“Pobres de nós”,
choramingava o Marcos. “Cada dia que passa a situação fica pior. Ao, invés de
progredir, a nossa colônia vai para trás que nem rabo de novilho. Também, como
poderia ir bem se um prefeito que vale menos que uma fruta podre e que não tem
escrúpulo em entregar até as nossas vidas por um lucro qualquer?
Ele, sim, tem uma
bela mansão, guarnecida e bem abastecida, e ganha por dia o que nós não
ganhamos num ano. Soube-se, inclusive, que recentemente, só numa negociação
ganhou um milhão.
Agora, se nós déssemos
algum valor a nós mesmos, poderíamos impedir isso.
Mas nós somos leões
dentro de casa e cordeiros fora, na rua. Eu até a roupa de cama e os atoalhados
estou vendendo para sobreviver e, se continuar assim, vou ter que vender também
a minha casinha.
Onde vamos acabar se
nem os homens, nem os santos tem mais pena de nós? Chego até a pensar que tudo
isso acontece por vontade de Deus! Porque, veja, ninguém mais confia no céu,
ninguém mais observa o jejum nem outras práticas religiosas, ninguém tem mais
respeito por Deus. Todos ficam o dia inteiro só pensando no dinheiro e
procurando ter mais lucros.
Antigamente, até as
mulheres de boa família saíam em procissão indo ao templo, implorando Deus por
qualquer coisa, até para fazer chover. E Ele fazia chover mesmo, e todos
voltavam para casa molhados, mas rindo de alegria.
Agora, os santos, se
quiserem ajudar, estão de mãos e pés atados, porque todos perdemos a religião.
Veja, os campos...”
A essa altura,
Antônio, o bodegueiro, interrompeu a ladainha. “Por favor, homem, não fique
lamuriando demais. Hoje as coisas andam assim e amanhã irão assadas, como dizia
o compadre que perdeu o porco. O que hoje parece um completo desastre, amanhã
poderá ser até uma grande sorte. A vida é assim mesmo: vai para lá e vem para
cá.
Reconheço que é
verdade que o país estaria muito melhor se houvesse homens decentes no comando,
mas precisa também considerar que este é um período de dificuldades generalizadas.
Por isso não devemos ser exigentes demais, porque todo mundo está nessa, e o
céu é igual para todos.
Se tu estivesses
morando em outro país, com certeza acharias que aqui, no teu, os leitões andam
na rua já assados e temperados. Além disso, daqui três dias começa a nossa
grande festa. Fica alegre, Marcos”.
Autor:
Caius Petronius Arbiter ou Caio Petrônio
Árbitro (27 – 66 d.C), escritor romano.
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