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quarta-feira, 18 de março de 2020

COLÔNIA TEUTÔNIA: HISTÓRIA E CRÔNICA (1858-1908)

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Guido Lang

Primórdios 

Os primórdios da Colônia Teutônia inserem-se no contexto da transferência de povos europeus que vieram instalar-se no continente americano. As razões desta transferência foram variadas, podendo resumir-se ao encontro de melhores perspectivas de vida. A história específica de Teutônia está relacionada com a imigração alemã, que iniciou, a partir 1824, com a criação da Colônia Alemã de São Leopoldo. Constituiu-se num projeto do Governo Imperial, com o objetivo de ocupar as regiões fronteiriças (contra as ameaças dos espanhóis ou povos do Prata em ocupar terras sulinas), com atividades econômicas. 
A elevada taxa de natalidade dos colonos gerou excedentes populacionais que, junto com o afluxo de outras levas de imigrantes, levou à ampliação da área inicial da Colônia de São Leopoldo, que cedo atingiu as encostas do Planalto Meridional. Estes excedentes populacionais, a partir de 1853, passaram a migrar e a ocupar áreas do vale do Rio Taquari. Surgiram, em decorrência, os núcleos coloniais de Conventos, Estrela, Maratá, Mariante, Santa Maria da Soledade... Teutônia, no entanto, continuava num semicírculo de terras devolutas, que somente podiam ser atingidas através da principiante vila Taquari. 
As terras teutonienses, antes da fundação em 1858, estiveram ocupadas por índios, que eram da tribo dos guaianazes. Pertenciam à nação tupi-guarani e habitavam preferencialmente as várzeas dos rios. A inexistência de rios de expressão levou os indígenas a utilizarem áreas teutonienses para fazerem incursões de caça. O fato explica a inexistência de sítios e de esporádicos achados arqueológicos: pontas de flechas (nas margens do arroio Boa Vista, que é o maior afluente do Taquari em território teutoniense) e restos de cerâmicas e gargantilhas de vidro (achadas na propriedade de Lothário Lang na linha Boa Vista Fundos/Teutônia/RS), que são prováveis resquícios da passagem de índios missioneiros. Registra-se, por volta de 1870, a presença de escassos bandos de índios botocudos, que eram vistos como ferozes e violentos. Os relatos da tradição oral não registram maiores conflitos com os indígenas. Acharam-se também vestígios de antigas habitações, que provavelmente foram restos de quilombos, pois a escravidão era uma prática comum nas áreas de colonização açoriana de Taquari. 

