Umas despreocupadas e
ingênuas baratas, numa casa pouco frequentada (nas férias do ocupante),
sentiam-se felizes e seguras. Um conjunto de famílias vivia no interior de frestas
e paredes. A penumbra, em boa parte, resguardavam-nos para seguir seus dias. Cada
qual, ao seu tempo, dava a melhor destinação e significado.
Alguns discretos sinais,
diante dos olhares esporádicos do dono/família, unicamente denunciavam seus esconderijos.
A revelação ocorria através de esporádicos barulhos e a presença de inconvenientes
excrementos. O proprietário, com sua ocasional limpeza, parecia fazer
indiferença. Eventuais migalhas, caídas das refeições e espalhadas pelo ambiente,
proporcionavam a alegria e o banquete dos insetos. Os ocupantes ausentaram-se/dormiam
e as baratas devassavam os cantos e recantos da habitação.
A surpresa, numa
certa ocasião, adveio em forma duma limpeza (generalizada) e mimo. Um aroma,
com cheiro acebolado e acrescido duma farinha (de coloração amarelada), havia
sido colocado nos pontos estratégicos da residência. A esfomeada comunidade de
insetos “chegavam a ter água na boca”. A oportunidade, depois de um bom tempo de
carências e mesmíssimas comidas, consistia em degustar um prato diverso e novo.
A afobação e agitação, diante da primeira escuridão, “tomou conta da galera”. A imprudência, em meio aos organismos
esfomeados, agitou os novos e levou a desconfiança dos velhos. A comunidade,
com raríssimas exceções, avançou despreocupada sobre as iscas.
O cardápio, depois de
atendido na necessidade básica, foi fazendo incômodos (estomagais) e causando tonturas.
A comida mantinha algo estranho e os gulosos passaram a andar desnorteados. Perdiam
a tradicional discrição e saiam sem rumo. Alguns muitos, sem maior tempo, nem
puderam lamentar as causas da indisposição e a vida.
O marasmo, como a hecatombe
do mundo, havia tomado parte da família das baratas. A realidade dos fatos
revelou a razão da desgraça: iscas envenenadas. O dono havia oferecido “um
presente grego”. A comunidade “pereceu como moscas”. Sobraram poucas para relatar
a história. Algum ensinamento, aos espertos sobreviventes, consistiu em relegar
mimos. Os relatos, em função da memória curta, acabarão ignorados em pouco
tempo e idênticas tragédias acabarão sucedidas.
Cuidado! Muito cuidado com certos agrados e mimos! As
cortesias e facilidades escondem armadilhas e interesses. Certos benefícios compram
favores, porém escondem maiores custos (nalgum futuro). Os subalternos, seres
mais fracos, nunca podem subestimar o poder dos humanos. A afobação e agitação,
em inúmeros exemplos, mostra-se causa maior de aborrecimentos e imprudências. A
boca, na maioria dos casos, revela-se causa primeira das doenças e perecimentos
precoces.
Guido
Lang
“Singelas Histórias
do Cotidiano das Colônias”
Crédito da imagem: http://info.abril.com.br/noticias/tecnologias-verdes/biocelula-usa-baratas-para-gerar-eletricidade-17012012-26.shl