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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O jejum do burro



A tradição oral narra a história e ousadia de certo colonial. O fato teria ocorrido nos primórdios da colonização da Colônia Teutônia (1874). As distâncias e florestas, para os “colonos jogados em meio ao mato” e o descaso das autoridades constituídas, mantinham-se um dilema de superação. As necessidades básicas, para escoar a produção e aquisição dos artigos de primeira necessidade, ostentavam-se uma dificuldade ímpar. As estradas, no interior da Floresta Pluvial Subtropical, não passavam de picadas/trilhas (entre a cerrada vegetação nativa).
Os animais de montaria, como cavalos e mulas, mantinham uma importância vital. Estes, no mercado, valiam uma fortuna (em meio à carência monetária dos pioneiros). As famílias, recém migradas/instaladas nos lotes (a partir da Colônia Alemã de São Leopoldo) e imigradas da Europa, mantinham dificuldades de locomoção e aquisição de alguma montaria. Os potreiros, como áreas cercadas com pedras grês, encontravam-se em progressiva edificação e expansão (diante da inexistência dos arames farpados). O trabalho braçal era básico e a necessidade primordial era conseguir animais (para montaria e alguma tração animal) como auxílio à produção rural.
Um certo camarada colonial, na sua excepcional ingenuidade, queria ensinar um modo vivencial novo ao seu burro. Este, aos poucos, conheceria a abstinência/carência alimentar. O dono queria ensiná-lo a desaprender a comer. A metodologia consistiria em paulatinamente ir reduzindo a quantidade do trato. O bicho, a cada dia, recebia um volume menor de alimento (até ficar zerado). Passaram-se uns bons dias e a prática, em meio a uma tremenda estiagem, tomara vulto. O bicho, meio raquítico, parecia responder bem as intenções e pretensões. Este, a um bom tempo desconhecendo qualquer cereal ou tubérculo, arrastou-se até chegar o dia do completo jejum. O infeliz, não tendo outra opção, obrigou-se a aceitar o dilema. A surpresa, no entanto, adveio numa certa manhã. O dono encontrou-o estirado morto por inanição.
O criador aprendeu outra dura lição de vida. Certas realidades são uma coisa na teoria e bem outra situação na prática. As leis da física ostentam-se difíceis/impossíveis de serem trapaceadas. Os animais, na agressividade ou burrice dos proprietários, pagam os maiores ônus (da falta de informação e instrução). As experiências empíricas ostentam-se uma realidade comum no meio colonial. Algumas dificuldades e necessidades, por falta de referências ou tecnologias, exigem ensaios e improvisações (como paliativos) para encontrar soluções.
O indivíduo que judia dos animais ostenta espírito impróprio. Certas conversas e histórias, mesmo absurdas ou mentirosas, possuem seu fundo de verdade. O cidadão precisa aprender com a experiência alheia com razão de não cair nos idênticos equívocos. A estupidez e irracionalidade humana tão cedo não terão limites. Certas realidades, por sua anomalia, parecem assemelharem a duas.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: globomidia.com.br

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