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sábado, 26 de janeiro de 2013

As pedras impróprias


Cachoeira e pedras Wallpaper
Um certo chacareiro, numa encosta de morro, mantinha algum potreiro. O local via-se cortado por um valo. O escoadouro de águas, por décadas e gerações, mantinha-se tomado por centenas de pedras. Estas, durante centenas de anos, foram avolumadas pela ação humana e as intempéries do tempo. Elas, de várias direções, advieram roladas morro abaixo.
O dono, apreciando o pastoreio do gado, vislumbrou um empecilho naquelas peças. Estas, na prática, ostentavam um desperdício de espaço. Um local próprio ao esconderijo de todo tipo de bicho peçonhento. Um conjunto de plantas espinhentas, volta e meia, aranhavam e espetavam os animais e obrigavam seu consequente corte. O gado, numa eventualidade imprópria, poderia machucar-se ou ser picado por alguma inconveniência.
O cidadão, diante do dilema, precisava encontrar um paliativo aos impróprios. Este, antes de qualquer iniciativa, precisou fazer uma boa auto-reflexão. Ele, como as gerações passadas (quatro), ficaria na indiferença ou colocaria mãos a obra? Os empecilhos, com seu subconsciente de empreendedor, sinalizavam alguma construção. Queria dar uma destinação agradável aos empecilhos.
A solução foi de paulatinamente colocar as mãos a tarefa. Este, a cada final de semana, procurou tirar duas a três horas, para amontoar e reassentar pedras. Uma forma de suar e tirar impurezas do corpo assim como sair da rotina do maçante trabalho urbano. O cidadão, depois de iniciado os trabalhos, parecia ter uma obsessão em empilhar pedras. Elas, esparramadas pelo lugar, levaram-no a imaginar alguma utilidade ímpar.
O camarada, agora improvisado construtor, começou em puxar um cercado sobre o valo. Uma cerca reforçada para garantir a eficiência. Procurou assentar bem as peças maiores e as menores preenchiam estas. O segundo passo, no interior do avolumado, foi complementar as pedras maiores com as singelas pedrinhas. Elas davam a real fixação do cercado. Uma tarefa maçante e pacienciosa. Curiosos e familiares, de imediato, viram nisso um desperdício de esforço e tempo. Uma judiaria em vão! Alguém logo disse: Por que perder tempo nisso e esgotar-se em vão? Possui dinheiro e tempo para jogar fora? Não tem mais o que fazer?
A persistência e teimosia continuaram umas boas semanas. O trabalho, aos poucos, foi revelando a dura realidade: falta de material. O punhado de pedras, outrora um excepcional estorvo centenário, agora mantinha uma sublime função. Constituir uma queda d’agua para embelezar e enobrecer o cenário colonial e familiar. A chácara cedo reforçou seu conceito de espaço de lazer e recreação. O lugar, daquela ocasião em diante, tornou-se referência nos períodos chuvosos e vazante maior dos córregos. A maravilha das águas, com seu barulho ininterrupto, originava uma melodia aos ouvidos e reforçava a tranquilidade do sono dos moradores próximos.
Quaisquer empecilhos, na proporção da dedicação e trabalho, encontra uma nobre e sublime função social. O indivíduo precisa orientar-se por suas próprias concepções e princípios e nada de maiores ouvidos ao “norte alheio”. Algum trabalho impróprio, realizado com disposição e empenho, cedo transforma-se numa satisfação e realização. Primeiro: muito bem pensar; decidido: colocar mãos a obra.
                                                                                                 
Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano Colonial”

Crédito da imagem: http://www.downloadswallpapers.com/papel-de-parede/cachoeira-e-pedras-14152.htm

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