Um certo criador, no
interior do potreiro, mantinha sua criação bovina. Os bois, terneiros e vacas
recebiam água, alimentos e cuidados. Uns até nome possuíam. Os bichos, em boa parte,
forneciam leite, tração e esterco. O proprietário, volta e meia, atirava-lhes
alguma forragem (cerca adentro). Em outras oportunidades, com espigas e raízes
em punho, administrava bocadas de mimos. Um artifício sútil para amansá-los e
apanhá-los (na proporção dos cuidados e trabalhos).
O boi Brasino,
arredio e desconfiado, não tinha maneiras. Ele, por alguma razão do instinto, mantinha-se
distante e xucro. O dono constantemente dava-lhe uma atenção especial. Este
mostrava-se afável e atencioso. Através de espigas de milho ou raízes de
mandioca (estendidas), nada de apanhá-los. O animal parecia conhecer as
artimanhas e segundas intenções humanas. Este, sem alguma razão maior, nada faria
de graça. O bicho, por singelo mimo, não trocava a liberdade pelos encargos da
tração. Pode, em inúmeras oportunidades, apreciar a realidade com os velhos
colegas de canga.
O proprietário,
curtido e esperto colono, tirou uma sábia lição da história. O bicho, em função
da astúcia e persistência, escondia uma admiração e estima. Os seres, espertos
e nobres (por natureza), mostram-se dignos duma especial atenção e
consideração. A longa vida, em boa dose,
residia no estratagema. A preocupação contínua, de querer viver muitos dias
sobre a terra, faziam-no a não “embarcar na primeira canoa furada para
atravessar o rio da existência”. O instinto de autopreservação falava mais alto
e aumentava seus dias e semanas.
O criador, como
consumidor e produtor, recebia amplas e constantes ofertas de créditos,
empréstimos e financiamentos. Umas aparentes facilidades e mimos a primeira
vista. Imaginava comprar sem maiores dispêndios monetários. O tempo, com a
história dos juros compostos e embutidos, revelaria “o tamanho do buraco” (com
débitos e valores escorchantes). Os encargos dos serviços bancários, a
semelhança do sucedido com inúmeros precipitados vizinhos, fariam dele um “mero
empregado/funcionário na próprio solar familiar/propriedade”.
As noites de insônia,
com dívidas impagáveis e trabalho maçante (“correndo atrás da máquina para angariar
dinheiro”), tornaram-no um escravo dos débitos. Os seus pais, de maneira
nenhuma, tinham-lhe ensinado “implorar descontos e esmolas nos bancos” (prorrogação
ou renegociação de débitos). O princípio básico era nunca gastar acima dos
ganhos/posses. Uma matemática imprópria gastar além das possibilidades. A
autonomia e liberdade eram itens inegociáveis!
Este, no contexto das
muitas e “generosas” ofertas, lembrou e relembrou da astúcia animal. O
indivíduo, de maneira nenhuma, “envereda em caminhos com dois pesos e duas
medidas”. O cidadão, com o beneplácito do governo, deixar enjaular-se/laçar-se
pelos bancos e financeiras. “Ser dono do próprio nariz” era uma dádiva divina. A
liberdade financeira é um princípio familiar de gerações.
Aquela história de
ouvir as conversas treinadas dos vendedores, “para colocar a corda no pescoço”,
ostenta-se burrice e ilusão. Os estranhos desejam resolver seus problemas de
caixa. Eles, “no afundamento alheio e desgraça financeira”, ligam a mínima aos
estranhos. Os aborrecimentos e transtornos acabam sendo do tomador. O arredio e
xucro, portanto, é sinônimo de esperteza e sabedoria.
Os administradores, dos bens alheios, costumeiramente nem
sabem cuidar da sua carteira, caso contrário, não estariam ofertando créditos.
A liberdade, em todas as suas consequências e dimensões, ostenta-se um valor
inegociável. Aprender com o exemplo alheio é sinônimo de sabedoria. “O rato
esperto carece de seduzir-se pelos mimos ofertados nas ratoeiras”.
Guido Lang
“Singelas
Histórias do Cotidiano das Colônias”
Crédito da imagem:http://carcara-ivab.blogspot.com.br/2012/01/o-boi-do-mineirim.html