Constituição da Colônia Teutônia 

A ideia de criar uma colônia particular coube ao comerciante atacadista Carlos Schilling, que, em 1858, adquiriu as terras devolutas para construir a Colônia Teutônia. Deslocou, a partir de 1862, o agrimensor e diretor da colônia Lothar de la Rue para Teutônia, com objetivo de fazer as medições. Foi necessário primeiramente adquirir uma área de acesso às terras, porque precisou-se, para chegar a Teutônia, passar por terras particulares. Em decorrência disto, em 1861, foi comprado um acesso do casal José de Azambuja e Simiana Cândida Villa Nova. 
Entretanto Teutônia, nos primeiros anos, não atingiu os objetivos esperados por Carlos Schilling, que organizou, para fazer frente às despesas do investimento, a “Empresa Colonizadora Carlos Schilling, Lothar de la Rue, Jacob Rech, Guilherme Kopp & Companhia”. A companhia colonizadora pertencia a altos membros do comércio de Porto Alegre e recebeu a denominação dos seus sócios. Ela, em 26 de novembro de 1861, adquiriu o acesso e deslocou la Rue para efetuar as medições. Este dividiu as quatro e meia léguas quadradas em 600 prazos coloniais, que tiveram uma superfície variável de 30.000 a 200.000 braças quadradas (b2). Comercializou-se as colônias ou prazos coloniais sem as mínimas condições de infraestrutura. A companhia encarregou-se unicamente da divisão da área em lotes e abriu algumas picadas (trilhas - posteriores estradas) para a demarcação dos prazos coloniais. Tratou, em seguida, de iniciar a comercialização das colônias demarcadas, enquanto deixava a tarefa de construir e preservar as picadas, organizar escolas, igrejas e sociedades aos colonos (satisfeitos em terem acesso à propriedade). Inúmeros pioneiros, em decorrência, não tiveram êxito no empreendimento, assim como o núcleo inicial de colonização, localizado entre as picadas Boa Vista e Frank (atual represa dos Wallauer no arroio Boa Vista), fracassou devido à enchente, que levou, em 1861, as principiantes construções. A Companhia assegurou-se, nas diversas picadas (posteriores linhas ou localidades), de alguns prazos que valorizaram com o êxito da colonização; ausentou-se também em eventuais disputas judiciais, despesas de transmissão, escrituras, conflitos de água e terras. Os seus gastos restringiram- se à aquisição do caminho de acesso, demarcação das colônias, elaboração do Mapa da Colônia Teutônia (efetuada pelo agrimensor Fernando Ehlers, em 1886, na escala de 1:40.000). A comercialização da braça quadrada por dez réis levou a empresa a bons lucros, encorajando-a a fazer outro empreendimento imobiliário, semelhante à Colônia Teutônia, em São João do Maratá - Montenegro. 
A denominação de Teutônia seria uma referência às tribos bárbaras dos teutões, que tinham sido moradores das margens do Mar Báltico e de muita influência na formação do povo alemão. Seria, a nível de Rio Grande do Sul, uma referência ao empreendimento de germânicos, que praticamente dominaram na ocupação do território em estudo. Schilling, no entanto, teria inicialmente outras sugestões sobre prováveis denominações do lugar. Estas constaram de: Germânia (uma referência à Germânia - Alemanha), Luterânia (ligado ao empreendimento em oferecer um reduto aos colonos de confissão luterana), Boa Esperança (da possibilidade de concretizar o sonho de proporcionar uma área de terras e de trazer perspectivas de vida aos inúmeros pioneiros), Nova Alemanha (reporta-se às tentativas de unificação, através da liberação do Comércio entre os países de língua alemã promovida pelo Zollverein) e Nova Prússia (aludia-se à poderosa Prússia, que disputava a hegemonia com a Áustria, na Confederação Germânica e em toda a Europa). 

