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sexta-feira, 3 de abril de 2020

O MANUSCRITO PARAGUAIO


Guido Lang

Um morador rural recebeu uma correspondência do Paraguai. Este manuscrito encontrava-se redigido num espanhol que era de difícil leitura. O colono e familiares, por um bom tempo, debruçaram-se sobre os significados daqueles escritos, que pareciam indecifráveis para leitores de formação escolar primária. Procurou-se levar a carta à professora da localidade, que também incompreendia aqueles registros literários.
Alguém, depois de dias de reflexão e tentativas de elucidar o enigma, lembrou- se do farmacêutico. Este tinha muita prática de decifrar manuscritos, pois as receitas médicas vinham redigidas de uma forma extremamente penosa. O profissional, depois de uma breve olhada, parecia continuamente elucidar os maiores garranchos, quando receitava remédios aos pacientes. O Johann, farmacêutico tradicional do vilarejo e “pau para muita obra”, foi procurado para dar uma olhada naquela mensagem. Este, como de práxis e movido pela sua costumeira curiosidade, não se negou a fazê-lo.
O profissional autodidata, depois de alguns minutos, voltou às estantes da farmácia e começou a pegar remédios. Ele achou que se tratava de algum receituário médico, que era costumeiramente recomendado aos pacatos moradores coloniais. O colono, diante da postura, ficou atônito, porque nem estava interessado em adquirir qualquer medicação.
O sucedido veio a elucidar a aparente suspeita que esporadicamente era comentada nas comunidades circunvizinhas ao lugarejo. O farmacêutico, em diversas oportunidades, comercializava remédios impróprios, que nem tinham recebido recomendação. O vendedor, desta forma, re- solvia seu problema de produtos encalhados, que careciam de compradores. A história do Johann cedo correu as comunidades, que riram da sua infelicidade e malandragem.
Somos, em diversas circunstâncias e momentos da existência, ludibriados em função de artifícios e de ignorância. A confiança excessiva, em situações, acaba aproveitada para tirar vantagem, mas a verdade, cedo ou tarde, revela-se através dos fatos.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 32, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

O CAVALO CORREDOR


Guido Lang

O lazer colonial, até os anos de 1960, era bastante escasso no contexto das colônias, onde carecia-se das facilidades de comunicação e locomoção para os diversos eventos comunitários.
Os colonos, de maneira geral, divertiam-se nos bailes anuais das entidades, nas carreiras de cavalos, nos festejos familiares, kerbs, partidas de futebol...
Um esporte bastante apreciado eram as tradicionais corridas de animais, que se sucediam nos potreiros das colônias..
A multidão, nos eventos previamente divulgados, afluía maciçamente às competições, nas quais faziam-se vultuosas apostas nos animais. Um baralho (carteado), sobre um pelego estendido no chão, ganhava importância, nos intervalos da diversão, pois nem sempre havia cadeiras e mesas para as partidas improvisadas.
Os moradores submetiam-se à realidade de carências, porque desconheciam maiores confortos e vantagens naquele pacato e rústico modelo de vida.
Um apostador e o dono de um cavalo corredor fizeram um negócio para alimentar e investir no aprimoramento do excepcional bicho. O dono entraria com a mão-de-obra, com a finalidade de tratar o animal e com os rotineiros treinos de corrida. O fanático apostador entraria com o trato (alimento) no qual não poderia faltar a abundância do milho.
O colaborador caprichou no investimento, pois sentia paixão pela corrida de cavalos, e apostava suas economias no corredor de sua preferência. O dono, numa falcatrua, desviava o cereal para o trato suíno, enquanto o colaborador nem desconfiava do roubo. O cavalo, numa aparente combinação, ganhava somente as corridas de menor número de apostas e perdia aquelas de maiores quantias.
O colaborador perdeu muito dinheiro com a história e praticamente faliu no seu negócio particular até descobrir a veracidade do engano e roubo. A malandragem sempre existiu nas mais diversas e modestas organizações sociais, pois enganar e roubar parece fazer parte do gênero humano.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 84, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang


quarta-feira, 1 de abril de 2020

O SUICIDA MASOQUISTA


Guido Lang

A vida depara-nos com inúmeras personalidades, nas quais incluem- se aquelas que sentem prazer com o sofrimento. Estes parecem adorar a auto-flagelação, assim como ocasionar incômodos alheios. As colônias também possuem este tipo de indivíduos que, momentaneamente, extrapolam a convivência comunitária.
Um colono resolveu tomar-se a vida, e fez referência aos propósitos. Amigos, familiares e vizinhos nem mais davam importância às “colocações furadas”. Alguns chegavam a interrogar sobre as razões daquele propósito, que estaria ligado a monotonia da existência. As dificuldades econômicas, carência de afeto familiar, trabalho excessivo eram causas, assim como doenças em função da chuva, ao frio, ao sol e ao vento na labuta rural.
A saúde, na juventude, parecia-lhe eterna, mas agora encontrava-se na velhice, sentindo os reflexos da imprudência. O rural, num belo dia, resolveu botar em prática seu palavreado. Pensou e refletiu muito em qual a maneira mais eficaz de ceifar-se a existência. Lembrou-se do poço fundo, que se localizava próximo à propriedade e do curso fluvial regional. O local, no verão, era aproveitado como balneário, onde alguns descuidosos pagaram a ousadia com a vida (em função de avançar excessivamente naquele poço).
O suicida, com o objetivo de confundir aqueles que viriam procurar o seu corpo, deixou seus chinelos nas pedras circunvizinhas ao poço fundo. Os colonos, depois do sumiço do morador, passaram a procurar o cidadão ou seu cadáver pela localidade, quando depararam-se com os artefatos de couro numa margem do rio. O suicídio naquelas águas parecia óbvio, que foram cuidadosamente vasculhadas. Homens-rã foram requisitados, mas nada de localizar o cadáver.
O curso fluvial, por quilômetros, foi percorrido em vão. Os abutres, dias depois, sobrevoaram a área e sinalizaram determinada putrefação. O cidadão tinha-se tomado a vida bem longe das pistas sinalizadas. Este valeu-se duma artimanha com a finalidade de confundir seus conhecidos.
O ser humano é capaz de empregar estratagemas esdrúxulos, quando almeja apagar pistas e confundir provas.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 48, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g1927726-d7777798-i295971917-Tunel_da_Mantiqueira-Passa_Quatro_State_of_Minas_Gerais.html

