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quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Latinha


    O ciclo do calçados, entre 1960 a 1990, avolumou fábricas e negócios. Os empreendimentos, nos vales do Caí, Sinos, Paranhana e Taquari (berços da Colonização Alemã no Rio Grande do Sul/Brasil), espalharam-se nos cantos e recantos dos lugarejos. Inúmeras localidades, a partir de alguma calçados ou curtume, lançaram os esteios da modernização e urbanização. As emancipações, com a formação de distritos, tornaram-se fatos corriqueiros.
Milhares de assalariados, entre filhos de colonos e migrantes – “plantados semanas inteiras nas linhas de produção”, ganharam o aprendizado e o sustento. Barões do calçado, em restritas famílias, formaram-se entre a descendência germânica. Modestos colonos, nalgum momento, enveredaram pelo couro e calçados. Estes, a partir de instalações de fundo de quintal, foram constituindo impérios. Singelos prédios, em poucos anos, tornaram-se monumentais construções. Estradas esburacadas ganharam contornos de modernas rodovias. Migrantes, aos milhares, invadiram os cenários das outroras pacatas colônias...
O curioso relaciona-se aos anunciantes. Veículos, com alto-falantes (entre os anos de 1970 a 1990) clamavam por trabalhadores. Uns, na manhã, paravam nalguma empresa; começaram, à tarde, noutra. Inúmeras placas, com anúncios das especialidades necessárias, haviam afixadas, as dezenas, em frente às fábricas. Estas, a título de exemplo, procuravam cortadores, chanfradeiras, lixadores, revisoras... Vilas, da noite para o dia, pipocaram nas periferias. Elas precisaram abrigar as levas de forasteiros. Inúmeros, trazidos das colônias distantes, para produzir calçados. As encomendas/pedidos, de lojistas nacionais e internacionais, pareciam não dar conta das quantidades (as fábricas). Os famosos cerões/horas extras eram comuns com vistas de atender pedidos. O ciclo parecia eternizar-se no tempo e a decadência algo impensável (no frescor da febre). O dinheiro, em dólares, advinha fácil e graúdo...
A concorrência asiática, sobretudo chinesa, suplantou a época “das vacas gordas”. Outros fatores, como ganância fiscal e legislação trabalhista, a partir de 1988, trouxeram a gradual migração e fechamento de fábricas. Algumas empresas, dos ramos coureiro-calçadistas, fugiram (na direção do Nordeste/BR, América Central e Ásia). Elas, de forma oficial ou “na surdina”, carregavam chefias e máquinas; procuraram ambientes mais promissores aos negócios. As choradeiras e lamúrias tomaram conta de cenários. Inúmeros empreendimentos, as centenas, foram a falência. Prédios monumentais tomaram-se caricaturas/sombras do passado glorioso. Espaços, das outroras esteiras, ganharam novas funções sociais (negócios nas áreas de serviços). Inúmeros barões migraram de atividade ou “penduraram as chuteiras” (queriam auferir os dividendos dos sacrifícios). Poucas empresas, audaciosas e inovadoras, sobreviveram a hecatombe. Casas coloniais, com o “poder das verdinhas”, tinham adquirido ares de mansões. Fazendas e veículos, com o enriquecimento de poucos, foram adquiridos as centenas e restritos foram os reinvestimentos na diversificação produtiva.
Criou-se a “Lenda do Latinha”! Havia calçados tal! Empresa conceituada qual! Mantinha-se o quadro de funcionários/trabalhadores tais! Outros mais: “Cheguei a labutar nesta empresa”. “Os donos eram a família tal”. “Fulano e beltrano, num fundo de quintal, haviam iniciado a empresa” (calçados ou curtume)... A magnitude, para quem vivenciou os fatos, assemelha-se a lorota (na proporção das narrações). Onde ficaram todos esses empreendimentos? Os sucessores não souberam administrar e continuar? Pessoas “forravam o poncho e caíram fora?” Empresas migraram de contextos urbanos (na direção das periferias onde encontram mão de obra mais barata)... O latinha ficou unicamente na memória dos mais velhos e nos registros efetuados nas publicações (jornais e revistas) da época.
          Ciclos econômicos ostentam-se uma rotina nos meios produtivos. O dinheiro fácil proporciona a noção de euforia. Cada momento com suas adversidades e oportunidades. Os calçados/couros, até o momento, foi o período áureo na história da imigração alemã (em paragens da América Meridional).

Guido Lang
Livro "Singelas Histórias de Vida”

  Crédito da imagem: http://www.paraibatotal.com.br/noticias/2012/11/23/65128-setor-coureiro-calcadista-paraibano-promove-forum-estrategico-para-planejar-2013 

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