Colonização 

A ocupação enquadrara-se dentro da política nacional de imigração e colonização, dirigida a imigrantes europeus (preferencialmente alemães e italianos). Estes tiveram de povoar zonas distantes e desabitadas, ocupá-las de forma definitiva, desenvolver a atividade agrícola com produtos suplementares às grandes culturas (produtos destinados ao mercado interno), reforçar o sistema do trabalho livre (em substituição ao trabalho escravo, desinteressante ao capitalismo em expansão e aos interesses comerciais ingleses), ajudar a trazer a nova mentalidade do trabalho da terra, contribuir na expansão do mercado interno e na formação de um mercado consumidor, reforçar as fronteiras com uma ocupação permanente e criar uma economia complementar ao setor exportador. O êxito da colonização, na Colônia Teutônia, enquadra-se neste processo. Teutônia acabou ocupada de uma forma permanente e, consequentemente, auxiliou na fabricação de produtos destinados ao mercado interno (cereais, banha, fumo, nata, carne...), desenvolveu a atividade agrícola através da mão-de-obra familiar, reforçou a ideia do trabalho livre (embora tenha-se encontrado casos esporádicos de escravidão negra entre alguns colonos) numa área de largo emprego do trabalho servil (como Taquari) e contribuiu à formação de uma nova mentalidade econômica, na constituição de uma classe média e de um mercado interno. A Província, afinada com os interesses do Estado nacional brasileiro, viu concretizados seus interesses através do aumento da produção de mercadorias suplementares à economia nacional, integração da área de terras devolutas ao sistema produtivo e barateamento do processo de colonização (devido à colonização efetuada por particulares). A Companhia assistiu ao retorno, com lucro, do capital empregado com a venda dos lotes coloniais aos colonos. Os pioneiros viram suas aspirações e sonhos concretizados porque encontraram perspectiva de vida nesta área; inúmeros imigrantes e migrantes (da Colônia Alemã de São Leopoldo) saíram numa situação de miséria da Europa e não tiveram grandes oportunidades de adquirir lotes em São Leopoldo, alcançando vida digna em terras teutonienses. 
O primeiro lote foi comercializado a Christiano Schwingel que, em 5 de janeiro de 1863, adquiriu a colônia número dois da Picada Hermann (atual Linha Germana); esta área possuía mil braças quadradas ao lado esquerdo da dita localidade. O segundo quinhão foi vendido em 23 de novembro de 1863 a Conrado Schwingel, os quais provavelmente, eram irmãos. Este comprou a colônia número um da Picada Hermann com área estimada em cento e oitenta e sete braças quadradas. Os lotes subsequentes foram vendidos a: Armândio Dickel (nº 12 da Picada Glück-auf, atual Canabarro, área de cem mil braças quadradas, em 22 de novembro de 1866), Francisco Antônio Machado (nº 9 da Picada Nove Colônias, atual Linha Travessão, localizada entre Germana, Canabarro e Paverama, área de cem mil braças quadradas, em 7 de fevereiro de 1868), Pedro Michel (nº 1 da Picada Glück-auf, área de cem mil braças quadradas, em 16 de junho de 1869). Outros pioneiros foram compradores de prazos coloniais: viúva Carolina Hauenstein, Jacó Feldens, Adam Lambert, Joseph Hagemann, Johannes Lambert, August Flesch, Carl Dietze, Friedrich Dickel, Johannes Dreyer, Henrich Henchen, Heinrich Dickel, August Böhm, José Anisette, Friedrich Brandt, Jacob Weber, Carl Schneider, Heinrich Müller, Ernst Guntzel, Heinrich Höfler, Wilhelm Landmaier, Friedrich Sommer, Wilhelm Hasenkamp, Friedrich Neuhaus, Wilhelm Decker, Friedrich Knebelkamp, Hermann Pohmann, Heinrich Eggers (da Westfália), Friedrich Roloff, Johann Krüger, Carl Sippel, Hermann Heinemann, Daniel Gref, Franz Götz, Jacob Elicker, Friedrich Feldmann, Abraham Heinrich, Friedrich Blömker, Heinrich Welp, Ernst Borgelt, Hermann Schlieck, Carl Lagemann, Carl Schaeffer, Wilhelm Hunemann, Friedrich e Heinrich Etgeton, Ernst Osterkamp, Friedrich Trennepohl, Hermann Bünecker, Wilhelm Kreimeier, Christ Appel, Rudolph Ehrenbring, Wilhelm Fangmeier, Johann Schröer, Wilhelm Hollmann, Heinrich Frangmeier, Gerhardt Wahlbring, Friedrich Peter, Wilher Schumann, Bertram Driemeier, Heinrich Graf, Hermann Wiedheuper, Heinrich Schröer, Wilhelm Kniebe, Wilhelm Heemann, Ernst Fiegenbaum, Gustav Britzki, August Wessel, Wilhelm Brönstrupp Senior, Ernst Hachmann, Johann Heinrich Behne, Hermann Heinrich Rahmeier, Wilhelm Vocke, Theodor Hauenstein, Heinrich Kerger, Christ Schneider, Carl Fries, Wilhelm Ahlert, Philipp Faller, Georg Schmidt, Wilhelm Schonhorst, Heinrich Messer, Adam Zimmermann, Cidônia Carra, Hermann Hunemeier, Heinrich Hagemann, Friedrich Elicker, Ernst Windmöller, Georg Wallauer, Julius Bauemgarten, Jacob Brust, Ernst Hachmann II, Heinrich Decker, Wilhelm Krützmann, Wilhelm Schlieck, Gustav Weier, Heinrich Sommer, Heinrich Brönstrupp, Friedrich Jasper, Heinrich Osterkamp, Friedrich Osterkamp, Wilhelm Driemeier, Heinrich Lagemann, Hermann Cort, Wilhelm Altmann, Heinrich Thepe, Heinrich Haslage, Franz Staggemeier, Wilhelm Brackmann, Georg Carl Dreher, Heinrich Lautert, Heinrich Lammes, Friedrich Lautert, Carl Etzberger, Conrad Fleck, Wilhelm Rahmeier... que adquiriram terras até o ano de 1870. A companhia continuou comercializando terras até o ano de 1886, quando então esgotaram-se os lotes. A relação comprova-nos a rápida evolução da colônia que, em 1864, já possuía 16 casas, 70 habitantes, 31 prazos coloniais comercializados e uma área cultivada de aproximadamente 220 braças quadradas. Teutônia continuou progredindo, atingindo em 1869 aproximadamente 800 moradores. Estes residiam num raio de duas horas à cavalo. Em 1870 chegaram ao número de 1000 habitantes graças a vinda dos migrantes westfalianos, que vieram sobretudo do círculo de Osnabrück.

