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terça-feira, 11 de setembro de 2012

Assembleia na carpintaria



     Contam que na carpintaria houve uma vez uma estranha assembleia. Foi uma reunião das ferramentas para acertar suas diferenças. O martelo exerceu a presidência, mas os participantes notificaram-lhe que teria que renunciar. A causa? Fazia demasiado barulho e, além do mais, passava o tempo todo golpeando. O martelo aceitou sua culpa, mas pediu que também fosse expulso o parafuso, dizendo que ele dava muitas voltas para conseguir algo. Diante do ataque o parafuso concordou, mas por sua vez pediu a expulsão da lixa. A lixa acatou, com a condição de que expulsasse o metro, que sempre media os outros segundo a sua medida, como se fora o único perfeito.
     Nesse momento entrou o carpinteiro, juntou o material e iniciou o seu trabalho. Utilizou o martelo, a lixa, o metro e o parafuso. Finalmente, a rústica madeira se converteu num fino móvel. Quando a carpintaria ficou novamente só na assembleia a discussão foi reativada. Foi então que o serrote tomou a palavra e disse: “-Senhores, ficou demonstrado que temos defeitos, mas o carpinteiro trabalha com nossas qualidades, com nossos pontos valiosos. Assim, não pensemos em nossos pontos fracos, e concentremo-nos em nossos pontos fortes”.
     A assembleia entendeu que o martelo era forte, e o parafuso unia e dava força, a lixa era especial para limar e afinar asperezas, e o metro era preciso e exato.
     Sentiram-se então como uma equipe capaz de produzir móveis de qualidade. Sentiram alegria ao terem a oportunidade de poderem trabalhar juntos.
     Ocorre o mesmo com os seres humanos. Basta observar e comprovar. Quando uma pessoa busca defeitos em outra, a situação torna-se tensa e negativa. Ao contrário, quando se busca com sinceridade os pontos fortes dos outros, florescem as melhores conquistas humanas. É fácil encontrar defeitos. Qualquer um pode fazê-lo. Mas encontrar qualidade, isto é para os sábios.

Extraído do site www.ibb.org.br

Crédito da imagem: http://aluguerfabrica.blogspot.com.br/

Os mananciais da terra


     O solo de Boa Vista Fundos (Teutônia/RS) coberto por uma exuberante vegetação mostrava sua riqueza ímpar, que cedo despertou a cobiça e instalação dos colonizadores (Jacob Lang, Jacob Dockhorn, Adolfo Eggers...). Estes, como o afluxo de outros pioneiros, averiguaram o subsolo, quando descobriram jazidas de pedra-grês, mananciais d’água, redutos de argila, reservas de saibro...
     Os desbravadores, após a conquista das primeiras roças, passaram a explorar o subsolo. A argila viu-se utilizada na confecção de rudimentares tijolos; areia extraída ao emprego nas construções; saibro utilizado nos aterros de estradas e pátios; solo avermelhado usado no combate a diarreias (suínas)...
     As pedras-grês aflorando ao solo deram origem a pedreiras, que forneceram a matéria-prima básica para a edificação dos alicerces dos chiqueiros, estábulos, moradias e paióis. As melhores pedras viram-se empregadas na construção das residências, que, na atualidade, ainda impressionam pela dureza e perfeição dos encaixes em inúmeras edificações. Os retalhos serviram para construir as tradicionais cercas de pedra, que, nas áreas determinadas aos pastoreios (potreiros) viram-se estendidas como imensas “cobras” (divisoras de lotes). Um espaço próprio, no momento atual, para refúgio de animais silvestres assim como resquícios de um trabalho incessante de uma civilização de outrora. Os resquícios das crateras, espalhadas em diversas propriedades, revelam os locais de extração, que, na época dos primórdios (1868 a 1920) absorveu uma labuta dantesca dos homens e animais (tração animal). Os colonos tornaram-se peritos na colocação destas rochas, quando o testemunho das pedras externa a grandeza do conhecimento, habilidades e façanha destes empreendimentos. A estirpe de corajosos descansa nas suas cinzas, porém vivem no espírito e nas histórias da descendência e do testemunho dos resquícios.
     Gerações advieram e deram o testemunho deste trabalho ímpar, que com instrumentos rudimentares criaram obras excepcionais. Os mananciais de pedra descrevem facetas da história dos primórdios, enquanto outras realizações, de cada período, revelam facetas de um trabalho incessante de moradores anônimos.
           
