Algumas histórias, na
memória comunitária, perpassam gerações em função do detalhe. As famosas
pérolas perpetuadas nas conversas da tradição oral. Os autores da vivência
levam-os junto a sepultura como fama.
Os religiosos, na atuação
pastoral, mostram-se muito cobrados e observados na coerência. A prática e
teoria precisam andar de mãos dadas no cotidiano dos afazeres. “As ovelhas
espelham-se no condutor do rebanho”. “O faça o que eu digo, porém não faça o que
eu faço” não funciona a contento.
Um certo religioso, numa
localidade do interior das grotas, residia na tradicional casa pastoral. Ele,
na sua companhia, mantinha uma modesta funcionária/empregada. Esta ocupava-se
no atendimento das necessidades da residência. As faxinas, refeições e roupas
recaiam-lhe como encargos e obrigações.
O padre/pastor, neste caso
não interessa a confessionalidade, poderia fazer um melhor atendimento aos
serviços comunitários. Os batizados, casamentos, enterros, sermões e visitas
mantinham agenda cheia. O tempo, para os afazeres e obrigações particulares,
ficaria complicado e difícil de atender e honrar.
A menina moça, advinda
igualmente das colônias e de origem duma família honrada e pobre, precisou
residir junto a residência. Ela, como mandava o bom senso, ganhou seu quarto
próprio. Aquela história de residir com celibatário causava estranheza nos
curiosos. As relações, com o tempo de convivência, levantaram suspeitas de
maiores intimidades. Este, com idade para ser pai dela, não poderia ostentar
tamanha proximidade daquela companhia feminina.
As suspeitas, com
falatórios generalizados na comunidade, era dos dois dormirem juntos, porém não
constituírem um casal. A parte masculina, de uma forma veemente, negava
quaisquer relacionamentos íntimos. As acentuadas diferenças de idade somaram-se
ao impecilho da constituição familiar.
Umas metidas senhoras,
esposas de membros da diretoria, queriam tirar a limpo a história. Estas
queriam desfazer suas dúvidas de, afinal, dormirem ou não juntos os dois. Os
comentários e falatórios, numa pequena comunidade, arrastava-se a uns
bons meses. A dificuldade de esconder o relacionamento, numa época de negação
desse tipo de comportamento social e ainda por parte do pároco, mostravam-se
cada vez mais complicado e difícil.
Um trio de senhoras, numa
certa ocasião, arrumou algum pretexto de visita a casa pastoral. Estas, de uma
e outra maneira, fizeram artimanhas para ter acesso ao interior da moradia.
Elas, como “boas amigas e velhas conhecidas”, tiveram os passos facilitados. As
metidas/ousadas cidadãs, num cochilo e distração da menina moça, avançaram
sobre algumas talheres a mão. Estes ganharam uma serventia e uso ímpar.
As peças, de forma
ardilosa e discreta, foram colocadas/escondidas entre o colchão e o lençol na
cama da empregada. Algumas colheres, facas e garfos, cobertas por alguma
coberta, ostentavam-se bem abrigadas e escondidas. O achado destes, na
proporção de dormir na cama, seria fácil e estranho. O primeiro uso do móvel
revelaria o impróprio. Os artefatos, numas noites, ficaram indiferentes ao
achado humano.
O religioso, nos
comunicados do evento religioso dominical fez referência sobre o
sumiço da coleção de materiais. Este, em meio a igreja, falou: “– Gostaria de
reaver as minhas peças de talheres. Estas, numa infelicidade, sumiram da casa
pastoral. O ladrão, sem maiores represálias, poderia fazer o favor e a
gentileza de devolvê-las. Agradece-se deste já pela cortesia!”
As mulheres, de forma
discreta e com leve sorriso nos lábios, entre-olharem-se em meio ao comunicado.
A funcionária, estando na casa em diversos noites, não tinha dormido na sua
aparente e costumeira cama (caso contrário, de imediato, teria deparado com os
talheres). A funcionária e o religioso “tinham mordido a isca” e dormido em
companhia. As senhoras, de forma indireta, induziram a funcionária a descobrir
as peças. As partes, na surdina, constituíam um casal (apesar do
religioso continuar negando a suspeita). O desfecho da história, como
relacionamento, desconhece-se pelo autor.
A história retrata a
realidade comunitária. Os membros podem aparentar ingenuidade, porém
possuem conhecimento dos fatos. As suspeitas, de maneira geral,
costumam ter um fundo de verdade. As conversas e falatórias não surgem por mera
casualidade. A incoerência entre a prática e teoria, é difíceis de
sustentar por tempo indefinido. As singelas atitudes e comportamentos, nas
entrelinhas, denunciam a realidade das vivências.
O indivíduo nunca pode
subestimar a astúcia e inteligência humana. A vizinhança, de forma indireta,
acompanha a vida familiar próxima. Um cidadão, como líder comunitário, coloca
sua vida particular na vitrine.
Observação: História
contada por Romildo Spellmeier/Colinas/RS.
Guido Lang
Crédito da imagem: http://momentosdacasa.blogspot.com.br