O ciclo do calçados,
entre 1960 a 1990, avolumou fábricas e negócios. Os empreendimentos, nos vales
do Caí, Sinos, Paranhana e Taquari (berços da Colonização Alemã no Rio Grande
do Sul/Brasil), espalharam-se nos cantos e recantos dos lugarejos. Inúmeras
localidades, a partir de alguma calçados ou curtume, lançaram os esteios da modernização
e urbanização. As emancipações, com a formação de distritos, tornaram-se fatos
corriqueiros.
Milhares de
assalariados, entre filhos de colonos e migrantes – “plantados semanas inteiras
nas linhas de produção”, ganharam o aprendizado e o sustento. Barões do calçado,
em restritas famílias, formaram-se entre a descendência germânica. Modestos
colonos, nalgum momento, enveredaram pelo couro e calçados. Estes, a partir de
instalações de fundo de quintal, foram constituindo impérios. Singelos prédios,
em poucos anos, tornaram-se monumentais construções. Estradas esburacadas
ganharam contornos de modernas rodovias. Migrantes, aos milhares, invadiram os
cenários das outroras pacatas colônias...
O curioso
relaciona-se aos anunciantes. Veículos, com alto-falantes (entre os anos de
1970 a 1990) clamavam por trabalhadores. Uns, na manhã, paravam nalguma empresa;
começaram, à tarde, noutra. Inúmeras placas, com anúncios das especialidades
necessárias, haviam afixadas, as dezenas, em frente às fábricas. Estas, a
título de exemplo, procuravam cortadores, chanfradeiras, lixadores, revisoras...
Vilas, da noite para o dia, pipocaram nas periferias. Elas precisaram abrigar
as levas de forasteiros. Inúmeros, trazidos das colônias distantes, para
produzir calçados. As encomendas/pedidos, de lojistas nacionais e
internacionais, pareciam não dar conta das quantidades (as fábricas). Os
famosos cerões/horas extras eram comuns com vistas de atender pedidos. O ciclo
parecia eternizar-se no tempo e a decadência algo impensável (no frescor da
febre). O dinheiro, em dólares, advinha fácil e graúdo...
A concorrência asiática,
sobretudo chinesa, suplantou a época “das vacas gordas”. Outros fatores, como ganância
fiscal e legislação trabalhista, a partir de 1988, trouxeram a gradual migração
e fechamento de fábricas. Algumas empresas, dos ramos coureiro-calçadistas,
fugiram (na direção do Nordeste/BR, América Central e Ásia). Elas, de forma
oficial ou “na surdina”, carregavam chefias e máquinas; procuraram ambientes
mais promissores aos negócios. As choradeiras e lamúrias tomaram conta de
cenários. Inúmeros empreendimentos, as centenas, foram a falência. Prédios
monumentais tomaram-se caricaturas/sombras do passado glorioso. Espaços, das
outroras esteiras, ganharam novas funções sociais (negócios nas áreas de
serviços). Inúmeros barões migraram de atividade ou “penduraram as chuteiras”
(queriam auferir os dividendos dos sacrifícios). Poucas empresas, audaciosas e
inovadoras, sobreviveram a hecatombe. Casas coloniais, com o “poder das
verdinhas”, tinham adquirido ares de mansões. Fazendas e veículos, com o
enriquecimento de poucos, foram adquiridos as centenas e restritos foram os
reinvestimentos na diversificação produtiva.
Criou-se a “Lenda do
Latinha”! Havia calçados tal! Empresa conceituada qual! Mantinha-se o quadro de
funcionários/trabalhadores tais! Outros mais: “Cheguei a labutar nesta empresa”.
“Os donos eram a família tal”. “Fulano e beltrano, num fundo de quintal, haviam
iniciado a empresa” (calçados ou curtume)... A magnitude, para quem vivenciou
os fatos, assemelha-se a lorota (na proporção das narrações). Onde ficaram todos
esses empreendimentos? Os sucessores não souberam administrar e continuar?
Pessoas “forravam o poncho e caíram fora?” Empresas migraram de contextos
urbanos (na direção das periferias onde encontram mão de obra mais barata)... O
latinha ficou unicamente na memória dos mais velhos e nos registros efetuados
nas publicações (jornais e revistas) da época.
Ciclos econômicos ostentam-se uma
rotina nos meios produtivos. O dinheiro fácil proporciona a noção de euforia.
Cada momento com suas adversidades e oportunidades. Os calçados/couros, até o
momento, foi o período áureo na história da imigração alemã (em paragens da
América Meridional).
Guido Lang
Livro "Singelas Histórias de Vida”
Crédito da imagem: http://www.paraibatotal.com.br/noticias/2012/11/23/65128-setor-coureiro-calcadista-paraibano-promove-forum-estrategico-para-planejar-2013
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