*Texto extraído do livro "Colônia Teutônia: História e Crônica (1995)", páginas 04 até 06, de Guido Lang.

* Crédito da imagem: https://www.teutonia.rs.gov.br/

* Editado por Júlio César Lang.

quarta-feira, 11 de março de 2020

JACOB LANG: A HISTÓRIA DE UM IMIGRANTE E PIONEIRO

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Guido Lang

O objetivo destes próximos 13 capítulos é contribuir para enriquecer a genealogia e microistória, que são ciências auxiliares da História. Elas ganham importância com a constante massificação da sociedade consumista. Visa valorizar a tradição oral familiar, que foi-nos herdada através do pai — Lothário Lang, avô — Frederico Carlos, bisavô — Frederico Guilherme e o patriarca — Jacob. A história verídica baseia-se na trajetória de Jacob Lang, que imigrou, em 22 de setembro de 1847, a Picada Café (na época Colônia Alemã de São Leopoldo), junto com os pais, na perspectiva de encontrar novas possibilidades de vida. A narração visa resgatar aspectos da epopeia da colonização alemã no Rio Grande do Sul, na qual a família Lang empenhou-se.
O registro, em forma de relato, documenta a história para que o tempo, com o desaparecimento das gerações, não acabe caindo no esquecimento. Além disso, a mantém viva, pois os descendentes desejam, num porvir, conhecê-la assim como saber suas origens, passado, raízes... Possuímos, em decorrência, o compromisso de registrá-la para mantê-la num mo- mento histórico em que as pessoas voltam-se à pesquisa da genealogia e história familiar. As pessoas, famílias, grupos, povo... sem história são suscetíveis à manipulação; assemelham-se às árvores, de troncos volumosos e raízes superficiais, que, facilmente, tombam pela ação do vento. Sentimo-nos no encargo de registrar a trajetória das pessoas humildes, que no anonimato, desbravaram as matas, semearam os campos, construíram cidades, desenvolveram a indústria e o comércio, mantiveram as tradições e costumes. O trabalho “Jacob Lang — A História de um Imigrante e Pioneiro” não foge a regra. Relata a trajetória de um pioneiro que atravessou o oceano com o objetivo de encontrar opções de vida. Conseguiu, por duas gerações, encontrar espaço à descendência. O aumento populacional, porém, preencheu o espaço disponível e, novamente, os descendentes, a semelhança de Jacob, tomaram o “pé na estrada” à procura de novas frentes agrícolas. Migraram as “novas colônias”, no começo do século, localizadas no norte do Rio Grande do Sul e oeste de Santa Catarina. As áreas aráveis acabaram ocupadas e a solução foi urbanizar-se.
Procuraram as cidades, nas quais mudaram de atividade profissional e deixaram a tradição agrícola para empregar-se no comércio e indústria; outros, num segundo momento, optaram pelas profissões liberais e iniciaram negócios autônomos. O objetivo, no entanto, jamais mudou, qual seja de obter melhores perspectivas de vida. A história familiar assemelhar-se-ia milhares de descendentes teuto-brasileiros que, vindos para a América à procura de melhores condições de vida, ajudaram a ocupar uma imensa área do território brasileiro, que, na atualidade, integra os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Espírito Santo, Rondônia, assim como parte do Paraguai e, atualmente, a Bolívia.