Guido Lang
Livro “Histórias das Colônias”

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Companheiros até a morte



Era uma vez, em um reino distante, dois companheiros que nutriam uma amizade verdadeiramente inabalável. A força e a beleza desse sentimento eram conhecidas e admiradas por todos. Até que essa amizade um dia foi posta à prova. Contrariado com as constantes críticas de Pítias, o rei mandou chamá-lo, juntamente com seu amigo Damon.
Por defender seus princípios, Pítias foi acusado de traição e condenado à morte. Antes de ser preso, porém, solicitou a realização de um último desejo: que lhe permitissem despedir-se da família. O rei relutou, mas acabou sendo convencido por Damon, que, demonstrando total confiança em Pítias, ofereceu-se para morrer no lugar do amigo caso ele fugisse.
Dessa forma, conforme o combinado, Damon foi levado à prisão e Pítias foi ao encontro da família. À medida que os dias corriam, os guardas passavam a zombar do prisioneiro, dizendo que o “tão leal amigo” o havia abandonado.
Eis que chegou o dia da execução. A cidade toda se perguntava como um amigo tão fiel fora entregue à própria sorte. O rei mandou o prisioneiro ser trazido. Os guardas o posicionaram no meio da praça lotada. O silêncio imperava. E quando Damon já estava com a corda no pescoço, Pítias gritou, no meio da multidão:
-Eu voltei! Não o matem!
Estava esgotado, ferido, cambaleante. Ainda assim, arranjou forças para abraçar Damon e comemorar o fato de tê-lo encontrado com vida, apesar de seu atraso. Emocionado, explicou que seu navio naufragara durante uma tempestade, e que bandidos o haviam atacado na estrada. Apesar de todos os contratempos, jamais perdera a esperança de chegar a tempo de salvar o amigo da morte.
Ao presenciar aquela cena, o rei foi vencido pela beleza daquele momento. Declarou então revogada a sentença. Era a primeira vez que presenciava cenas de tão elevado grau de amizade, lealdade e fé. Assim, o rei concedeu-lhes a liberdade, solicitando em troca que os dois lhe ensinassem como construir tão sólida amizade.

Adaptado por um autor desconhecido do conto de William J. Bennett

Crédito da imagem: http://ludmilaalmeida.blogspot.com.br/2011/04/o-sapo-e-o-rei.html

"O ciclo do ouro branco"



     A Colônia Teutônia, nos anos de 1910 a 1950, mostrava-se uma grande produtora de banha. O produto via-se extraído dos suínos, que, em quaisquer propriedades, abundavam. A farta produção de cereais, sobretudo do milho, possibilitava criar os animais, que, como complemento alimentar, ganhavam tubérculos (batata e mandioca); acrescentava-se o trato de abóboras e pastos. Os cozidos, de lavagem com sobras diversas, mantinha-se uma prática corriqueira nos pátios coloniais. Os colonos, em uma ano, criavam chiqueiradas de animais, que viam-se continuamente abatidos para o próprio consumo e produção de banha.
     O produto, em função da inexistência dos azeites (vegetais), mantinha mercado garantido nas crescentes cidades (sobretudo nas emergentes vilas das periferias de Porto Alegra/RS). Teutônia, através dos distritos de Canabarro, Languiru e Teutônia, mantivera-se uma abastecedora das necessidades do mercado. Os colonos, através do abate caseiro, extraíam o produto, que era comercializado nas diversas vendas (espalhadas pelas localidades). Estas, através de intermediários, direcionavam a banha aos mercados urbanos. A ampla criação possibilitou sobras financeiras, que os colonos, nalgum momento, dirigiam as melhoras das propriedades. Inúmeros moradores puderam edificar sólidas moradias com os recursos auferidos. Uma curiosidade relacionava-se a habilidade dos rurais na carneação, que ocorriam praticamente a toda semana em quaisquer propriedades. As carnes e miúdos viam-se aproveitadas ao consumo familiar e trato aos próprios da espécie. A fartura teutoniense tornou-se amplamente conhecida no contexto da colonização, quando o lugar recebeu a alcunha de “Pérola das Colônias Alemãs”. O povoado, da atual Languiru – com um punhado de poucas dezenas de casas, recebeu numa época (entre os anos de 1920 e 1940) a denominação de “Ouro Branco”, uma referência à ampla produção da banha que rendia dividendos como fosse um metal precioso. O nome, em algumas esparsas referências, subsiste no meio comunitário a exemplo do Hospital Ouro Branco. Poucos, somente os mais idosos, relembram-se desta epopéia, que registramos a título de preservação de história comunitária.
     Outros ciclos econômicos, de acordo as exigências do mercado interno, procederam-se nos seio comunitário (leite, nata, soja, couros, madeira...). Estes, a cada época, surgem com vistas de acompanhar as oscilações econômicas, quando integram o contexto regional às exigências dos mercados maiores. A campanha do impróprio da banha à saúde foi uma das causas da decadência, quando pouquíssimo para o consumo familiar produz-se deste produto. Pode-se ver o poder do discurso, na mídia, para derrocada de algum produto, quando outros interesses econômico-financeiros fazem-se presentes.

