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terça-feira, 5 de março de 2013

O excepcional osso



Um colonial, numa hora imprópria, achegou-se na casa do velho amigo e ferreiro. Este, próximo ao almoço, adveio para solicitar um serviço. O dono, em função de muitas negociatas e visitas, não poderia fazer a desfeita de deixá-lo de convidar para o almoço. O indivíduo, vindo de longe e duma grota,  certamente estaria esfomeado e sedento. As lancherias e restaurantes, naquele localidade do interior, inexistiam em vista de adquirir alguma merenda. A eventual possibilidade consistia em ir na venda e solicitar alguma bolacha, linguiça e refrigerante (um lanche típico nos armazéns de outrora).
A família, nas quartas-feiras, mantinha o hábito da degustação da tradicional sopa. Esta, a base de hortaliças e verduras (complementadas com cuca ou pão), mantinham-se de fácil digestão e seguiam alguns pratos quentes. O ingrediente básico do cozido era algum osso (de carne de gado) somado da tradicional massa caseira. Alguma carne, junto ao osso, mantinha-se muitíssimo apreciada. O visitante, como intruso ocasional, ganhou a cortesia de degustar a parte. Este, bastante esfomeado (da longa viagem de carroça puxada a boi), careceu de fazer maior charme. Ele tratou de extraí-lo do caldo e colocá-lo no seu prato. Procurou apreciar a esparsa carne, na companhia do proprietário, externou daí uma queixa/reclamo.
O cidadão, na sua santa burrice e ingenuidade (acrescido da cara de pau), exclamou em boa e viva voz: “- Este osso não tem maior carne!” O dono, sem maiores floreios e rodeios, não teve dúvida. Ele, num ato brusco e rápido, apanhou a peça no prato alheio. Ele, com a mão nua, jogou-o pela janela afora (na direção da cachorrada). Eles, em segundos, fizeram a maior algazarra e briguedo. As partes, convidado e proprietário, continuaram a refeição na aparente  e maior normalidade. A novela do reclamo, da gentileza alheia, tinha terminado a bom termo. Outros pratos, como complemento alimentar, viram-se acrescidos de reforço a refeição. A história do osso cedo espalhou-se no meio comunitário. O forasteiro, tão cedo, não fora mais convidado para alguma refeição familiar.
O hábito e princípio de não reclamar da bondade e gentileza alheia revela-se uma velada norma. A cara de pau de uns ofende o bom senso e a ética (perpassa aquela ideia da inconveniência). O convidado ocasional, de furão, não pode externar maiores comentários e reclamos sobre os sucedidos. “Cavalo dado de presente não se olha os dentes”.
Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano Colonial”

Crédito da imagem: http://kitsparecanto.com.br

segunda-feira, 4 de março de 2013

Uma artimanha colonial


Uns funcionários, achando-se muito espertos e metidos na função do cumprimento das leis de trânsito, admiraram-se da bondade e cortesia de determinado cidadão. Este, instalado numa modesta localidade, tornou-se produtor de víveres. A família, por gerações, mantinha um excepcional conhecimento e tradição no cultivo de frutas e verduras (sobretudo uvas próprias de mesa). A atividade econômica não proporcionava fortunas, porém permitia a dignidade e qualidade de vida.
O proprietário, conhecido pelo sorriso frouxo e extrema simpatia, deslocava-se semanalmente na direção do centro urbano (regional). Este, numa rede de supermercado, comercializava e entregava sua produção. O segredo, para manter a lucratividade do negócio, consistia em eliminar a intermediação dos atravessadores. Uma Kombi velha, como veículo, levava a produção e trazia as necessidades familiares. Este, nas muitas idas e vindas, tornou-se conhecido e faz uma enormidade de amigos e conhecidos. A pontualidade e trabalho eram marcas da sua conduta.
O cidadão, num determinado posto de controle rodoviário policial, fazia uma gentileza ímpar. O ato, para alegria e satisfação  geral da turma, consistia em descarregar alguns bons quilos de fruta. O pessoal, nas caladas da tarde e ínterim dos afazeres, apreciava uma saborosa uva. A fama, da bondade do doador, cedo avolumou amistosos comentários e revelou-se uma espécie de obrigação. Beltrano, fulano e sicrano, na hora do lanche, agradeciam pela dádiva e ficavam intrincados pelo interesse da caridosa alma. A pergunta frequente consistia: “ - O cidadão deixou fruta?”
A verdade, numa certa ocasião, adveio a tona (como surpresa). O camarada, de forma indiferente, passou pelo posto de controle. Aquela história, de parar para deixar frutas, absteve-se de acontecer. Ele, apressado e preocupado, dirigia-se na direção da cidade próxima. Um conhecido policial, numa oportunidade, interrogou-o sobre o sumiço e descaso com a outrora tradicional doação. O colonial, sem floreios e rodeios na língua, completou: “- O colono agora tem carteira de motorista! Este antes dirigia frio e temia ser parado numa blitz!” Os antigos beneficiados, cabisbaixos e sem palavras, deixaram cair o queixo (com a astúcia e malícia alheia).
As práticas revelam a real esperteza e inteligência. As doações e mimos, como dádivas, escondem segundas intenções. As cortesias costumam ser um comércio indireto de favores. Quem, de forma direta ou indireta, já não foi comprado ou deixou-se vender? Uma situação corriqueira, nas democracias, dos ditos países pobres e populistas!

