Um churrasco, no
passado, era sempre um acontecimento especial. Os moradores, nos eventos
comunitários, afluíam dos cantos e recantos da localidade (com razão
de degustar boa carne). Inúmeros já faziam caso duma excelente
galinhada e imagina então duma churrasqueada. Esta, regada a bebidas e saladas,
costumeiramente era de origem bovina ou suína. Os assados, na atualidade,
tornaram-se uma prática domingueira (nos seios familiares). Assar alguma carne
ostenta-se um alívio às senhoras na cozinha e a incumbência dos maridos em
fazê-lo nas churrasqueiras.
Um certo cidadão, nas
colônias, começou a namorar determinada moça. Os apaixonados, de famílias
tradicionais, conheciam-se desde a infância. O namoro, nas idas e vindas, tinha
tido a duração de algumas poucas semanas. Os pais, da moça, primeiro necessitaram
dar o aval do relacionamento. O jovem, dali em diante, pôde passar a frequentar
a casa. Este, a cada final de semana, encontrava-se no lar da enamorada. A
família, do genro em potencial, pode conhecer facetas das manhas e virtudes. O
rapaz, entre as várias vocações, salientava-se na habilidade de exímio caçador.
Um certo dia, depois
duma boa convivência, adveio o convite de degustar
um churrasco (na casa do rapaz). Os pais da moça, em alta
consideração e estima, procuraram dedicar um momento especial à visita. As duas
famílias reforçariam vínculos com a excepcional refeição. O prato, num domingo,
não poderia ser outro: o tradicional churrasco. As residências, em quaisquer
moradias, improvisam ou possuem um lugar próprio aos assados. Aquele lar, com churrasqueira ou
forninho, não podia ser diverso. A preocupação, com a visita inicial, estaria
numa boa convivência e conversação. O aperitivo, no ínterim do preparo do
assado, atiçava o estômago ao apetite.
O rapaz, como não
poderia deixar de ser, procurou caprichar nas carnes e temperos. Uma abundância
e diversidade para o escasso número de pessoas. Algum carvão especial, a base
da acácia ou angico, constituiu boa brasa. Alguma caipira, com cachaça de
alambique e limão taiti, para agradar convidados. As brincadeiras e conversas,
com camaradagem e gargalhadas, rolavam soltas. Os homens, no ínterim,
assentaram-se na beira da churrasqueira. O objetivo consistia em fazer assar as
carnes. As mulheres, no interior da cozinha, tinham preparado as saladas e
sobremesas. Afinal, numa visita dessas, nada poderia faltar! A animação,
acrescida da fofoquinha, piada e risada, rompia a rotina da calma e silêncio
(tão comum nos dias da semana). Os espetos, estendidas sobre as
brasas e repletos de cheirosas carnes, “traziam o aroma ao nariz e convite ao
paladar”.
O cheiro exalava pela
propriedade e vizinhanças. A cachorrada, lá adiante, prescindia a
oportunidade de degustar alguns bons ossos. Os gatos, comis diversos
cheiros, mantinham-se abusados e irrequietos. Alguns restos, nalguns pratos,
certamente sobrariam. A dificuldade, com tamanha fome, era aguardar o momento
oportuno. Alguma gordura respingada ou migalha descartada via-se cheirada e
lambida. Alguma ousada galinha (caipira) achegava-se para querer tirar algum
naco. Esta atiçava seus instintos carnívoros dos outrora dinossauros.
O tempo transcorreu e
adveio o aviso. A carne pronta e adveio o assento a mesa posta. A
ceia, precedida de alguma oração rápida de agradecimento, levou o pessoal
avançar sobre o cardápio. Um alimento dos deuses! Uma ceia de Kerb! Os elogios,
do sabor das diversas carnes, não faltaram por parte dos hóspedes. O desafio
era experimentar um naco de cada parte. Todos, em meia hora, viram-se fartados
e satisfeitos. Uns tiveram a inconveniência de exagerar nas quantidades. Ceia
concluída, adveio o momento da caminhada e posterior cesta. Uma forma
complementar a digestão e revigorar os ânimos.
O visitante, neste
passeio, interroga sobre a gama de carnes. O agrado, como curiosidade, merecia
uma boa referência. Este pediu o nome daquele e desse pedaço. O provável genro,
de bom grado, disse-lhe: “ - Aquela branca era de rã; outra mais avermelhada de
tatu; alguma mais mole de rabo de lagarto; estas de aves incluía araquã,
pombo, saracura... Uma diversidade exótica, típica da fauna regional, para
reforçar o vigor dos instintos. O pessoal fala muito dessa variedade de carnes
deixar o camarada ativo às intimidades sexuais”. O sogrão, diante do exótico,
“deixou cair o queixo”. Este almejaria ter vomitado aquele cardápio. Algo
impensável, para sua compreensão dos padrões coloniais,
“ degustar bicharedo peçonhento”.
O indivíduo, que
espera o excepcional, acaba surpreendido pelo esdrúxulo. Elogios
antecipados incorrem em equívocos posteriores. O deleitoso da gente não é necessariamente
o saboroso do alheio. Certas realidades, uma vez concretizadas, inconvém
comentar.
Guido Lang
“Singelas Histórias do Cotidiano das Colônias”
Crédito da imagem: paranaagronegocio.blogspot.com
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