Guido Lang
Livro “Histórias das Colônias”

Crédito da imagem: http://torneiradigital.blogspot.com.br/2009_09_01_archive.html



domingo, 9 de setembro de 2012

Pensamentos


SINGELOS DIZERES DO COTIDIANO DA VIVÊNCIA

     Alguns dizeres são de uso cotidiano, que é uma forma de dizer muito em poucas palavras. Idem algumas frases:
01. Um lugar em que se planta árvores se ostenta um espaço feliz.
02. Nem sempre quem quer a galinha quer os pintos.
03. Marido nem parente é, por isso não é para sempre.
04. Segredo só não conta – quem não tem.
05. Na derrota, só nos resta ter compostura.
06. Jogo só é bom para o dono da casa.
07. Quem joga a dinheiro é o bobo do esperto.
08. Quem compra o supérfluo; venderá o necessário.
09. O Diabo não parece tão horroroso como pintam.
10. Nossa história escrevemos no cotidiano dos dias.
11. O pior inimigo é aquele com que se dorme.
12. As estradas são o melhor retrato das administrações.
13. O estado do pátio reflete o espírito dos moradores.
14. O bom senso é o segredo da saúde plena.
15. Somos os resultados das nossas escolhas.
16. Não é possível enganar a todos o tempo todo.
17. Uns fingidos matam e choram sobre o caixão dos finados.
18. O bom pagador conta com a carteira alheia.
19. Os tempos de crise nos levam a economizar de várias maneiras.
20. Quem não ajuda pelo menos que não atrapalhe.
21. Os filhos vêm ao mundo para preocupar os pais.
22. Gente boa como ruim existe em todos os lugares.
23. Os comentários escondem um fundo de verdade.
24. O roubado e traído costumeiramente é o último a saber.
25. Cada pé torto tem o seu chinelo velho (adequado).
26. Não tem bem que dure sempre e nem mal que não tenha fim.
27. Tudo tem remédio: precisa-se unicamente descobrir o adequado.
28. Com político nada se pode assinar embaixo.
29. O pobre sem perspectiva de futuro cedo torna-se um encargo.
30. Pobre não se pode dar o luxo de ter vícios.
31. Absurdos foram cometidos em nome de Deus.
32. O maior desafio do aluno é superar a astúcia do mestre.
33. A sorte está ali por onde menos procura-se por ela.
34. Quando a gente não gosta de uma coisa, difícil fica acreditar nela.
35. Para o bom entendedor meias palavras bastam.


Guido Lang
Anexos das “Histórias das Colônias”

