O Faísca era um cachorro
belo e excepcional. Adestrado para ser uma parceria agradável e ímpar.
Acompanhara o dono nas suas muitas andanças e passeios. A preferência ocorria
nas idas e vindas aos armazéns e bares. Aprendeu cedo a correr atrás ou ser
carregado de carro. Este, conhecendo os perigos do trânsito, saia da estrada na
proporção de achegar-se algum veículo. A paciência parecia infinita em
esperar o dono nas rodadas de carta/baralho...
O ensinamento essencial
relacionou-se a guarda do pátio. Quaisquer lagartos e raposas viam-se
exterminados, gaviões e ouriços alertados da sua presença; eraras e graxains
perseguidos (até serem entocados)... A amizade e consideração, pelo chefe,
parecia infinita. O cuidado do patrimônio familiar mantinha-se a razão
existencial. Os olhares e ouvidos recaiam sobre os gestos e palavras do
adestrador. O cão, na sua compreensão e humildade canina, parecia ter nascido
em função do benfeitor. Acompanhava-o nas diversas e inúmeras paragens.
A alegria e consideração
maior sucediam-se nos momentos de caçadas e pescarias. Cachorro e
tratador constituíam uma simbiose ímpar. Eles, nas caladas
das manhãs e noites, devassaram arroios e matos. As presas conheciam a perseguição
e extermínio diante da parceria. O lugarejo, em meio a devassa
dos territórios ostentava-se deveras diminuto. Quaisquer refúgios,
nos cantos e recantos, acabaram localizados e a pena, pelo azar e
cochilo, ostentava-se a punição extrema (morte). Os dois! O terror das
colônias! Relatos e histórias das aventuras e peripécias não faltaram nos
comentários e falatórios das bodegas e vendas.
O Faísca, numa certa
ocasião, queria inovar e relachar. Os instintos levaram-o a “cair na fraqueza
do espírito”. A sexualidade, como desejo de propagar a espécie, fez-o “correr
atrás duma namorada”. O comum, na localidade, foi a romaria da cachorrada! Os
machos, de procedência variada, queriam atender a parceria e satisfazer o
instinto de ser pai. Alguma alma maligna/misteriosa, em meio a afobação e
briguedo generalizado, armou armadilha e enjaulou o Faísca. Este entrou numa
tremenda fria. Os responsáveis castigaram-o com dura pena: a castração. O
faro e serviço do Faisquinha viu-se diminuído e sossegado!
O dono, deparando-se com a
realidade do fato, caiu no espanto e raiva. Os responsáveis esconderam-se
no anonimato Eles, mais ou menos dias, “acabarão batendo com a
língua nos dentes”. O apegado e ativo Faísca mudou de filosofia. Ele, daquela
ocasião em diante, tornou-se amigável e sereno. A vida entendeu como comer e
dormir! O bicharedo, no pátio, tornou-se abusado e ousado diante da sua
indiferença. Que singelas bolotas fazem tamanha diferença?
As peripécias de uns,
incomodam outros. Ingênuos animais, inúmeras vezes, pagam o ônus da
indisposição de humanos. Abusos, de uma ou outra maneira, vêem-se observados e
punidos. Aplicar peças ostenta-se prática frequente no meio colonial.
Guido Lang
“Singelas Histórias
do Cotidiano das Colônias”
Crédito da imagem: http://br.freepik.com/fotos-gratis/filhote-de-cachorro-bonito-branco_530838.htm