terça-feira, 31 de março de 2020

O CHAMADO DO VELHO ÍNDIO

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Guido Lang

O povo brasileiro tem muitas crendices e superstições, que refletem o quadro da miscelânea cultural. Inúmeras histórias são narradas de boca em boca, mas dificilmente ganham uma redação. O povo humilde dificilmente se dá o tempo e o trabalho de elaborar escritos, que descrevam a sua rica vivência.
Uma modesta família colonial tinha um pedacinho de terra próxima a um riacho, onde havia uma árvore centenária. A mulher, com frequência, ia ao córrego com o objetivo de lavar as roupas, porque não existia encanamento de água na residência. Inúmeras idas e vindas-faziam-se ao longo dum ano de penosa labuta.
A mulher, numa tarde, ouviu uma voz, que saía do fundo daquela terra, próxima do centenário vegetal. Esta, num primeiro instante, pensou tratar-se de alguém conhecido, mas olhou pelas redondezas e nada viu. Procurou prestar maior atenção em relação à procedência daquele chamado, que, vindo do solo, assustou-a tremendamente.
Esta, em meio aos temores, atendeu ao chamado, que dizia tratar-se dum indígena.
Um velho pajé, com a função de feiticeiro, profeta e sacerdote, tinha sido enterrado há décadas naquele espaço, mas sua alma ainda perambulava pelas redondezas daquele cemitério nativo.
A mulher achou tratar-se de um comunicado sobre a existência de tesouros.
As escavações, em poucos dias, iniciaram, mas não se encontrou nada de valioso.
A família, por causa de trabalho, mudou-se para a cidade e os  moradores do local acharam que esta tinha encontrado a ambicionada fortuna.
A coincidência da mudança tinha criado mais um conto colonial, no qual mesclam-se fatos concretos e imaginários.
Os seres humanos possuem mente fértil quando se trata de riquezas, pois histórias não faltam nas conversas informais sobre enriquecimentos. Os próximos parecem ganhar sempre mais fácil o dinheiro do que a gente.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 79, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://alegriadopovoam.wordpress.com/2018/06/02/a-velha-fantasma-da-amazonia/

segunda-feira, 30 de março de 2020

A LOCALIZAÇÃO DE ESTRELA/RS

Pânico: sapo gigante e perigoso se esconde dentro de casa na ...

Guido Lang

A vida consiste de alegrias e decepções; valemos, na sociedade consumista, na proporção dos benefícios que trazemos e somos descartados no volume dos encargos que causamos.
A vida, em circunstâncias e momentos, faz-nos deparar com instantes de burrice e ingenuidade.
Um colono, incomodado com a contínua presença de um sapo, "resolveu mostrar a localização de Estrela ao anfíbio". O bichinho, numa oportunidade, tinha sido levado e jogado nas águas do arroio Boa Vista, mas resolveu retornar às instalações criatórias daquele morador. A abundância de alimentos, em função da fartura de insetos, motivou-o a habitar aquele meio. As moscas criavam-se abundantemente nas estrumeiras e era necessário que a procriação excessiva fosse controlada naturalmente. O morador rural, não gostando de sapos e temendo pela saúde das criações e rebentos, resolveu “acabar com a raça” daquele ousado anfíbio que, no entanto, entendia-se como amigo e parceiro no sucesso econômico. O colono, num dia de mau humor, apanhou um sarrafo (ao alcance da mão) para bater no infeliz sapo. Procurou, num primeiro instante, respirar fundo e, com toda força, bateu no alvo e num dos azares da existência,
errou a pontaria. O bichinho deu um pulo e se livrou da desgraça.
O cidadão, com a força da batida, quebrou a madeira em diversas partes e um pedaço voou em direção ao seu nariz. A batida, efetuada numa pedra, causou o infortúnio, que acirrou a raiva do autor. O camarada,  em meio a dor e sangue, deu gritos de fúria, assim como, refletiu sobre a burrice do seu ato. O rosto, nos minutos posteriores, começou a inchar e a aplicação de gelo parecia insuficiente para sanar as marcas do acidente. Os familiares precisaram ajudar na emergência e os vizinhos estranharam o “griteiro”. Os amigos, ao saberem do ocorrido, deram gargalhadas da esdrúxula situação.
A história de mostrar a exata localização de Estrela, conforme afirmativa explanada anteriormente ao sucedido, ficou registrada na memória comunitária.
Os seres vivos de escala evolutiva inferior à humana também merecem nossa consideração e respeito, pois não tem culpa de sua situação  e adoram, igualmente, viver. Deus, em certas situações, pode não matar, mas dá-se ao trabalho de castigar os atos impensados.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 21, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://br.sputniknews.com/