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano Colonial”

Crédito da imagem:http://blogdoefacil.com.br  

domingo, 3 de março de 2013

O último lampião


Um evento especial marcou determinado cenário colonial. A energia elétrica, na maioria das casas, tinha sido instalado a uma boas décadas. Alguns poucos moradores, retirados da estrada geral, careciam de ainda instalá-la. A administração, numa parceria entre os governo (das três instâncias), resolveram fazer um projeto de auxílio aos carentes. Estes, numa espécie de cortesia ou baixo custo, ganharam acesso ao bem da modernidade. Eles, como rurais, precisariam ter os idênticos direitos aos demais cidadões urbanos.
Determinada administração municipal, na visita do governador (de idênticos partidos), resolveu promover uma cerimônia ímpar. Esta consistiu em apagar o último lampião no município. O governador, em vésperas de reeleição, faria-se  presente como chefe (numa visita oficial transvestida de política). Uma residência, de fácil acesso e carente da energia (com moradores simpatizantes da corrente partidária), foi escolhida de forma proposital/a dedo. Uma data e horário foram marcados para o cerimonial momento. O entardecer, próximo ao escurecer, definiu-se para o evento de assopro da aposentadoria do lampião e da lamparina.
Uma circulação de veículos ímpar tomou conta das cercanias da residência e no interior da localidade. A imprensa, escrita e falada, fazia-se presente ao acontecimento para o registro. Os amontoados de cabos eleitorais e cargos de confiança, numa convocação extraordinária, fizeram-se presentes (para aplaudir e  dar público). Um espetáculo excepcional, digno dum “circo romano em dias festivos”, para divulgar e enaltecer as conquistas e louros das administrações. Abraços aqui e acolá, cumprimentos lá e cá, discursos daquele e desde, aplausos estridente e pausados, gritos de euforia e simpatia sucederam-se no ambiente.
Os gestores cedo fizeram referências aos polpudos investimentos e outras melhorias no bem comunitário. As empresas recém instaladas, como perspectivas de arrecadação e empregos, foram mencionadas. A questão trabalho, para filhos e netos, certamente não seria nenhuma dificuldade futura. As gestões públicas, na fala dos maiorais, constituíam se umas aparentes maravilhas. As carências e endividamentos, em nomes e números, foram “deixados nos gabinetes e varridos debaixo dos tapetes”. A certeza da reeleição, conforme as pesquisas preliminares, pareciam indicar vitória da situação. As coligações, numa espécie de frente para o grande pleito, continuaram sendo acertadas e discutidas com os caciques dos partidos.
O evento, de assopro das luminárias, numa altura tomou vulto na proporção da presenças das autoridades e correligionários. O espaço mostrava-se pequeno para tamanho número de pessoas. Uma anciã, assustada com toda essa movimentação e sentada quieta num canto da sala, externou curiosa pergunta num determinado momento. Ela, em meio aos muitas caras estranhas e novas, dirigiu-se a uns conhecidos para interrogar. A idosa, no seu dialeto germânico do Hunsrück, inquiriu: “- Aquele barbudo e grandão (o governador), todo engravatado  e centro das bajulações, é o Geisel?” (uma referência ao antigo Presidente da República Ernesto Geisel). Os políticos, em cerimônia e ladainha, eram justamente adversários ferrenhos/opositores da outrora ditadura militar. Uma filha logo fez sinal para silenciar!
O prefeito, para reforçar a média por verbas, falou em ser o último lampião. Uma grosseira falácia e disso sabia perfeitamente. Outras residências, no interior das grotas do município afora, continuaram a iluminar a escuridão com luz de lamparina. A aposentadoria não tinha sido dessa vez. A comunidade passou-se outra década até conseguir descartar os centenários lampiões e lamparinas.  Os resquícios do atraso, no primeiro fraquejo da tecnologia, ressurgem dos esconderijos e esquecimentos. As dispensas e porões, no interior das instalações, escondem relíquias (como peças de museu e precaução ao colapso do sistema elétrico).      
Uma realidade comum, na política, consiste em montar circos para enaltecer realizações dos gestores públicos. As reeleições,  por compras e não por obras, revela-se uma prática política corriqueira nas democracias. Políticos não fazem mais que suas obrigações, porém vendem imagem de generosidade e trabalho (com os recursos do erário). Inúmeros funcionários, em função dos polpudos salários, fazem papeis de mercenários e ridículos com razão de angariar os ganhos.
Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://class.posot.com.br

