Um certo chacareiro,
numa encosta de morro, mantinha algum potreiro. O local via-se cortado por um
valo. O escoadouro de águas, por décadas e gerações, mantinha-se tomado por
centenas de pedras. Estas, durante centenas de anos, foram avolumadas pela ação
humana e as intempéries do tempo. Elas, de várias direções, advieram roladas morro
abaixo.
O dono, apreciando o
pastoreio do gado, vislumbrou um empecilho naquelas peças. Estas, na prática,
ostentavam um desperdício de espaço. Um local próprio ao esconderijo de todo
tipo de bicho peçonhento. Um conjunto de plantas espinhentas, volta e meia,
aranhavam e espetavam os animais e obrigavam seu consequente corte. O gado,
numa eventualidade imprópria, poderia machucar-se ou ser picado por alguma
inconveniência.
O cidadão, diante do
dilema, precisava encontrar um paliativo aos impróprios. Este, antes de
qualquer iniciativa, precisou fazer uma boa auto-reflexão. Ele, como as
gerações passadas (quatro), ficaria na indiferença ou colocaria mãos a obra? Os
empecilhos, com seu subconsciente de empreendedor, sinalizavam alguma
construção. Queria dar uma destinação agradável aos empecilhos.
A solução foi de
paulatinamente colocar as mãos a tarefa. Este, a cada final de semana, procurou
tirar duas a três horas, para amontoar e reassentar pedras. Uma forma de suar e
tirar impurezas do corpo assim como sair da rotina do maçante trabalho urbano. O
cidadão, depois de iniciado os trabalhos, parecia ter uma obsessão em empilhar
pedras. Elas, esparramadas pelo lugar, levaram-no a imaginar alguma utilidade ímpar.
O camarada, agora improvisado
construtor, começou em puxar um cercado sobre o valo. Uma cerca reforçada para
garantir a eficiência. Procurou assentar bem as peças maiores e as menores
preenchiam estas. O segundo passo, no interior do avolumado, foi complementar
as pedras maiores com as singelas pedrinhas. Elas davam a real fixação do
cercado. Uma tarefa maçante e pacienciosa. Curiosos e familiares, de imediato,
viram nisso um desperdício de esforço e tempo. Uma judiaria em vão! Alguém logo
disse: Por que perder tempo nisso e esgotar-se em vão? Possui dinheiro e tempo
para jogar fora? Não tem mais o que fazer?
A persistência e
teimosia continuaram umas boas semanas. O trabalho, aos poucos, foi revelando a
dura realidade: falta de material. O punhado de pedras, outrora um excepcional
estorvo centenário, agora mantinha uma sublime função. Constituir uma queda d’agua
para embelezar e enobrecer o cenário colonial e familiar. A chácara cedo
reforçou seu conceito de espaço de lazer e recreação. O lugar, daquela ocasião
em diante, tornou-se referência nos períodos chuvosos e vazante maior dos
córregos. A maravilha das águas, com seu barulho ininterrupto, originava uma
melodia aos ouvidos e reforçava a tranquilidade do sono dos moradores próximos.
Quaisquer empecilhos, na proporção da dedicação e
trabalho, encontra uma nobre e sublime função social. O indivíduo precisa
orientar-se por suas próprias concepções e princípios e nada de maiores ouvidos
ao “norte alheio”. Algum trabalho impróprio, realizado com disposição e empenho,
cedo transforma-se numa satisfação e realização. Primeiro: muito bem pensar; decidido:
colocar mãos a obra.
Guido Lang
“Singelas Histórias
do Cotidiano Colonial”
Crédito da imagem: http://www.downloadswallpapers.com/papel-de-parede/cachoeira-e-pedras-14152.htm