domingo, 29 de março de 2020

A PESCA À ESPINGARDA

Guido Lang

A proliferação de açudes tornou-se algo comum nas propriedades minifundiárias de subsistência, quando os órgãos de assistência rural incentivam a criação de peixes.
Inúmeras áreas improdutivas, em forma de banhados, ganharam uma excepcional importância, porque encontraram uma viabilidade econômica.
A piscicultura inclui-se na proposta de tornar viável a pequena propriedade familiar, que se depara com enormes dificuldades para competir com as grandes lavouras comerciais.
A diversificação produtiva pode ser um meio de sobrevivência de diversas famílias, que obtêm novas forma de rendimentos. O contínuo consumo de peixes torna-se uma realidade com a história dos açudes, assim como a comercialização de eventuais excedentes.
Diversos colonos, nos últimos anos, investiram na edificação de reservatórios de água, nos quais criam-se sobretudo a carpa capim e a húngara. Os peixes criados recebem diariamente alguma alimentação, o que acentua o seu rápido desenvolvimento.
A apreciação dos enormes peixes, em meio ao trato, tornou-se um espetáculo que atrai familiares e tratadores.
Os criadores, em diversos momentos, adorariam consumir algum peixe que, no entanto, não vai nos anzóis. Os pescadores clandestinos inclusive afastaram-se dos açudes alheios, porque conhecem a inutilidade das pescarias “nas lavouras alheias”.
O esvaziamento frequente da represa, para apanhar alguns quilos de carne, também é uma impossibilidade.
Um produtor, no entanto, aprendeu uma nova forma de apanhar os peixes. Ele, diariamente, tratava-os num determinado espaço, que o cardume acabou conhecendo.
O inteligente, quando do interesse, deixava-os passar fome, com razão de, em seguida, tratá-los com migalhas. Deste modo, os peixes afluíam em massa. Neste instante, abatia-os a tiros de espingarda, evitando o inconveniente de esvaziar o reservatório e a inutilidade das pescarias.
Alguns pescadores clandestinos descobriram a prática e num cochilo dos proprietários dos açudes seguiram o aprendizado.
A descoberta de novidades pode abrir precedentes para sua aplicação em objetivos escusos.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 47, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

quarta-feira, 25 de março de 2020

A HISTÓRIA DAS COOPERATIVAS

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Fonte: Guido Lang, com base no relato de Elton Klepker (primeiro prefeito de Teutônia/RS)