sábado, 2 de março de 2013

Os Colonizadores da Colônia Teutônia - III parte


Heinrich Graf comprou o lote n° 15 (lado direito) da Schmidt com 120.000 b2 por 960$000 réis em 15/11/1869  e pagou com juros a dívida em 01/07/1873 - adquiriu também as colônias 15 a com 66.000 b2 por 480$000 e 15 b da Schmidt com 60.000 b2 por 480$000 em 10.06.1874 e continuou pagando a dívida com juros posteriores. Hermann Wiedheuper comprou a colônia n° 4 (lado esquerdo) da Schmidt com 80.000 b2 por 640$000 réis em 15.11.1869 e continou pagando com juros em 30.06.1874. Heinrich Schröer adquiriu a colônia n° 7 (lado esquerdo) da Schmidt  com 80.000 b2 por 640$000 réis em 15.11.1869 e continuou pagando com juros em 01.07.1875. Wilhelm Kniebe comprou a colônia n° 6 (lado esquerdo) da Schmidt com 80.000 b2 por 640$000 réis em 15.11.1869 e concluiu o pagamento com juros em 31.05.1874. Wilhelm Herrmann adquiriu os lotes coloniais n° 13 e 14 (lado direito) da Schmidt com 180.000 b2 por 144$000 réis em 15.11.1869 e concluiu o pagamento com juros de 8% em 30.06.1874. Ernst Fiegenbaum comprou os prazos n° 12 e 13 com 180.000 b2 por 144$000 em 15.11.1869 e continuou pagando com juros a dívida em 01.07.1875. Gustav Britzki adquiriu o lote n° 7 (lado direito) da Schmidt com 120.000 b2 por 960$000 réis em 19.11.1869 e continuou pagando com juros em 10/08/1874. August Wessel adquiriu a meia colônia n° 14 da Boa Vista com 50.000 b2 por 450$000 réis em 22/11/1869 e fez a aquisição à vista. Wilhelm Brönstrup I (Júnior) comprou a meia colônia n° 14 da Boa Vista com 50.000 b2 por 450$000 réis em 22.11.1869 e continuou pagando a dívida com juros em 30.06.1874. Wilhelm Hachmann comprou os prazos n° 12 e 13 da Boa Vista com 200.000 b2 por 180$000 réis em 22/11/1869 e continuou pagando com juros em 11/08/1873. Johann Heinrich Behne comprou as colônias n° 5 e 6 (lado direito)  e n°9 (lado esquerdo) da Schmidt com 260.000 b2 por  208$000 réis em 26/11/1869 e continuou pagando com juros em 30/06/1874. Hermann Heinrich Rahmeier comprou as colônias n° 16 e 17 (lado esquerdo) da Schmidt com 215.800 b2 por 172$000 réis em 26/11/1869 e continuou pagando com juros em 01/07/1874. Wilhelm Vocke comprou os prazos n° 10 e 11 (lado esquerdo) da Schmidt com 211.700 b2 por 168$000 réis em 28/11/1869 e continuou pagando com juros a dívida em 05/01/1875. Theodor Hauenstein comprou a colônia nº 20 (lado direito) da Franck com 60.000 b2 por 480$000 réis em 12/11/1869 e pagou a dívida com juros em 01.07.1874. Heinrich Kerger adquiriu o prazo colonial n° 3 da Picada Herrmann (atual Germana) com 100.000 b2 por 1000$000 réis e concluiu o pagamento com juros em 24/10/1874. Christ Schneider comprou as colônias n° 6 e 7 da Franck com 100.000 b2 por 800$000 réis em 12/11/1869 e concluiu o pagamento em 24.01,1871. Carl Fries adquiriu os lotes n° 17 e 18 (lado esquerdo) da Picada Herrmann com 199.000 b2 por 1899$200 réis e