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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O segredo das fontes


As famílias, na proporção das ausências das redes comunitárias (de água), construíam as moradias próximo as fontes. Elas eram consideradas e procuradas como um tesouro no interior das propriedades. A existência, em muito, elevava o valor monetário do imóvel. Espaços, bem abastecidos com olhos d’água, eram considerados ambientes privilegiados no cenário colonial/rural. Lugares continuamente úmidos, no interior de matos e roças, cedo viam-se achados e cavoucados (com  razão de conhecer os reais mananciais de líquido).
A necessidade de água, um recurso imprescindível à vida, levou a cuidados essenciais com fontes/poços. Elas, volta e meia, viam-se limpadas e reparadas. Eventuais caranguejos viam-se combatidos (com o acréscimo de algum punhado de sal ao ambiente). O acesso de animais via-se impedido (na proporção de haver consumo humano). A canalização, mesmo de forma rudimentar, era uma realidade. Um processo improvisado dado as carências monetárias e recursos disponíveis no comércio. Uns furavam taquaras e utilizavam as varas como canos; outros adquiriram sólidos cubos de ferro para conduzir o valioso líquido (de forma perene às instalações). O líquido, como bálsamo da vida, fluía na direção de reservatórios (edificados no pátio). Deixar a fonte coberta/tapada mantinha-se uma primeira postura com vista de evitar acúmulo/decomposição de restos vegetais ou eventual invasão/putrefação animal (nalgum eventual inconveniente afogado  no reservatório de sucção do líquido).
Os colonos, destes os primórdios, mantiveram outro cuidado essencial. Este relacionava-se no frescor d’água assim como a manutenção de veios. Estes, com as sacudidas dos trovões, poderiam deslocar-se no interior do subsolo. Criaria-se problemas de secamento e consequente desaparecimento. O cuidado/segredo, nas proximidades, consistia em cultivar uns bons taquarais. Eles, na atualidade, denunciam, a longas distâncias, a presenças das fontes/veios d’água.
O significado vegetal consistia em manter o ambiente fresco e úmido (à plena brotação do cristalino e puro líquido). Os taquarais, conforme os relatos orais, mostram-se imunes a ação de raios. Os poços, em função da água, poderiam conter energias antagônicas e oferecer perigos nos instantes da fúria da natureza. O ambiente fresco manteria o vigor da fonte assim como a qualidade da água (mineral). Os problemas poderiam advir nos dias mais cruciais do verão (do período das estiagens). Árvores frondosas/volumosas eram evitadas na circunvizinhança (em função do poder das raízes de invadir o interior). Poderia-se deixar crescer algum capão de mato ralo como reforço à manutenção dos veios. As raízes dos taquarais não tinham tamanha ganância pela água, por isso protegiam o ambiente.
A sabedoria colonial desconhece a origem do hábito dos taquarais. Uma criação autóctone provável dos colonos ao contexto da adaptação à realidade dos ambientes americanos. O hábito criou-se/instalou-se junto às primeiras fontes (nos primórdios da colonização) e estendeu-se sucessivamente ao longo do processo civilizatório. O vegetal mantém-se ativo em inúmeros locais. Os nomes dos reais plantadores, na edificação dos primeiros solares, encontram-se num aparente desconhecimento. Estes pioneiros descansam nas cinzas da eternidade, porém suas singelas obras perpetuam-se no tempo.
Segredos, crenças duma época e geração, fazem-se presentes no cotidiano da vida. Inúmeros poços, abandonados e ignorados, denunciam-se e perpetuam-se pela presença dos taquarais. Os ventos da modernidade, com a história da saúde pública, levaram ao abandono das fontes (porém trouxeram a inconveniência da água clorada e permanentes taxas de uso). O registro da história visa mantê-lo resguardado do esquecimento, para que a memória comunitária tenha relatos das suas odisseias do passado.

Guido Lang
Livro “Histórias das Colônias”
(Literatura Colonial Teuto-brasileira)

Crédito da imagem: http://canto-cigano.blogspot.com.br/2012/07/planeta-aguaby-dany.html

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