“Entre
os mais humildes comércios do mundo está o do livreiro. Embora sua
mercadoria seja a base da civilização, pois é que nela se fixa a
experiência humana, o livro não interessa ao corpo nem a nossa
vaidade. Não é portanto compulsoriamente adquirido. O pão diz ao
homem: ou me compras ou morres de fome. O batom diz a mulher: ou me
compras ou te acharão feia. E ambos são ouvidos. Mas se livro alega
que sem ele a ignorância se perpetua, os ignorantes dão os ombros,
porque o próprio da ignorância é sentir-se feliz em si mesmo, como
o porco na sua lama. É pois o livreiro que vende o artigo mais
difícil de vender-se. Qualquer outra lhe daria maiores lucros. Ele o
sabe e heroicamente permanece livreiro. E é graças a essa generosa
abnegação que a árvore da cultura vai aos poucos aprofundando as
suas raízes e dilatando a sua fronte. Suprima-se o livreiro e estará
morto o livro e com a morte do livro retrocederemos à idade da
pedra, 'transfeitos em tabuinhas, comedores de bichos de pau podre'. A
civilização vê no livreiro o abnegado zelador da lâmpada em que
arde e se perpetua a trêmula chamazinha da cultura”.
Monteiro Lobato (18/04/1882-04/07/1948)
Crédito da imagem: http://veravilhena.blogspot.com.br/2010/09/livros-velhos.html
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