Logo que Klepker assumiu o cartório, instalou em Languiru o primeiro Escritório Contábil. Líder na região, foi nomeado agente correspondente do Banco Industrial e Comercial do Sul S/A. O gerente, em Estrela/RS, era seu grande amigo André Marcolino Mallmann, um dos do triunvirato. O escritório dava assessoria a doze empresas da região. Essa assessoria, mais o vínculo com o banco, foi motivo para os colonos o procurarem também para pedirem ajuda para a constituição das cooperativas mistas, que eclodiram na época. Assim, Klepker, como contabilista, orientou a fundação e a organização dessas cooperativas, que, a partir de 1950, eram: Cooperativa Agrícola Mista Linha Wink Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Pontes Filho Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Linha Geraldo Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Boa Vista Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Canabarrense Ltda., Cooperativa Mista Glória Ltda., Cooperativa Agrícola Mista Beija Flor Ltda., Cooperativa dos Suinocultores Estrela Ltda. (sede em Languiru). Esta última teve pouca duração, pois enfrentou a luta da legislação IVC (Imposto de Vendas e Consignações), que chegou a cobrar 17% sobre o valor da venda. Klepker resolveu liquidar a Cooperativa dos Suinocultores e, no dia 13 de novembro de 1955, fundou a Cooperativa Agrícola Mista Languiru Ltda. Nela aplicou todos os seus primeiros conhecimentos práticos adquiridos durante os cinco anos em que orientara as outras cooperativas mencionadas. Um dos principais conhecimentos adquiridos e aplicados na Languiru foi o do capital que cada associado tinha que integralizar, valor índice simbólico da unidade monetária, para impedir que os associados se atribuíssem o direito de mandar mais nos negócios que o próprio gerente, impedindo, dessa forma, que, ao ter um pedido negado, o associado pudesse pedir sua demissão, levando o dinheiro que havia colocado na Cooperativa. Fato que ocorria nas outras cooperativas com associados que participavam com valores mais elevados. A cooperativa recebia todo produto disponível do associado e lhe fornecia, em troca, todos os artigos de consumo.
O objetivo principal era não usar a isenção do IVC, que somava cifras consideráveis, para não fomentar a concorrência desleal com os comerciantes que tinham de pagar o tributo na íntegra. Mas a cooperativa, constituída de pequenos agricultores, usufruía dessa isenção, o que era considerado discriminação entre cooperativas e comerciantes. Resumindo: o capital que Klepker não recebia dos associados para formar recursos na cooperativa, recebia em escala bem maior por meio da retenção do IVC, que levava para o Fundo de Desenvolvimento da Cooperativa.
Ainda falando do fundo, que recebia os valores do imposto IVC, as cooperativas de pequenos agricultores eram isentas, mas gastavam esse dinheiro pagando maior preço aos associados. Este pagamento maior gerava luta entre cooperativas e comerciantes das localidades. A única cooperativa que não fazia uso desse dinheiro e o levava a seu Fundo de Desenvolvimento Econômico era a “Cooperativa de Klepker”, como era conhecida e tradicionalmente chamada na época. Muitos associados questionavam Klepker por que não pagava o valor do IVC para os produtos em vez de levá-lo ao Fundo de Desenvolvimento Econômico. Klepker lhes explicou que esse valor, distribuído entre todos os agricultores associados, não produziria tanto como se ficasse “num bolo só” e que era aplicado para a cooperativa fazer capital de giro e, principalmente, para a aquisição de imóveis, maquinários, instalações e demais bens de que a cooperativa necessitava para beneficiar os próprios associados. Se não dispusesse dos recursos de retenção do IVC, os custos teriam que ser subsidiados pelos próprios associados, principalmente em reuniões de fofocas nas bodegas (vendas), de onde o Klepker tinha dinheiro para pagar todos os produtos à vista. Alguns até diziam que ganhava dinheiro da Alemanha, pois ele tinha viajado para lá. A concorrência entre cooperativas, especialmente entre a Languiru e os comerciantes, chegou ao ponto de surgirem os mais diversos comentários negativos e os comerciantes procuravam sua defesa. Alguns agricultores, talvez menos esclarecidos, acreditavam nas alegações dos adversários, mas a maioria, que era esclarecida, contra-argumentava dizendo “como pode, as outras cooperativas agrícolas todas sucumbiram (faliram) e a do Klepker cada vez cresce mais, chegando até a encampar as outras, que andavam mal das pernas, transformando-as em filiais da Languiru”. Os comentários fomentados pelos contrários, porque não dizer “adversários de Klepker” ou da “Cooperativa de Klepker” aconteciam por ocasião da grande festa anual da Assembleia da Cooperativa, quando Klepker sempre oferecia aos sócios um “grande churrasco de confraternização”. Esse acontecimento tradicional que trazia milhares de agricultores, que, na sua maioria, vinham em cima de carrocerias de caminhões de carga de todos os quadrantes, para a “festa do churrasco”, como já era conhecida. Ela foi realizada até o último mandato de Klepker como presidente da Cooperativa (1980) no Potreiro dos Beckmann (onde hoje existe a sede social da Associação dos Funcionários da Cooperativa Languiru). Os adversários ferrenhos de Klepker, demonstrando “sua dor de cotovelo”, diziam que o “Klepker estava tratando os seus bois com sal”. Os colonos, por outro lado, externavam sua alegria aos gritos, abandando os chapéus, alguns até chegavam a perder o chapéu. As churrasqueiras atingiam mais de um quilômetro de comprimento para assar de sete a oito toneladas de carne. Os espetos eram confeccionados pelos próprios associados e por funcionários que, meses antes, já os providenciavam, feitos de varas de angico colhido nos matos que eram devassados. Os assadores eram formados por funcionários e por associados voluntários.
