Um cachorrinho,
depois duma certa idade, acabou adotado por uma família colonial. O dono
original, por falta de espaço no ambiente urbano, resolveu doá-lo às colônias.
Este, no novo local, cedo realizou-se como animal. Ele conheceu a liberdade das
correntes e debruçou-se sobre as caçadas.
O animal, nas idas e
vindas no ambiente rural, conheceu macegas, matos e roças. As caçadas, como
passatempo predileto, tornaram-se uma obsessão. Quaisquer oportunidades viam-se
aproveitadas para devassar espaços. O novo dono, na compreensão canina,
fazia-lhe escassos passeios ao interior das lavouras.
O cão, depois de uns bons
meses, aprendeu a acompanhar o vizinho. O rural, a cada dia, ia e vinha do
interior da propriedade. Os passeios, com o patrão opcional, tornaram-se uma opção
e rotina. A casa colonial, no interior dum lugar ermo, viu-se desguarnecida na vigilância.
O cachorro, em meio à
paixão das caçadas, adotou o novo lar. A antiga moradia, do segundo dono,
deixada às moscas. Os graxains, lagartos, gatos do mato e raposas, com frequência,
ousaram atacar o ambiente das galinhas. A ausência canina, em função da
carência de cheiros, reforçou a ousadia da fauna silvestre.
O dono de adoção,
para não deixar acorrentado o animal, procurou tratá-lo deveras bem. Este achou
em poder reverter uma situação adversa. O passatempo das caçadas, como vocação,
falou mais alto do que os frequentes mimos. As esporádicas visitas não davam
conta das exigências de guarda.
O morador, diante do
abandono proposital, resolveu adotar outros dois jovens (cachorros). Eles,
treinados paulatinamente nas funções, levaram a dispensa dos serviços do
primeiro. O ousado fujão pode seguir sua sina!
O antigo parceiro,
numa certa altura, fez descaso das suas eventuais visitas. Os mimos e tratos
cessaram na proporção dos desleixos com as obrigações. Ele tinha renunciado a
sua nobre adoção e função.
O idêntico aplicam-se
aos filhos. Estes, numa altura, precisam abandonar a família. O torrão fica num
plano secundário. Os pais continuam sua história. Eles procuram ajudar no que
dá. Os genitores, de uma ou outra forma, procuram preencher o vazio.
O êxodo, nas
comunidades do interior, tem sido um fato corriqueiro. Os jovens, na migração
rural-urbana, abandonam famílias e comunidades. O emprego, como ganha pão,
chama-os nos espaços urbanos. Eles, no trabalho assalariado, ganham o dinheiro
bem mais fácil e rápido (do que na agricultura familiar).
As inúmeras comunas,
nas últimas décadas, conheceram um verdadeiro esvaziamento rural. O
enfraquecimento das entidades comunitárias tornou-se uma sina. O abandono das
paragens, em parte, assemelha-se a história do desleixo canino.
Inúmeras localidades, com a massiva debandada dos filhos,
tornaram-se uma espécie de tapera. Vultosos recursos rurais acabaram extraídos
do interior e aplicados nos investimentos imobiliários. Moradores novos advém para
preencher o vazio demográfico deixados por emigrantes.
Guido Lang
“Singelas Crônicas do
Cotidiano das Colônias”
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