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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

As excepcionais carnes


Um churrasco, no passado, era sempre um acontecimento especial. Os moradores, nos eventos comunitários, afluíam dos cantos e recantos da localidade (com razão de degustar  boa carne). Inúmeros já faziam caso duma excelente galinhada e imagina então duma churrasqueada. Esta, regada a bebidas e saladas, costumeiramente era de origem bovina ou suína. Os assados, na atualidade, tornaram-se uma prática domingueira (nos seios familiares). Assar alguma carne ostenta-se um alívio às senhoras na cozinha e a incumbência dos maridos em fazê-lo nas churrasqueiras.
Um certo cidadão, nas colônias, começou a namorar determinada moça. Os apaixonados, de famílias tradicionais, conheciam-se desde a infância. O namoro, nas idas e vindas, tinha tido a duração de algumas poucas semanas. Os pais, da moça, primeiro necessitaram dar o aval do relacionamento. O jovem, dali em diante, pôde passar a frequentar a casa. Este, a cada final de semana, encontrava-se no lar da enamorada. A família, do genro em potencial, pode conhecer facetas das manhas e virtudes. O rapaz, entre as várias vocações, salientava-se na habilidade de exímio caçador.
Um certo dia, depois duma boa convivência,  adveio o convite de degustar um churrasco (na casa do rapaz). Os pais da moça, em alta consideração e estima, procuraram dedicar um momento especial à visita. As duas famílias reforçariam vínculos com a excepcional refeição. O prato, num domingo, não poderia ser outro: o tradicional churrasco. As residências, em quaisquer moradias, improvisam ou possuem um lugar próprio aos assados. Aquele lar, com churrasqueira ou forninho, não podia ser diverso. A preocupação, com a visita inicial, estaria numa boa convivência e conversação. O aperitivo, no ínterim do preparo do assado, atiçava o estômago ao apetite.
O rapaz, como não poderia deixar de ser, procurou caprichar nas carnes e temperos. Uma abundância e diversidade para o escasso número de pessoas. Algum carvão especial, a base da acácia ou angico, constituiu boa brasa. Alguma caipira, com cachaça de alambique e limão taiti, para agradar convidados. As brincadeiras e conversas, com camaradagem e gargalhadas, rolavam soltas. Os homens, no ínterim, assentaram-se na beira da churrasqueira. O objetivo consistia em fazer assar as carnes. As mulheres, no interior da cozinha, tinham preparado as saladas e sobremesas. Afinal, numa visita dessas,  nada poderia faltar! A animação, acrescida da fofoquinha, piada e risada, rompia a rotina da calma e silêncio (tão comum nos dias da semana). Os espetos, estendidas sobre as brasas e repletos de cheirosas carnes, “traziam o aroma ao nariz e convite ao paladar”.
O cheiro exalava pela propriedade e vizinhanças. A cachorrada, lá adiante, prescindia a oportunidade de degustar alguns bons ossos. Os gatos, comis diversos cheiros, mantinham-se abusados e irrequietos. Alguns restos, nalguns pratos, certamente sobrariam. A dificuldade, com tamanha fome, era aguardar o momento oportuno. Alguma gordura respingada ou migalha descartada via-se cheirada e lambida. Alguma ousada galinha (caipira) achegava-se para querer tirar algum naco. Esta atiçava seus instintos carnívoros dos outrora dinossauros.
O tempo transcorreu e adveio o aviso. A carne pronta e adveio o assento a mesa posta.  A ceia, precedida de alguma oração rápida de agradecimento, levou o pessoal avançar sobre o cardápio. Um alimento dos deuses! Uma ceia de Kerb! Os elogios, do sabor das diversas carnes, não faltaram por parte dos hóspedes. O desafio era experimentar um naco de cada parte. Todos, em meia hora, viram-se fartados e satisfeitos. Uns tiveram a inconveniência de exagerar nas quantidades. Ceia concluída, adveio o momento da caminhada e posterior cesta. Uma forma complementar a digestão e revigorar os ânimos.
O visitante, neste passeio, interroga sobre a gama de carnes. O agrado, como curiosidade, merecia uma boa referência. Este pediu o nome daquele e desse pedaço. O provável genro, de bom grado, disse-lhe: “ - Aquela branca era de rã; outra mais avermelhada de tatu; alguma mais mole de rabo de lagarto; estas de aves incluía araquã, pombo, saracura... Uma diversidade exótica, típica da fauna regional, para reforçar o vigor dos instintos. O pessoal fala muito dessa variedade de carnes deixar o camarada ativo às intimidades sexuais”. O sogrão, diante do exótico, “deixou cair o queixo”. Este almejaria ter vomitado aquele cardápio. Algo impensável, para sua compreensão dos padrões coloniais, “ degustar bicharedo peçonhento”.
O indivíduo, que espera o excepcional, acaba surpreendido pelo esdrúxulo. Elogios antecipados incorrem em equívocos posteriores. O deleitoso da gente não é necessariamente o saboroso do alheio. Certas realidades, uma vez concretizadas, inconvém comentar.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: paranaagronegocio.blogspot.com





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