concluiu o pagamento com juros em 01.04.1872. Wilhelm Ahlert comprou as colônias nº 4 (lado esquerdo) e n° 22 (lado direito) da Schmidt com 180.000 b2 por 144$000 réis em 17/07/1870 – a companhia colonizadora custeou sua passagem de Rio Grande a Colônia Teutônia no valor de 13$270 réis e continuou pagando a dívida com juros em 01/07/1875. Philipp Faller adquiriu as colônias n° 22 e 23 (lado esquerdo) da Picada Hermann com 154.000 b2 por 1540$000 réis em 01/08/1870 e concluiu o pagamento com juros em 13/05/1872. Georg Schmidt comprou a colônia n° 13 (lado direito) da Picada Hermann com 75.000 b2 por 750$000 réis em 01/01;1870 e pagou despesa com juros em 01/07/1874. Wilhelm Schonhorst adquiriu as colônias n° 16 e 17 da Boa Vista com 120.000 b2 por 1200$000 réis em 28/08/1870 e continuou pagando a dívida com juros em 01/07/1875 – comprou os lotes destinados originalmente a Wilhelm Endres. Heinrich Messer comprou o prazo n° 15 (lado direito com 67.000 b2) e n° 25 (lado esquerdo  com 76.000 b2) da Picada Herrmann com total de 143.000 b2 por  1430$000 réis em  20/08/1870 e continuou pagando a despesa com juros em 01/07/1874. Adam Zimmermann comprou o lote colonial n° 21 (lado direito) da Schmidt com 79.000 b2 por 639$200 réis e concluiu em 20/09/1870  o pagamento da despesa com juros em 05/12/1872. Cidoria Carra comprou o lote n° 23 (lado esquerdo) da Schmidt com 50.300 b2 por 402$000 réis em 22/09/1870. Herrmann Hünemeier adquiriu a colônia n° 24 (lado direito) da Schmidt com 48.800 b2 por 390$400 réis em 22/09/1870 e pagou com juros a dívida em 01/07/1873. Heinrich Haggemann comprou o lote n° 25 (lado direito) da Schmidt com 43.750 b2 em 22/09/1870 por 350$000 réis e continuou pagando a dívida com juros em 01/07/1873. Friedrich Elicker comprou a colônia n° 26 (lado direito) da Schmidt com 38.450 b2 por 307$600 réis em 22/09/1870 – Carl Dickel parece que adquiriu estas terras em 22/09/1871. Carl Dickel comprou o prazo n° 26 (lado direito) da Schmidt com 38.450 b2 por 307$600 réis em 22/09/1871 e a colônia n° 19 (lado esquerdo) da Schmidt com 161.550 b2 em 23/09/1871 e pagou um total de juros de 1292$400 réis em 23/07/1873. Ernst Windmöller adquiriu a colônia n° 9 (lado direito) da Picada Herrmann com 70.000 b2 por 700$000  réis em 15/09/1870 e encerrou o negócio com juros em 14/06/1873. Georg Wallauer comprou as colônias n° 27, 29 e 30 (lado esquerdo) da Picada Herrmann com 304.000 b2 por 3040$000 réis em 07/09/1870 e concluiu o pagamento sem juros em 22/03/1871. Julius Baumgarten adquiriu a meia colônia n° 15 da Boa Vista com 50.000 b2 por 500$000 réis em 08/10/1870. Jacob Brust comprou os prazos n° 15 (com 80.000 b2) e 16 (com 70.000 b2) por 1240$000 réis em 01/11/1869 e concluiu o pagamento com juros em 09/01/1870 – comercializou o lote n° 16 b  a August Brust em 23/02/1873 – não aparece registrado a localização, que foi provavelmente na Picada Herrmann...