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A história dos Lang perdeu-se na Europa Central. Estes, por volta do século XVII, migraram à região do Hunsrück, que integra, atualmente, a República Federal da Alemanha. Sua história assemelha-se a de milhares de imigrantes teutos, que vieram à América à procura de melhores perspectivas de vida.
Os Lang, no Hunsrück, eram trabalhadores braçais e ferreiros na aldeia de Riesweiler. Jacob nasceu em meio as dificuldades econômicas, pois os pais, Jacob Pedro (1792-1872) e Juliana Catharina Kind (1797- 1829); avós: Pedro Lang (1761-1807) — Maria Katharina Muller (1773- 1823) e Martin Kind (1750-1802) — Juliana Margaretha Rheinemann (1756-1814), viviam numa condição de semi-escravos dos latifundiários da região. Jacob Pedro, numa visita à aldeia de Dichtelbach, conheceu Juliana Catharina, a qual tornara-se namorada e esposa. Casados, resolveram instalar-se na aldeia de Dichtelbach, que era a aldeia natural dos Kind. O casal teve os filhos Pedro, Jacob, Davi e Catharina, porém esta veio a falecer com um mês de idade. Jacob Pedro e Juliana viveram em constantes dificuldades econômicas, quando veio acrescer-se a desgraça: Juliana adoeceu e acabou falecendo, deixando Jacob Pedro sem condições de cuidar dos filhos.
Porém conheceu, no mesmo ano, a jovem, natural da aldeia de Womrath, Elisabeth Catharina Closs. Casaram-se e vieram a ter os filhos Catharina, Eva, Margaretha, Elisabetha I, Cristina, Heinrich e Elisabetha II. A Elisabetha I veio a falecer com três anos de idade, pois, naquela época, faltavam recursos medicinais e era comum o falecimento de crianças. As dificuldades econômicas e a instabilidade política, no Hunsrück, acentuaram-se. A Prússia, dominadora da região, envolvera-se em pro- longadas guerras. A família fazia plantações, em parceria, com latifundiários, entretanto, constantemente, acabavam perdendo a colheita, pois soldados iam e vinham pelas culturas. Acrescentava-se a isso, a pobreza do solo, secas, exploração dos donos das terras, excesso populacional na região e rivalidades internas entre os próprios moradores. As perspectivas de melhores condições parecia uma impossibilidade e iniciou-se o desejo de migrar.
As crises econômicas acentuaram-se na Prússia. Os Estados Alemães, numa tentativa de unificação econômica, criaram o Zollverein, que trouxe progresso e desenvolvimento, acentuou a hegemonia prussiana sobre os Estados germânicos. O povo, num primeiro momento, acabou desempregado, pois inúmeras oficinas artesanais não-suportaram a concorrência dos artigos importados. A Revolução Industrial, na Alemanha, acentuou a exploração dos trabalhadores, que era mão-de-obra barata e “bucha de canhão” para o exército prussiano. A miséria, portanto, era a constante companheira entre milhares de cidadãos teutos. A família Lang não fugira à regra, pois sentia as consequências da falta de terras agrícolas, do acentuado crescimento populacional e de maiores oportunidades de ascensão econômica.
As notícias chegaram, através da propaganda hábil dos agentes de angariamento de imigrantes e de cartas dos parentes emigrados, da prosperidade obtida na América. As informações falavam das possibilidades infinitas de enriquecimento, da abundância de ouro e prata (poderia até crescer em árvores), da existência de vastas extensões de terras cobertas de mata, das possibilidades de caça e pesca, dos lotes de terras cedidos pelos Governos aos colonos... Jacob Pedro e Elisabetha não resistiram e resolveram aventurar-se, pois, praticamente, nada tinham a perder no Hunsrück: somava-se à miséria, a má colheita de 1846, quando perderam, praticamente, toda a plantação com a estiagem. Os Lang, diante do insucesso, atenderam o pedido de emigrar; incluíram-se ao exemplo de milhares de alemães, que aventuraram- se pelo Novo Mundo. O continente americano, na época, era o lugar para alojar os excedentes populacionais da Europa.