Na década de setenta, quando o General Ernesto Geisel era Presidente da República (1974-1979), Klepker foi diversas vezes a Brasília, mas nunca foi ao Palácio do Planalto, pois ia direto ao Riacho Fundo (residência oficial do Presidente da República). Lá morava o sogro do Presidente, o Coronel Augusto Markus e sua esposa, para serem melhor cuidados pela filha Lucy (esposa de Ernesto Geisel). Numa dessas andanças, por volta de setembro de 1975, Klepker, conversando com dona Lucy, pediu-lhe que convidasse o Presidente Geisel para visitá-lo por ocasião da Festa dos vinte anos da fundação da Cooperativa Languiru. Dona Lucy prometeu a Klepker que falaria com o Ernesto. Klepker voltou de Brasília para Languiru e transmitiu aos seus companheiros de direção que deixara um convite para o Presidente Geisel participar da festa. Demorou umas semanas e o susto foi muito grande quando Dona Lucy telefonou para Klepker confirmando a presença do Presidente da República na festa dos vinte anos, que iria acontecer no dia 13 de novembro de 1975. Como de costume, a presença do Destacamento Precursor veio coordenar os detalhes da visita. A presença foi festejada com um almoço no Pavilhão Social da Cooperativa, ainda não totalmente acabado. O precursor escalou o lugar para cada um dos participantes da mesa ocuparem, quando Klepker notou que faltava o nome do Prefeito Municipal de Estrela Gabriel Aloísio Mallmann. Klepker alertou o General, chefe do destacamento precursor, que havia omitido o nome do Prefeito, mas recebeu uma resposta curta: era ordem expressa do Presidente da República, que o prefeito Mallmann não seria convidado para participar da mesa. O prefeito, que exerceu o mandato por duas vezes, mais tarde, foi condenado e preso, morrendo no presídio de Lajeado com a firme convicção de que o culpado de não lhe ter sido permitido sentar à mesa oficial tinha sido Klepker, quando, na verdade, ele ainda lembrara o chefe de que teriam esquecido o prefeito do município. Klepker e Mallmann, embora fossem adversários políticos ferrenhos, eram amigos íntimos.
Em 1968, Klepker foi eleito vereador por Languiru, em Estrela/RS. Ele recebeu 763 votos e foi o segundo mais votado. Na segunda legislatura, cuja campanha foi em 1972, insistiram, até convencer Klepker, a ser candidato a vice-prefeito na chapa do candidato a prefeito de Estrela Gustavo Simon. Nessa ocasião eram permitidas as sublegendas e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional), usando esta faculdade, colocou três sublegendas. O adversário era Gabriel Aloísio Mallmann que concorreu sozinho pelo MDB e que ganhou a eleição com larga margem contra os três outros candidatos somados. Por essa adversidade política, advinda dessa eleição, Mallmann estava convicto de que fora Klepker que sugerira ao Presidente Ernesto Geisel deixá-lo fora da mesa oficial por ocasião da visita do Presidente. O prefeito Mallmann, mesmo não tendo sido convidado a compor a mesa oficial junto a Geisel, com a “maior cara de pau”, compareceu à cerimônia, mantendo-se junto ao público.
O pastor evangélico luterano, Edgar Hummes, da mesma confessionalidade de Klepker, havia sido convidado para pertencer ao Conselho de Administração da Cooperativa, o que já era uma tradição de muitos anos. O clero participava do conselho de administração e, como havia muitos sócios católicos, Klepker convidou também o Cônego Hugo Volkmann para fazer parte deste conselho. O cônego era bem mais prestativo do que o pastor nas sugestões que ajudaram Klepker na administração. Por isso, o diálogo entre o cônego e Klepker era bem mais frequente do que sua interlocução com o pastor. O fato originou aparentes ciúmes. Um dia, numa reunião do conselho, o pastor disse que Klepker sempre queria saber o que os associados tinham a reclamar ou perguntar à direção da cooperativa, por isso, indagaria o que todos queriam saber: “o que iria ser dos inúmeros bens que constituíam o patrimônio da Cooperativa se um dia ela quebrasse ou desaparecesse?” No mesmo momento, o Conselheiro Lauro Dickel, num tom irônico, respondeu: “Aconteceria à mesma coisa se a Comunidade Evangélica de Teutônia quebrasse, a Igreja pertenceria ao pastor. Aqui, no caso da Cooperativa, os bens passariam a pertencer ao Klepker”. Seguiu-se uma gostosa risada por parte dos presentes. O pastor, profundamente magoado, aguardou uma oportunidade para dar o troco.
No começo do ano de 1956, a luz elétrica para Vila de Teutônia era fornecida por um pequeno gerador movido por uma turbina e auxiliado por uma caldeira a vapor. O progresso da vila, no entanto, cada vez exigia mais potência para abastecer os usuários. O equipamento pertencia a Reinoldo Aschebrock, que era cunhado de Klepker. E Klepker, que, pouco anos antes, tinha fundado uma série de cooperativas, embora agrícolas mistas, não deixou de recomendar a seu cunhado que transformasse a sua pequena usina, considerada hidráulica, na Cooperativa de Eletrificação Rural Teutônia Ltda. (hoje Certel). A fundação e a organização Klepker sabia orientar muito bem. Aschebrock havia comprado uma área de terras que continha um banhado (Sumpf) – hoje Lagoa da Harmonia. Aschebrock aparentava ser um colono muito acanhado, mas, por dentro, era um “verdadeiro gênio”: tanto que ele lá instalou uma usina hidrelétrica, aproveitando a enorme queda d’água, e a transformou numa potente geradora de energia, considerando a necessidade de Teutônia para a época. Este novo investimento foi feito em nome da citada Cooperativa, orientada por Klepker. Quem diria que, cinquenta anos depois, esse empreendimento originaria a atual Certel (Cooperativa Regional de Eletrificação Teutônia Ltda.). Além de pioneira, esta é a maior cooperativa de eletrificação do Brasil.
Em 1960, Klepker fundou e dirigiu a Cooperativa de Eletricidade e Água Languiru Ltda., que foi um tipo de sucessora da antiga fornecedora de luz de Afonso Wallauer, de Linha Boa Vista, que abastecia as localidades de Boa Vista Fundos, Boa Vista do Meio, Boa Vista, Capivara e Languiru, mas, com absoluta deficiência, tendo em vista as necessidades de energia que só a vila de Languiru consumia. Esta era uma usina hidráulica que era alimentada por uma barragem construída no Arroio Boa Vista na Linha Boa Vista (hoje ainda existente). Esta cooperativa de eletricidade e água, criada por Klepker, teve como principal objetivo o suprimento de eletricidade para a então vila de Languiru e, paralelamente, ainda encarregou-se da distribuição de água potável proveniente de poços artesianos. Ocorreu aí a proeza de Klepker que, em sete dias, construiu uma linha de alta tensão de sete quilômetros para interligar a Cooperativa de Eletricidade e Água Languiru Ltda. à alta tensão da CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica), cuja rede estava na linha Wink, onde abastecia a Indústria de Laticínios Scaldat, comandada pelo então comerciante de Linha Schmidt, Alfredo Driemeyer. Encontram-se hoje também as sobras da fábrica de Manteiga Dahmer, de Boa Vista, pertencente ao comerciante Reinoldo Dahmer, que morava em Linha Schmidt (hoje Westfália/RS), onde também morava Driemeyer. Tanto da Indústria Scaldat, de Linha Wink, como da Fábrica de Manteiga Dahmer, de Boa Vista, hoje só sobraram as duas chaminés e os prédios que estão em estado de abandono.