Autor: Guido Lang. O Informativo de Teutônia n° 111, dia 04/09/1991, pág. 02.



O barulho humano


Os brejos e matos, nas baixadas dos arroios e encostas dos morros, tomaram conta de inúmeros cenários coloniais. Algumas esparsas casas, numa aparência de perdidas como moradias, continuam como marcas da presença humana. Algum morador, como isolado agricultor ou chacareiro, continua a desafiar as distância da estrada geral. Estes, de alguma forma, parecem almejar silêncio e convivência com a mãe natureza. Alguma singela criação, como animais domésticos, soma-se como companhia e produção.
Esta realidade, numa aparência ímpar, criou um novo problema econômico. A ousadia da fauna silvestre tornou-se deveras acentuada. As eraras e graxains, a título de exemplo, avançam numa acirrada ferocidade sobre as criações e instalações. Os coloniais,  em plena luz do dia, enxergam suas andanças e companhias. O bicharedo, sem dó e piedade, caça as indefesas aves (como galinhas, gansos, marrecos, pombos) até extermínio completo. Um prejuízo monetário, em ração e tempo, para os criadores. A caçada dos animais silvestres, diante da legislação ambiental, ostenta-se proibida e punida. A convivência, entre as partes domésticas e naturais, apresenta-se completamente inviável.
Um isolado morador, muito apegado a companhia do rádio, descobriu uma sina. Este, nos momentos do aparelho ligado, via desaparecer o atrevimento e coragem do bicharedo. As vozes humanas, com alguma música (num bom dom), afugentavam as inconveniências. O aparelho, uma vez desligado, cedo atiçava a ousadia (em função da fome). O camarada, para salvar sua estimada criação, passou a deixar o aparelho sintonizado. Alguma estação, com muita algazarra e conversação, via-se como companhia. A anômala descoberta, para alguns parceiros chacareiros, repassou a informação.
Outro morador, visitante esporádico da chácara, seguiu o receituário. Este, nas vinte quatro horas diárias, deixa o aparelho sintonizado numa tradicional estação. Alguns horários assemelham-se ao clima dos bailões (tão comuns nos centros urbanos) e outros a campeonatos esportivos. A barulheira, do acentuado volume, espalha-se pelas redondezas da residência e pátio. As aves, como exemplo, vêem-se poupados  das caçadas implacáveis. As galinhas, na ausência do proprietário, seriam inviáveis criar livres e  soltas. Os garnisés  neste ambiente espaçoso e natural, multiplicam-se como aparente praga (na proporção da ausência dos antigos inimigos).
Visitas ocasionais aconchegam-se ao cenário barulhento. Estes, com a presença do aparelho, procuram pelos donos. Estes, como pessoas civilizadas, batem palmas, olham aqui e acolá, procuram lá e cá... Estes forasteiros, na ausência humana, deparam-se com uma tapera. A solução, depois de alguma espera, consiste em retomar o caminho da estrada de acesso. Alguma vizinhança, numa visão ocasional, controla eventuais acessos assim como conhece a história da barulheira radiofônica.
O curioso, no exemplo, consistiu em alguém descobrir o ponto fraco dos animais. Este camarada, com o sui generis, criou a base dum comportamento comunitário. A informação, como descoberta, viu-se logo repassada aos amigos e conhecidos. Os cidadões, com idêntico dilema, colocaram a experiência em prática. A real eficiência vislumbrou nova prática agrícola. Estas experiências, nas conversas informais, vêem-se repassadas como conhecimento empírico no conjunto de moradores.
O indivíduo, no cotidiano da existência, resolve um problema e logo cria outro. O barulho humano, de maneira geral, ostenta-se um especial incômodo à fauna silvestre. A lei da sobrevivência, no reino animal, não perdoa os desprotegidos e fracos (o primeiro cochilo representa o perecimento). Os paliativos, em certas situações, mostram-se remédios e soluções. Animais domesticam-se com alimentos e os humanos orientam-se pelo dinheiro.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://radioclubecampobelo.com.br

