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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

A caninana


 
A criançada, em meio as tarefas de roça dos pais, inventara de brincar no taquaral. Um lugar fresco/umedecido diante das agruras do calor. A planta, num morro próximo duma nascente, acumulava um material impróprio de restos vegetais. Um ambiente propício, como esconderijo, aos bichos peçonhentos. Ouriços e ratos mostravam-se igualmente refugiados e resguardados no espaço.
          As crianças, ainda menores e poupadas da capina (da mandioca pelos genitores na lavoura próxima), inventaram uma brincadeira anômala. A invenção de passatempos, diante da ausência de maiores brinquedos, mostrara-se uma rotina nas colônias. Elas mexiam e remexiam em ciscos, gravetos, pedras e varas. Os roedores, em meio ao desespero da cachorrada, tratavam de subir as varas (das taquaras). Um refúgio aparente diante da ação de cães e humanos. As peças, em meio as subidas, viam-se balançadas. Os ratos, diante da anomalia e temor, trataram de cair ou pular. Os cães simplesmente estraçalharam-os. Uma algazarra e gritaria, escutada a boa distância, instalara-se no cenário. A vizinhança cedo reparou o diverso e interrogou sobre os acontecimentos.
          Um ingênuo guri, numa altura, descobriu outro refúgio duma moita. Ele, metendo as mãos, deslocou restos vegetais. A certeza consistia da presença de mais alguns roedores (escondidos). Transcorreu, num inimaginado, o assombro e o temor! Uma comprida e volumosa cobra! Esta, com aproximados um metro e meio de comprimento e grossura dum braço de adulto, dirigiu-se na direção do mexerico. Este, deveras assustado, tornou-se estático e pálido. “Gelou nas bases” e ficou sem palavras. Apontou mudo na direção do réptil. Os genitores, num berreiro pelos manos, viram-se alertados/chamados. Estes advieram “a mil” e logo reconheceram tratar-se duma inofensiva caninana (Spilotes pullatus). Elas costumam habitar ambientes próprios da proliferação de roedores.
           As crianças, até o desfecho dos seus dias, aprenderam a nobre lição do extremo cuidado em mexer em certos ambientes. Os lugares impróprios a uns, servem de refúgio/moradia a outros. As brincadeiras são os meios empíricos das crianças assimilarem o conhecimento. Um fato corriqueiro nas colônias, a criançada brincar no sabor da roça (na proporção dos pais ocuparem-se nas tarefas da agricultura).

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias"


Crédito da imagem:http://www.primareptilia.com/spp_care.html

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