Dahmer e Driemeyer eram considerados, na época, exímios comerciantes e fervorosos concorrentes. Voltando à proeza de Klepker com relação à construção da linha de alta tensão de sete quilômetros em sete dias, que conseguiu interligar a Cooperativa Eletricidade e Água Languiru Ltda. com a CEEE. Esta interligação proporcionou uma abundância de energia à vila de Languiru, que conheceu um fabuloso desenvolvimento. O prazo dos sete dias para construção da rede deu-se em função da eleição do governo estadual, que ocorreria por esses dias e o Governador Leonel Brizola havia prometido a Klepker ligar a rede ainda antes da eleição em troca da certeza de que ganharia a eleição em Languiru. Como esta certeza não era garantida, foi preciso ter a interligação antes do resultado do pleito. Klepker só conseguiu realizar esta proeza graças a sua liderança junto aos agricultores, que não mediram sacrifícios em ajudá-lo a alcançar o objetivo. Houve dias em que mais de cinquenta agricultores o acompanharam na obra, que consistia na marcação da linha que acompanhava a estrada pública, na derrubada de árvores de eucalipto para postes, no levantamento dos postes, na colocação das travessas no alto da fixação de isoladores e na extensão da linha propriamente dita. Os técnicos da CEEE limitaram-se meramente a fazer a ligação nos dois extremos da linha.
A parte relativa à energia elétrica da Cooperativa de Eletricidade e Água Languiru Ltda., mais tarde, foi anexada à Certel e a parte da água foi aproveitada para fundar a Associação Pró-Desenvolvimento de Languiru, que hoje distribui água potável a mais de dois mil e quinhentos consumidores.
Em 1970, Klepker fundou, organizou e dirigiu a Associação Beneficente Ouro Branco (Mantenedora do Hospital Ouro Branco). Como presidente da Cooperativa Languiru, havia comprado o Hospital Ouro Branco dos herdeiros de João Basílio Lavrinenco, médico de origem russa. Este havia construído o Hospital Ouro Branco. Alguns anos antes de falecer, ele já havia alugado a clínica ao seu colega Dr. Hércio Pegas que, desde então até sua morte, foi o médico e grande amigo de Klepker. O Dr. Lavrinenco ocupava uma parte do piso do subsolo do Hospital, onde morava sozinho, pois os familiares, a esposa, um filho e uma filha moravam em Buenos Aires – Argentina. O Dr. Lavrinenco continuava com a farmácia e com a parte hospitalar, que explorava economicamente. Os familiares lhe exigiam cada vez mais dinheiro ao ponto de cair no desespero e tornar-se alcoólatra, vindo a falecer tempos depois. As exigências da viúva e dos filhos cresciam cada vez mais e o Décio Michel, dedicado encarregado da farmácia, não sabia mais de onde tirar o dinheiro para satisfazer os herdeiros. Klepker então resolveu comprar o patrimônio do Hospital Ouro Branco. Essa compra já foi uma grande luta, imagina pagá-la! Para tanto, Klepker inventou um plano “mirabolante”: pediu cinco milhões aos associados que quisessem aderir espontaneamente ao negócio. Esses cinco milhões, a unidade monetária não vem ao caso, seriam devolvidos com 50% de custos hospitalares em caso de internação.
Um fato pitoresco sucedeu-se: um dos subscritores e contribuinte veio, um dia, pedir ao Klepker que pretendia sair do plano hospitalar, pedindo seus cinco milhões de volta. O motivo da sua decisão foi que ele não tinha ficado doente e que, portanto, não tinha precisado gastar nada no hospital, enquanto seu vizinho vivia doente e já tinha gastado tudo que podia. Klepker, prontamente, mandou devolver os cinco milhões, porque, para ele, não era preciso pedir duas vezes, era atendido na primeira. Conclusão: cada louco com sua mania. Imagina se o descontente tivesse ficado doente logo após ter saído do plano! A maior fortuna da pessoa não é a saúde como é comum ouvir-se, mas saber estar satisfeito com aquilo que se tem.
A realização do plano foi muito bem recebida pelos associados da Cooperativa Languiru, que, na sua grande maioria, eram pequenos agricultores, e que, num curto prazo de tempo, reuniram o valor suficiente para fazer o pagamento do hospital. O plano foi fechado por não haver mais necessidade de dinheiro, embora ainda houvesse colonos interessados em contribuir com os cinco milhões. Que tempo bom era esse, em que o colono tinha dinheiro até debaixo do colchão! O fato provou que Klepker usufruía de uma confiança ilimitada por parte dos cooperativados. Os passos sucessivos na administração do Hospital, sob a presidência de Klepker, nos primeiros anos, foram algo notável, tanto que a parte comprada não representa 10% do que hoje está lá. Para esse desenvolvimento substancial, a olhos vistos, Klepker nunca deixou de ser grato a seu melhor colaborador neste empreendimento: Milton Schneider. Este se dedicou de corpo e alma. Ele também foi auxiliado por outro colaborador incansável, Décio Michel. Contudo, o profundo reconhecimento que Milton Schneider sempre teve e ainda tem de Klepker não lhe foi reconhecido pelos administradores subsequentes, que, no seu entender, deviam ter mantido Schneider, senão como mandatário superior, mas como um exímio colaborador, pela sua ilimitada experiência e pela sua grande dedicação.
Outro fato marcante que o povo precisa saber é que Klepker foi condenado a prestar serviço comunitário por ter construído duas salas de aula em Canabarro nos tempos em que foi prefeito, sem licitação global. Ele pediu à justiça que lhe impusesse a prestação desse serviço comunitário, que era uma pena alternativa, na Associação Beneficente Ouro Branco, que não o aceitou, alegando estarem procedendo a uma profunda reestruturação na organização do hospital e, por isso, não poderiam aceitar Klepker para prestar sua pena alternativa na associação. Klepker, diante disso, só lhes perguntou: - “Quem melhor que eu, que organizei a instituição e já lhe prestei alguns anos de serviços ao hospital, poderia ajudar nesta reestruturação?”
