Uma determinada
fabriqueta, de fundo de quintal, empregava meia dúzia de profissionais. Os
familiares mantinham-se os principais trabalhadores. Esta, como microempresa,
ostentava um comprador (certo) aos seus calçados. Este, nos lados da fronteira,
comercializava a produção no ramo varejista e atacadista.
O comprador/lojista
iniciou os pagamentos no ato/à vista. Um pedido, com certo número de pares, foi
a título de experiência. Outras encomendas tomaram vulto. Uns números de pares
sempre a mais. O pagamento pontual e a dinheiro vivo. A transação sucedeu-se
neste ritmo por meses. As esperanças consistiam em ampliar e melhorar a produção.
Máquinas foram compradas e instaladas. Trabalhadores registrados. Tudo legal
como manda a legislação!
Outros pedidos, em
número de algumas centenas de pares, tomaram forma. A credibilidade, do
lojista, mantinha-se em boa conta/fé. Alguns dias, como crédito, foram dados. Os
negócios transcorreram naquele ritmo calmo e persistente. A empresa, com a
fabricação de certo número de pares diários, parecia deslanchar. Planos e
churrasquinhos, em meio às confraternizações da equipe, não faltavam. Sucediam-se,
no ínterim, umas boas cervejadas e gargalhadas. Afinal! Quem pega pesado,
merece uns agrados e mimos.
Os negócios, entre
fabricante e lojista, iam de vento em popa! Vendas boas nas lojas e encomendas
constantes na fábrica. O lojista, numa certa ocasião, aumentou deveras o número
de pares. Pedido especial para final de ano! O trabalhador com o décimo
terceiro salário na mão! Euforia econômica ímpar! “O pessoal querendo levar as
lojas!”. O lojista ofereceu cheque (por uns dias) e pagou direito. A confiança
aumentou. Nada de maiores consultas e
desconfianças. O capital de giro, nos dias do cheque (retido), saiu das
próprias economias. Algumas compras de matéria prima a crédito.
Adveio, em meio à
euforia econômica, mais outro super pedido. O dobro dos tradicionais pares (para
reforçar o abastecimento do mercado de final de ano). O lojista seguiu os trâmites
normais e outro cheque expedido. Esperou-se os dias do almejado desconto.
Adveio a maior surpresa: falta de fundo. “Os responsáveis sumiram do mundo” e a
empresa foi à lona. Queixas a polícia e nada. “O banho maria”, da confiança e
pontualidade, serviram de “ensaios ao calote”. Este adveio e terminou com
sonhos e trabalhos. Deixou endividados os fabricantes e famílias. Tudo na lei,
na confiança bancária e eficiência dos modernos meios de comunicação. Solução fechar, vender máquinas, “tapar o
buraco”, recomeçar a vida econômica... Inúmeras histórias, a semelhança desta,
ocorreram nos Vales do Calçado (Caí, Paranhana, Sinos e Taquari) no período do
“Ciclo do Calçado” (1970-2000).
O conto do vigário paira como sombra nas atividades
econômicas. Quem nunca entrou nalguma fria? Facilidades e malandragens atiçam a
criatividade humana. Certas presas veem-se alimentadas/ceivadas para receber o
tiro certo na ocasião própria. Confiar em quem nestas alturas do campeonato? A
imaginação, pelo dinheiro fácil, não tem limites na concepção humana! O
indivíduo cuida-se porém alguma ratoeira aguarda-nos. Quem produz paga os ônus
do conjunto das “maracutaias” (malandragens).
Guido Lang
Livro “Singelas
Histórias do Cotidiano da Vida”
Crédito da imagem: http://www.coladaweb.com/economia/historia-da-moeda