sexta-feira, 1 de março de 2013

Os talheres do religioso


         Algumas histórias, na memória comunitária, perpassam gerações em função do detalhe. As famosas pérolas perpetuadas nas conversas da tradição oral. Os autores da vivência levam-os junto a sepultura como fama.
Os religiosos, na atuação pastoral, mostram-se muito cobrados e observados na coerência. A prática e teoria precisam andar de mãos dadas no cotidiano dos afazeres. “As ovelhas espelham-se no condutor do rebanho”. “O faça o que eu digo, porém não faça o que eu faço” não funciona a contento.
Um certo religioso, numa localidade do interior das grotas, residia na tradicional casa pastoral. Ele, na sua companhia, mantinha uma modesta funcionária/empregada. Esta ocupava-se no atendimento das necessidades da residência. As faxinas, refeições e roupas recaiam-lhe como encargos e obrigações.
O padre/pastor, neste caso não interessa a confessionalidade, poderia fazer um melhor atendimento aos serviços comunitários. Os batizados, casamentos, enterros, sermões e visitas mantinham agenda cheia. O tempo, para os afazeres e obrigações particulares, ficaria complicado e difícil de atender e honrar.
A menina moça, advinda igualmente das colônias e de origem duma família honrada e pobre, precisou residir junto a residência. Ela, como mandava o bom senso, ganhou seu quarto próprio. Aquela história de residir com celibatário causava estranheza nos curiosos. As relações, com o tempo de convivência, levantaram suspeitas de maiores intimidades. Este, com idade para ser pai dela, não poderia ostentar tamanha proximidade daquela companhia feminina.
As suspeitas, com falatórios generalizados na comunidade, era dos dois dormirem juntos, porém não constituírem um casal. A parte masculina, de uma forma veemente, negava quaisquer relacionamentos íntimos. As acentuadas diferenças de idade somaram-se ao impecilho da constituição familiar.
Umas metidas senhoras, esposas de membros da diretoria, queriam tirar a limpo a história. Estas queriam desfazer suas dúvidas de, afinal, dormirem ou não juntos os dois. Os comentários e falatórios, numa pequena comunidade,  arrastava-se a uns bons meses. A dificuldade de esconder o relacionamento, numa época de negação desse tipo de comportamento social e ainda por parte do pároco, mostravam-se cada vez mais complicado e difícil.
Um trio de senhoras, numa certa ocasião, arrumou algum pretexto de visita a casa pastoral. Estas, de uma e outra maneira, fizeram artimanhas para ter acesso ao interior da moradia. Elas, como “boas amigas e velhas conhecidas”, tiveram os passos facilitados. As metidas/ousadas cidadãs, num cochilo e distração da menina moça, avançaram sobre algumas talheres a mão. Estes ganharam uma serventia e uso ímpar.
As peças, de forma ardilosa e discreta, foram colocadas/escondidas entre o colchão e o lençol na cama da empregada. Algumas colheres, facas e garfos, cobertas por alguma coberta, ostentavam-se bem abrigadas e escondidas. O achado destes, na proporção de dormir na cama, seria fácil e estranho. O primeiro uso do móvel revelaria o impróprio. Os artefatos, numas noites, ficaram indiferentes ao achado humano.
O religioso, nos comunicados do evento religioso dominical  fez referência sobre o sumiço da coleção de materiais. Este, em meio a igreja, falou: “– Gostaria de reaver as minhas peças de talheres. Estas, numa infelicidade, sumiram da casa pastoral. O ladrão, sem maiores represálias, poderia fazer o favor e a gentileza de devolvê-las. Agradece-se deste já pela cortesia!”
As mulheres, de forma discreta e com leve sorriso nos lábios, entre-olharem-se em meio ao comunicado. A funcionária, estando na casa em diversos noites, não tinha dormido na sua aparente e costumeira cama (caso contrário, de imediato, teria deparado com os talheres). A funcionária e o religioso “tinham mordido a isca” e dormido em companhia. As senhoras, de forma indireta, induziram a funcionária a descobrir as peças. As partes, na surdina, constituíam um casal (apesar do religioso continuar negando a suspeita). O desfecho da história, como relacionamento, desconhece-se pelo autor.
A história retrata a realidade comunitária. Os membros podem aparentar ingenuidade, porém possuem conhecimento dos fatos. As suspeitas, de maneira geral, costumam ter um fundo de verdade. As conversas e falatórias não surgem por mera casualidade. A incoerência  entre a prática e teoria, é difíceis de sustentar por tempo indefinido. As singelas atitudes e comportamentos, nas entrelinhas, denunciam a realidade das vivências.
O indivíduo nunca pode subestimar a astúcia e inteligência humana. A vizinhança, de forma indireta, acompanha a vida familiar próxima. Um cidadão, como líder comunitário, coloca sua vida particular na vitrine.