As majestosas fontes


     Uma dádiva divina incrustou-se no interior da Floresta Subtropical Pluvial, que refere-se aos magníficos olhos da água. Os pioneiros, a partir de 1868 (na Colônia Teutônia), passaram a vasculhar os espaços dos lotes com vistas de localizar os lugares úmidos. Eles cedo cavaram estes lugares com razão de criar poços, que “pipocaram” nos diversos prazos coloniais. As instalações, dos chiqueiros, currais, estábulos, galinheiros e moradias, faziam-se próximas as fontes, que permitissem uma abundante e límpida água.
     Os poços, criados a superfície do solo, brotavam em meio ao saibro ou rochas, quando cedo criou-se alguma estrutura improvisada de sólida fonte. Estas, nas décadas de colonização, tornaram-se patrimônio de gerações e lugares, quando compreendiam-se numa espécie de bênção divina. Advieram, no interim dos anos, algumas tremendas estiagens, quando mediam-se a capacidade dos poços. Estes, de maneira geral, diminuíam a vazão do líquido, porém aumentavam a sua qualidade. A abundância dos olhos da água faziam os brotar nos cantos e recantos das encostas e vales, que retratam a grandiosidade e riqueza desta singela terra. Estes, de maneira geral, dão origem a inúmeros valos e, lá adiante, aos arroios; alimentam açudes; abastecem animais e plantas... Os animais silvestres, nas cercanias, criavam alguns santuários ecológicos, porque conviviam com os fatores básicos a vida.  
     Vários pátios dos solares familiares conheceram o abastecimento de água corrente, que, de forma ininterrupta, escorre pelos lugares. Os ambientes mostravam-se embelezados e refrescantes, enquanto o murmúrio da água transmite uma terapia espiritual. As aves, numa gama de espécies, habitam o ambiente, quando auxiliam a romper a monotonia colonial. As criações, abastecidas com água corrente, ostentam-se de aspecto mais saudável e fácil manejo. A abundância no interior dos lares eleva as condições higiênicas, quando permite o frequente refrescar. Vários coloniais, da roça, advieram suados e direto dirigiam-se aos tanques (instalados em algum lugar dos pátios) com razão de refrescar-se e tomar o líquido.
     Algumas famílias, a exemplo da Boa Vista Fundos (Teutônia/RS), mantiveram-se ligados as fontes naturais, que valorizavam-lhes as instalações, lotes coloniais e moradias. Os moradores, com esplêndidas fontes, viam-se comumente comentados como referências nas conversas informais. Alguns poços, com a migração ou instalação da rede comunitária, foram abandonados, enquanto outros continuam cumprindo sua nobre função. Passarão outras gerações e as fontes manterão-se ativas, quando nem perguntarão por méritos ou preços pelos serviços prestados.
     A fartura de água doce, num mundo globalizado, mostra-se uma graça praticamente despercebida para inúmeros moradores. “Deus escreve certo em linhas tortas”, por isso, “enterrou tesouros no interior da criação”. Algumas fontes, como “pérolas jogadas aos porcos”, parecem estar numa aparente indiferença, mais acabarão descobertas ou redescobertas na proporção de guerras e tragédias em função da carência do líquido da vida.

Guido Lang
Livro “Histórias das Colônias”


Crédito da imagem: http://mariodoido.blogspot.com.br/2012/05/cachoeira.html 

sábado, 8 de setembro de 2012

A revolução das corticeiras



     As corticeiras, no contexto do mato natural, revelam uma discrição, quando mesclam-se no conjunto das demais espécies. À exceção ocorre no contexto do aquecimento de agosto, quando, os ares da primavera, inspiram uma bonita floração. Elas, junto aos floridos dos ipês, rivalizam na beleza e formosura do cenário.
     Sucedeu-se, no contexto da história comunitária, um acontecido impróprio com as plantas nativas. Elas, nos anos de 1965 a 1975, “foram caçadas de forma excepcional”, quando “adveio um modismo do ciclo econômico do calçado”. As encostas e morros viram-se devassados com razão de extrair as madeiras que forneciam matéria-prima à confecção de saltos femininos de uma fabricação de tamancos/chinelos/sapatos. Algum modelista, em função da madeira leve, tinha elaborado um modelo que “cedo tornou-se um furacão”. As mulheres usavam de forma generalizada e o sucesso impunha um preço elevado à madeira.
    Compradores da matéria-prima, junto aos colonos, passaram para fazer propostas atrativas. Estes, costumeiramente com o dinheiro recebido no ato, deram autorização à derrubada “no contexto de uma ausência de maior legislação de proteção ambiental”. O florido, uma milenar qualidade da espécie, tinha-se tornado impróprio, pois a longas distâncias, das baixadas em direção das encostas, revelava-se sua localização e presença. A tamanha caçada ameaçou a extinção da espécie, porque incorria-se no perigo de não fazer sobrar  exemplares às sementes. Umas menores, com troncos pouco desenvolvidos, deram-se o encargo de salvaguardar a nobre espécie. Cortadores, diante da ganância do lucro (através do poder do dinheiro), desafiaram íngremes encostas e pedregosos espaços para extrair volumosos troncos. Cortados, arrastados morro abaixo, viam-se carregados em carroçadas e evacuadas na direção das estradas gerais ou direto nas serrarias (artesanais instaladas nas colônias).
     Uma época de outras necessidades e preocupações, porém o idêntico pela ganância pelo monetário. Exemplares esparsos, na atualidade, mantêm-se enobrecendo os cenários coloniais, quando refletem a riqueza ambiental da Floresta Subtropical Pluvial/Mata Atlântica. Deus, o Criador, sempre faz sobrar algumas sementes de cada espécie com vistas de dar uma salvaguardar a cada qual. Mantêm, desta forma, a grandiosidade da sua ímpar obra, quando caçadas implacáveis, de tempos em tempos, não conseguem extinguir espécies.

Guido Lang
Anexos das “Histórias das Colônias”

Crédito da imagem: http://www.flickriver.com/photos/tags/corticeira/interesting/