O problema visivelmente girava em torno de política! Klepker era contrário aos que lideravam a administração do hospital, principalmente, ao prefeito e aos candidatos à sucessão.
Em 1981, liderou a instalação da CCGL (Cooperativa Central Gaúcha de Leite), que hoje é a AVIPAL (Aviário Porto Alegre Ltda.). Esta indústria foi uma ordem provinda do Presidente Ernesto Geisel, que pedira a seu Ministro da Agricultura que instalasse uma cooperativa central para industrializar o leite no Estado do Rio Grande do Sul onde se situavam diversos pequenos laticínios que passavam por dificuldades, alguns até estavam quebrando. Nessa época, Klepker havia viajado para Europa onde, na Alemanha, conhecera o Projeto do Terneiro Estabulado: os terneiros machos ou fêmeas falhadas, sobretudo da raça holandesa, assim que nasciam, eram estabulados em pequenas repartições que não lhes permitia muito movimento e, nos primeiros dias de vida, recebiam o indispensável colostro, depois da ração que os levava até 150 quilos de peso em quatro a cinco meses. Eles então eram abatidos e produziam uma carne muito macia. Podia-se dizer “que até a carne de pescoço era igual a filé mignon”. Klepker visitou a família Goelmann’s Hof onde conheceu o projeto em que cerca de cem animais de raça holandesa, por ser corpulentos, estavam estabulados.
Klepker levou o projeto do terneiro ao Ministro da Agricultura em Brasília que o achou muito importante e chamou seu chefe do Setor Veterinário, que era um japonês de nome Ikiero Ikeda.
Este pediu assessoria do economista gaúcho José Antônio de Oliveira Coimbra. A estes dois, Klepker explanou o referido projeto trazido da Alemanha e lhes pediu para instalá-lo em Languiru, então distrito do município de Estrela/RS, junto à Cooperativa Languiru. Os dois técnicos demonstraram o máximo de interesse pela instalação do projeto determinado pelo Ministro: a implantação de uma central de leite nesta região. O economista Coimbra, logo a seguir, veio a Languiru e, vendo o Projeto do Terneiro Estabulado já funcionando, interessou-se também em micro regionalizar a indústria central do leite nesta região. As prefeituras que ficaram sabendo desta importante indústria a ser construída com incentivo do Ministério da Agricultura, interessaram-se em trazer esta vantagem ao seu município, enviando cartas ao Ministro oferecendo participação no empreendimento. Indistintamente todas ofereciam áreas grandes e adequadas, serviço de terraplanagem, isenção de impostos e demais benefícios. Klepker levou vantagem e conseguiu trazer a indústria para Languiru em função de sua amizade com o Presidente Geisel, que certamente, pediu a seu Ministro, Ângelo Amauri Stábile, para dar preferência para a localização do laticínio junto à “Cooperativa de Klepker”.
Klepker também queria oferecer colaborações do seu município, na época Estrela, por isso foi procurar o prefeito Hélio Musskopf, que prontamente, lhe disse que daria a área necessária para instalação, porém, em Arroio do Ouro ou Santa Rita, mas nunca em Languiru, pois Languiru já estava ensaiando sua emancipação. Klepker, voltando com esta resposta negativa do prefeito, reuniu o conselho da Cooperativa Languiru e, relatando-lhes o acontecido, pediu autorização aos conselheiros para comprar uma área de terras de quatro hectares, espaço mínimo necessário para instalar o empreendimento. Junto com seu companheiro e colaborador Ruben Wolf foram vistoriar uma área adequada, pertencente a Raymundo Ahlert, que lhes fez o preço por braça quadrada (como era costume da época). O negócio logo foi fechado, só que, na hora de fixar a quantidade de terras a ser comprada, Ahlert não concordou em vender somente os quatro hectares, alegando “não vender o nariz da sua cara” (significa não vender somente à frente). Argumentou que não daria os quatro hectares e venderia somente toda área de dez hectares. Diante das exigências do vendedor, não houve outra alternativa a não ser comprar a área toda, da qual quatro hectares da frente foram destinados para construção da indústria; os quatro hectares seguidos, Klepker ficou para sua empresa Turismo Alesgut Ltda. e o saldo dos fundos ficou para a Cooperativa Languiru. Na área do meio, de quatro hectares, criou um loteamento, com cerca de duzentos terrenos, o que gerou o atual Bairro Alesgut da cidade de Teutônia.
Comprada e escriturada a área, foi imediatamente iniciada a construção desta enorme indústria, que foi “concluída a passos largos”. Os colonos e outros interessados, avaliando o que significava esta indústria – próxima ao loteamento Alesgut – vieram comprar os terrenos apressadamente. Assim, a venda dos duzentos terrenos concretizou-se em menos de meio ano e Klepker impôs aos compradores a obrigação de construir um prédio de alvenaria, no mínimo de cinquenta metros quadrados num prazo de um ano. Esse foi o principal fator de evolução do Bairro Alesgut; que trouxe muitos migrantes para trabalharem em Teutônia. Na inauguração da CCGL, veio o Ministro da Agricultura Ângelo Amauri Stábile, que veio de avião até o Aeroporto de Venâncio Aires, onde Klepker foi buscá-lo com seu automóvel. A primeira matéria-prima, para a nova indústria, veio dos produtores da Cooperativa Languiru, que cedeu os seus cem mil litros diários de leite. Depois foi trazida a produção de leite de todo o Estado como acontece até hoje, atingindo a mais de três milhões de litros diariamente.
Os cem mil litros da Cooperativa Languiru eram recolhidos em latões de cinquenta litros por caminhões de carroceria aberta. Sobre esta modalidade antiguíssima de coleta de leite existe um fato pitoresco, pois o leite era medido em diversos dias indeterminados no mês. Certa vez, um produtor, que trazia seu leite em um vasilhame para derramá-lo nos latões, ao chegar perto do caminhão, notou que era dia de medição para apurar o grau de gordura do leite e verificar a eventual adição de água ao produto. O produtor, diante disso, tropeçou, disfarçadamente, derramando todo leite no chão, escapando assim do vexame da medição, pois havia adulterado seu produto com bastante água. Outros fatos similares aconteciam, pois vários produtores procuravam falsificar o produto. Aconteceu, em um outro momento, o fato de encontrarem lambaris nos latões de leite, pois o produtor, por descuido, pegara junto com a água que tirava do arroio para adicionar ao leite, alguns pequenos peixinhos. Este hábito era conhecido como “batizado do leite”.