Observação: História contada por Romildo Spellmeier/Colinas/RS.

Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”

Crédito da imagem: http://momentosdacasa.blogspot.com.br

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O mimo comunitário


       Uma centenária comunidade possuía problemas de frequência na sua assembleia anual. Esta, numa exclusiva oportunidade, sucedia-se no centro comunitário. Os membros, nalgumas centenas, careciam de comparecer. O evento da prestação de contas e acerto de resoluções pouca atenção e interesse despertavam.
Os membros com aquelas desculpas e indiferenças para fazerem-se presentes. Uns poucos nem queriam ouvir falar do assunto (sob o temor de ganhar algum cargo na diretoria). Outros, por tradição, ainda pertenciam como membros (em função da necessidade de bom senso em estar associado nalguma entidade). As assembleias, a cada ano, ajuntavam menos gente. Os participantes resumiam-se a menos de duas dezenas. Estes, “gatos pingados”, costumeiramente ligaram-se a familiares de integrantes das diretorias.
A resolução, numa altura, consistiu numa mudança de rota. Ouviu-se conselho aqui e sugestão acolá! Nada de maiores geniais ideias e de audaciosas inovações. Uns, a título de exemplo, falaram em sorteio de brindes. Algum mais no convite pessoal por famílias. Outro, como sugestão milagrosa, falou no oferecimento dum almoço cortesia. A comunidade, no dia da assembleia geral, custearia os encargos da refeição. Os beneficiados seriam todos os membros em dia com a tesouraria. Uma gratificação por ter honrado os compromissos das mensalidades assim como fazer-se presente ao encontro.
A receita, em forma de decisão de assembleia, foi colocada em prática. Adveio a surpresa. Aquela choça/morna reunião, de escassos membros, ganhou consideração,  entusiasmo e frequência. Inúmeras famílias, na totalidade dos integrantes, “afluíram como formigas em romaria”. Aquela data, num domingo de manhã pré-determinado, ganhou importância e interesse especial. As senhoras ganharam folga dos fogões na cozinha. Os maridos alívio momentâneo das churrasqueiras. Famílias deixaram de gastar em quiosques e restaurantes. Algum pão duro viu o momento próprio de diluir dispêndios com mensalidades...
O curioso e interessante sucedia-se com a real prestação de contas. Muitos, das centenas de participantes, pouco compreendiam ou interrogavam sobre os números expostos. Outros deram a mínima as conversas e polêmicas comunitárias. Alguns, num claro descaso, achegaram após a realização da assembleia. Todos, sem nenhuma exceção, ganharam o mimo. A preocupação era não criar comentários e descontentamentos.
A entidade, com o sucesso da empleitada, instituiu a experiência como norma. Aquela data, na agenda, ganhava reserva à frequência. O interesse, de integrar/participar duma diretoria/gestão, manteve-se naquele empurra-empurra e marasmo. Poucos, como obrigação e vocação, unicamente fizeram a gentileza de abraçar a causa. Estes, como doação de tempo e trabalho, deram sua contribuição.
O espírito humano ostenta-se deveras interesseiro. Este, sem maior gratificação ou recompensa, carece de interessar-se pela coisa comunitária.  Muitos aquela briga para pagar e outros anos sucessivos na inadimplência. Alguns mais simplesmente evadiram da entidade em função de precisar “abrir a mão”. O dinheiro havia para outras diversas necessidades, porém nada de maiores dispêndios com entidades. As cobranças compulsórias ocorriam unicamente nos encargos das coisas públicas. As autoridades, sob o signo duma legislação criada pelas instâncias políticas, instituíram dispêndios e estes eram cobrados/embutidos nos produtos e serviços.
O indivíduo interpreta o gênero humano a partir das necessidades básicas. Os animais matam-se por comida e os homens trucidam-se por dinheiro. Os cara de pau, no contexto das cortesias e mimos, chegam as raias dos abusos e ridículos. Os encargos espantam os indivíduos na proporção dos chamariscos aproximarem os homens.        
Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano da Vida”

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