migalhas bastavam para fazer o maior estrago e “mostrarem as facetas da morte”.
Uns anciões, membros sobreviventes de outros genocídios e hecatombes, reforçaram seus conselhos. Estes, em linhas gerais, falaram da velha sina: “- Não se pode confiar nesses humanos! Dessa praga nenhuma caridade pode ser aceita! Todos, sem nenhuma exceção, fazem nada sem segundas intenções. Quaisquer mimos trazem os germes da morte. Estes, em cada encruzilhada, costumam montar alguma ratoeira”.
Uns, como prudentes da espécie, procuravam ouvir e seguir as recomendações. Outros sabichões, como tem sido comum em todas as comunidades, acharam-se muito espertos e inteligentes. Eles deram a mínima aos alertas e falas. Estes, nalgum momento, parecem “procurar para entrar nalguma fria”.
O indivíduo, com certos inimigos, não dá para cultivar amizades e muito menos receber presentes. Os interesses e ganhos movem as atitudes e pensamentos. Certas inconveniências não dá para reprimir e muito menos erradicar. Ofertas fáceis escondem interesses escusos. A bondade e caridade alheia, com prejuízos monetários, revela-se uma excepcional falácia.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano Colonial”

Crédito da imagem: http://umaformadepensamento.blogspot.com.br/2010/09/canto-escuro.html

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