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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O descaso amoroso


Uma moça, muito bonita e elegante na flor da idade e centro das atenções da gurizada, fazia descaso de inúmeros pretendentes. Ela, sendo bajulada e cantada a toda hora, achava-se a “Rainha da Inglaterra”. A menina entendia-se a mais bonita do baile, rainha da escola, princesa primeira da cidade... Ela mantinha-se o centro dos comentários informais dos amigos e conhecidos. A foto destaque, das colunas sociais, recaia sobre a mesma. Uma referência de bom gosto no andar e vestir...
Um certo rapaz, muito humilde e retraído, encantara-se como enamorado e fã. Este mantinha-se cegamente apaixonado pela fulana. Ela, com as muitas opções, fazia o maior descaso dele. A condição econômica-social não permitia nenhuma chance de aproximação e muito menos possibilidades de namoro. O tempo, com o transcorrer dos meses, anos e décadas trouxe as agruras da existência e o peso da idade.
A moça, numa certa ocasião no ínterim do tempo, apaixonara-se por algum forasteiro. Os dois enamoram-se e depois, de certo espaço de namoro, constituíram família. Os filhos advieram e a obrigação de criá-los foi o centro das atenções e preocupações. As necessidades de subsistência obrigaram o duro trabalho. A beleza, tão efêmera e sútil, foi corroída pelo esforço e tempo. A fulana, com a idade, viu “a formosura do corpo evaporar-se nos ambientes”. Os traços, da outrora beleza, mantiveram-se unicamente presentes. O glamour ficou nas saudades e reminiscências.
As décadas, em meio aos muitos afazeres diários, transcorreram de forma rápida. Os filhos cresceram e constituíram suas famílias. A viuvez transformou-se numa triste sina. Os rebentos, nesta altura da existência, seguiram suas preocupações e trabalhos. A cidadã, agora senhora idosa, viu amigos e conhecidos partiram para o descanso.
Outros, ex-colegas, faziam indiferença com relação ao antigo relacionamento. Cada vez menos pessoal da sua época e gente. A solidão, com a aposentadoria e os bailes da terceira idade, tomou forma. Nenhuma parceria, nas caladas da noite, para conversar e trocar ideias; ausência de companheiro às rodadas de chimarrão e passeio; “falta de homem até para carregar peso e segurança”...
O antigo apaixonado, outrora desprezado e relegado, mantinha-se ativo e solto. Este inclusive mostrou-se disposto a recomeçar a vida. Possuía sua carência de companhia para os afazeres diários. Este, naquele momento, servia para compartilhar os dispêndios da idade. A solução consistiu em dar-lhe uma chance e “conviver como a muito próxima”. As partes, para os eventos sociais, constituíram uma companhia/casal para refazer a vida.
Os acontecimentos e fatos tinham redimensionado certos comportamentos e gostos. A escola da vida ensinara a dura lição! Qualquer semelhante, por mais humilde e pobre, ostenta-se um igual e próximo. Os ventos da existência podem mudar de forma ingrata e rápida. O impróprio de antes, agora tornara-se uma grande bênção e companhia!
O camarada, nesta rápida passagem terrena, nunca pode afirmar “dessa água eu não bebo”. O infortúnio, nalgum momento, reserva-nos surpresas inimagináveis. O descarte de hoje, amanhã poderá ter sua serventia. A satisfação e o prazer de cada dia é uma sabedoria.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano da Vida”

Crédito da imagem: http://quasesemquerer.wordpress.com 

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