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A família, neste momento, providenciou a venda dos poucos pertences. O objetivo foi de obter alguns recursos financeiros à viagem. Trataram de comercializar com os vizinhos os escassos imóveis, animais domésticos e ferramentas (impossíveis de levar durante a viagem). Os recursos puderam custear víveres e as passagens de Hamburgo a Rio Grande.
A etapa seguinte era tentar chegar ao Hunsrück até o porto de Hamburgo, no qual saíam os navios cargueiros. Estes, geralmente, traziam pro- dutos tropicais e riquezas minerais à Europa e levavam, de volta à América, artigos industrializados e carga humana, que eram colonos (dispostos a instalarem-se no continente americano). Trataram-se de deslocar-se de barco e carreta do Hunsrück até Hamburgo, quando precisaram decidir-se pelo rumo da viagem. Poderiam optar entre os Estados Unidos da América ou o Brasil. Os Estados Unidos ofereciam a vantagem de reencontrarem-se com centenas de conterrâneos e um eventual encontro com os filhos Pedro e Davi. O preço da passagem, no entanto, era mais cara e a família não tinha recursos suficientes. Ao passo que o Brasil oferecia a vantagem de serem considerados “colonos do Governo”, quando teriam direito de receber auxílio para o custeio das passagens, instalação em terras devolutas e auxílio alimentação. Desconheciam informações sobre o Brasil e, muito menos, sabiam da sua localização. Tomaram conhecimento da tentativa de fazer uma colonização germânica e, para tal, já haviam imigrado algumas levas de colonos. O Governo Imperial queria, dessa maneira, retomar a imigração depois de alguns anos de interrupção.
Jacob Pedro ficou desiludido, pois não tivera condições para manter unida a família. Os filhos Pedro e Davi, fruto do primeiro casamento, tinham imigrado com destino aos Estados Unidos e certamente jamais os veria. Compreendia, no entanto, que os filhos precisavam viver sua vida. Os pais os criam e, depois de adultos, tomam os próprios rumos, pois cada qual precisa traçar seu destino e nenhum ser pode, e nem deve, tentar viver a vida alheia. O casal Jacob Pedro e Elisabetha embarcaram, junto com os filhos Jacob, Catharina, Eva, Christina e Elisabeth, para o desconhecido; os filhos tinham respectivamente 23, 17, 15, 7 e 3 anos de idade. Doeu-lhes abandonar a pátria, terra dos ancestrais que tinham sido, em tempos remotos, conquistados pelos bárbaros, ao Império Romano. Os Lang tinham criado raízes, pois foram, em inúmeras oportunidades, convocados para defendê-la dos invasores franceses. Lembravam- se, de viva memória, das invasões napoleônicas, que tantas vidas, estragos e miséria causaram. As tropas francesas arrasaram casas e campos e nem a igrejinha, da aldeia de Riesweiler, pouparam, pois incendiaram-na. Os registros comunitários, guardados na igreja, acabaram consumidos; valiosas informações familiares terminaram perdidas à eternidade. As guerras trouxeram o caos e o constante proselitismo religioso entre protestantes e católicos. Sobrou, à família, duas opções: continuar na miséria ou imigrar. Optou-se pela aventura, pois não adiantaria ficarem presos a sentimentos no momento que a miséria instalava-se. Os instintos de sobrevivência, nestas circunstâncias, falam mais altos, pois defuntos não possuem serventia.
A viagem iniciou, em 18 de julho de 1847, a bordo do navio Brigue Henriqueta Sophia. O cargueiro transportava artigos industrializados e uma massa humana de conterrâneos, que, igualmente, aventuravam-se na travessia do Atlântico. O povo germânico não suportava a penúria e a solução fora, portanto, procurar outras barragens, nas quais os trabalhadores tivessem acesso a terra e poderiam sentir-se “donos do seu próprio nariz”. Os imigrantes tinham consciência das futuras dificuldades, saudades da pátria e a perda das raízes históricas, que, certamente, por dezenas de anos, acompanhariam os descendentes. Deixaram as tumbas dos ante- passados, que tinham migrado, na perspectiva de promissoras terras, das estepes asiáticas em direção à Europa Central. A história parecia repetir-se, embora