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domingo, 13 de janeiro de 2013

As baratas


Umas despreocupadas e ingênuas baratas, numa casa pouco frequentada (nas férias do ocupante), sentiam-se felizes e seguras. Um conjunto de famílias vivia no interior de frestas e paredes. A penumbra, em boa parte, resguardavam-nos para seguir seus dias. Cada qual, ao seu tempo, dava a melhor destinação e significado.
Alguns discretos sinais, diante dos olhares esporádicos do dono/família, unicamente denunciavam seus esconderijos. A revelação ocorria através de esporádicos barulhos e a presença de inconvenientes excrementos. O proprietário, com sua ocasional limpeza, parecia fazer indiferença. Eventuais migalhas, caídas das refeições e espalhadas pelo ambiente, proporcionavam a alegria e o banquete dos insetos. Os ocupantes ausentaram-se/dormiam e as baratas devassavam os cantos e recantos da habitação.
A surpresa, numa certa ocasião, adveio em forma duma limpeza (generalizada) e mimo. Um aroma, com cheiro acebolado e acrescido duma farinha (de coloração amarelada), havia sido colocado nos pontos estratégicos da residência. A esfomeada comunidade de insetos “chegavam a ter água na boca”. A oportunidade, depois de um bom tempo de carências e mesmíssimas comidas, consistia em degustar um prato diverso e novo. A afobação e agitação, diante da primeira escuridão, “tomou conta da galera”.  A imprudência, em meio aos organismos esfomeados, agitou os novos e levou a desconfiança dos velhos. A comunidade, com raríssimas exceções, avançou despreocupada sobre as iscas.
O cardápio, depois de atendido na necessidade básica, foi fazendo incômodos (estomagais) e causando tonturas. A comida mantinha algo estranho e os gulosos passaram a andar desnorteados. Perdiam a tradicional discrição e saiam sem rumo. Alguns muitos, sem maior tempo, nem puderam lamentar as causas da indisposição e a vida.
O marasmo, como a hecatombe do mundo, havia tomado parte da família das baratas. A realidade dos fatos revelou a razão da desgraça: iscas envenenadas. O dono havia oferecido “um presente grego”. A comunidade “pereceu como moscas”. Sobraram poucas para relatar a história. Algum ensinamento, aos espertos sobreviventes, consistiu em relegar mimos. Os relatos, em função da memória curta, acabarão ignorados em pouco tempo e idênticas tragédias acabarão sucedidas.
Cuidado! Muito cuidado com certos agrados e mimos! As cortesias e facilidades escondem armadilhas e interesses. Certos benefícios compram favores, porém escondem maiores custos (nalgum futuro). Os subalternos, seres mais fracos, nunca podem subestimar o poder dos humanos. A afobação e agitação, em inúmeros exemplos, mostra-se causa maior de aborrecimentos e imprudências. A boca, na maioria dos casos, revela-se causa primeira das doenças e perecimentos precoces.
                                                                               
Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://info.abril.com.br/noticias/tecnologias-verdes/biocelula-usa-baratas-para-gerar-eletricidade-17012012-26.shl

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