O laticínio, que foi construído pela Cooperativa Languiru, encontra-se defronte ao Supermercado. Esse prédio foi o primeiro a ser financiado com recursos do famoso Plano Mundial “Aliança para o Progresso”, onde obteve  o contrato número um de todo Brasil, graças a amizade de Klepker com Nestor Jost (Presidente do Banco do Brasil – gestor daqueles recursos). Para inauguração do prédio do laticínio, Jost foi convidado e, na hora de serem todos chamados a ocuparem a mesa do tradicional churrasco, anunciou-se também o costumeiro aperitivo. Quando todos os convidados tomaram seus lugares, perceberam que, sobre a mesa, para o brinde, havia um copo de leite para cada participante. Entre surpresas e risadas, Klepker explicou que todos tinham sido convidados para inaugurar um laticínio e não um alambique (fábrica de cachaça). A imprensa, no outro dia, anunciou que Klepker inaugurara um laticínio oferecendo como aperitivo um copo de leite em vez de cachaça.
Outro fato inusitado com relação ao leite aconteceu logo no início, quando Klepker havia construído o laticínio para a Cooperativa. A Empresa Manteiga Dahmer, de Linha Boa Vista, comprava o leite pagando por grau de gordura que o produto mostrava nas suas quatro ou cinco medições por mês. O que também era adotado pelo laticínio da Cooperativa, mas com uma diferença: a Cooperativa pagava o leite pelo grau de gordura que apresentava nas médias mensais, enquanto a Fábrica Dahmer pagava pela média dos diferentes graus de gordura de todos os fornecedores. Por exemplo, o produtor que tinha oito graus de gordura, acabava perdendo alguns graus em função de produtores cujo leite apresentava um teor de gordura inferior. Já aquele que tinha um grau inferior acabava sendo beneficiado pelo produtor que tinha um leite com mais gordura. Quando Reinaldo Dahmer ficou sabendo que Klepker pagava o leite dos seus produtores pela gordura que a medição acusava, procurou convencê-lo de que isto não daria certo e que devia saber tirar um pouco de quem tinha muito e dar para quem tinha pouco. Klepker discordou dizendo que não concordaria em pagar preço diferente do que a medição acusava. Dahmer afirmou que “então a Cooperativa iria quebrar”. O que aconteceu, contudo, foi o contrário: a fábrica Dahmer continuou recebendo leite dos que tinham um grau maior de gordura e o resultado foi que a Fábrica Dahmer só não “quebrou” (faliu) porque a Cooperativa Languiru a salvou da falência, comprando o negócio.
A cooperativa também foi pioneira com relação ao envasamento do leite em sacos plásticos. Quando Klepker esteve na Europa, visitou a maior feira de embalagens do mundo, na Alemanha, e lá viu funcionar uma máquina que embalava o leite em sacos plásticos. Até então só se conhecia um único sistema de embalar o leite no Brasil: em garrafas de vidro. Klepker conseguiu comprar aquela máquina na exposição que, antes de vir a Languiru, teve de ficar exposta, por quinze dias, numa feira de Buenos Aires (Argentina). Esta negociata garantiu à Cooperativa Languiru ser a pioneira de todo o Brasil nesta nova forma de embalagem do leite. Este pioneirismo foi muito invejado pelos paulistas, que sempre queriam ser os primeiros a lançarem novidades. Este pioneirismo custou muito caro à Cooperativa Languiru, que foi a única a fornecer leite ensacado. Por duas vezes, Klepker e seu motorista tiveram que ir a São Paulo para buscar o filme que formava os sacos plásticos nos quais era embalado o leite automaticamente com a nova máquina comprada. Este filme era fornecido pela única fabricante, que era a Tetrapack de São Paulo. Klepker tinha de substituir o filme que ainda era fornecido com pequenos defeitos. Pode-se imaginar a ansiedade que se passava quando ocorria à quebra da continuidade no fornecimento do leite para o cliente, que já estava habituado com a comodidade que lhe proporcionava o leite em saco (em substituição à garrafa, que lhe causava aborrecimento até na devolução do vasilhame, que não existia mais na nova modalidade).
Em 1981, Klepker fundou e presidiu, por diversos anos, a Cooperativa de Crédito Rural Ouro Branco Ltda. – Crediouro, hoje conhecida como SICREDI – Sistema de Crédito Rural. O nome Sicredi provém do órgão governamental para regulamentar todas as cooperativas de crédito rural. A Crediouro ou Sicredi de Teutônia foi constituída mais por uma imposição de Klepker, que, presidindo a Cooperativa Languiru, viu que era preciso organizar uma Cooperativa separada que se encarregasse do setor de crédito rural, que funcionava misturado com as demais operações estatutárias, até porque a legislação já previa que as Cooperativas comuns não deviam manter operações de crédito paralelamente. Mas isso não foi aceito pacificamente pelos demais companheiros de administração da Languiru. Por isso se disse que a Crediouro foi imposta por Klepker, que via a necessidade de organizar o setor de crédito rural numa cooperativa própria, da qual ele era o presidente e, ao mesmo tempo, ocupou também os demais cargos por algum tempo, até que conseguiu convencer os seus colaboradores de que era realmente necessária a criação do sistema. É importante dizer que, enquanto Klepker foi presidente da Crediouro, ele e todos os seus auxiliares administrativos tiveram que trabalhar de graça, não havendo salário para ninguém. A implantação de Klepker frutificou não tão imediatamente, mas o resultado pode ser visto hoje na Cooperativa de Crédito Ouro Branco – Crediouro ou Sicredi de Teutônia, que tem sua agência central em um prédio vistoso defronte ao prédio da Cooperativa Regional Agropecuária Languiru Ltda. trabalhando ambas de mãos dadas pelo progresso e desenvolvimento do produtor rural.

*Texto extraído do livro “AS MEMÓRIAS E HISTÓRIAS DE ELTON KLEPKER: CRIADOR DO MUNICÍPIO DE TEUTÔNIA/RS” (2008), páginas 16 até 26, de GUIDO LANG.

* É PROIBIDA A REPRODUÇÃO INTEGRAL OU PARCIAL DO TEXTO SEM A MENÇÃO DA REFERIDA FONTE (LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998).

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: http://jornalng.com.br/news/supermercado-languiru-abre-as-portas-nesta-sexta-feira