em outras circunstâncias. As sepulturas dos antepassados acabariam consumidas pela ação do tempo e os descendentes lhes dariam pouco caso; interessava-lhes viver a vida e o cultivo das tradições e as raízes ocorreria com o passar dos anos, quando fossem anciões. Os jovens pouco procuram interessarem-se pelo passado, pois estão preocupados momentaneamente com o presente; desejam descobrir as maravilhas da vida e vivê-la com toda intensidade; vão em busca de parceiros para “curtirem-a”; casam-se e se multiplicam; acabam, em decorrência, enchendo a terra à semelhança dos antepassados. Replenamos a região do Hunsrück e, na atualidade, precisamos procurar outras terras. Virão dias em que os descendentes encherão estas, que, no momento, encontramo-nos pro- curando. O destino do Homem parece decifrar o desconhecido, conhecê-lo e adaptá-lo a sua realidade. O ignorado parece desafiar a inteligência e precisamos, como seres humanos, encontrar respostas às interrogações. O Brigue começou a abordar de Hamburgo. Vimos nas paisagens dos Países Baixos (Holanda), na qual sucediam-se as planícies e chegamos, finalmente, no Oceano Atlântico. Ficamos maravilhados com sua grandeza: as águas salgadas pareciam um mistério. O barco, de aproximadamente 30 metros de comprimento por 10 de largura, praticamente desaparecia diante da imensidão do mar. Contemplávamos, nas noites claras, o céu estrelado, no qual as constelações desapareciam no horizonte. Chegamos a ver a Estrela Polar e a constelação do Urso; quando desa- pareceram vimos outra constelação em forma de crucifixo. A grandeza da criação impressionou-nos. Concluímos que, realmente, deve existir um criador. Não importa o nome: Deus, Alá, Supremo Arquiteto... importa que exista. Navegamos semanas, quando deparamo-nos com os primeiros sinais de terra; eram restos de plantas e aves. As ondas, no entanto, pareciam amontoar-se e agitar-se. O comandante, de repente, ordenou: “Marinheiros, recolham as velas”. Gritou-nos: “Protejam-se! Temporal à vista”. Uma onda gigante praticamente encobriu o barco. Protegemo- nos nos camarotes, mas a água entrara por toda a embarcação. O comandante ordenou içar uma vela, que pudesse manter o equilíbrio e evitar o naufrágio. O vento e as ondas pareciam brincar com o barco. Navegamos, horas, à deriva e estávamos indo a sudeste. Viajávamos durante, aproximada- mente, duas semanas, quando chegamos próximos às costas africanas. Os alimentos minguaram e tínhamos o suficiente apenas para quatorze semanas. Continuamos sentindo os enjoos do constante balançar da embarcação, parecia-nos que jamais nos acostumaríamos. Tínhamos somente duas opções: prosseguir ou perecer. Retomamos praticamente a viagem, pois tínhamos navegado, em vão, por dez semanas, porém levamos mais seis até que reapareceram sinais de terra. O comandante informou-nos que estávamos próximos ao porto de Rio Grande, que localizava-se ao sul do Brasil. Retomamos o ânimo, pois estávamos sobrevivendo à aventura.

* Texto extraído do livro "Jacob Lang: A História de um Imigrante e Pioneiro", páginas 11 à 15, de Guido Lang.

* Crédito da imagem: https://descomplica.com.br/blog/historia/grandes-navegacoes/

* Digitado por Júlio César Lang.

quarta-feira, 4 de março de 2020

O CONCEITO DE CHATO

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Guido Lang

O ancião, advindo de origem humilde, assimilou a arte de multiplicar riquezas. Ele, na dor, aprendeu a necessidade de extrair o máximo dos bens. Os artigos, em instalações, máquinas e trabalhadores, deveriam ser “espremidos” para cobrir custos e gerar lucros. A nobre gerência, em décadas de economias e reaplicações, criou um punhado de empresas e prédios. O fulano, em adiantado ancião, perpassava as linhas de produção. A função, na efetiva fiscalização, assistia em detectar desperdícios e instruir empregados. Exemplos banais: desperdício de água, luzes acessas desnecessárias, materiais subaproveitados na lixeira, etc., sinalizavam imprudências nas tarefas... O dono, no conceito funcional dos subalternos, sobrevinha em um tremendo chato e inconveniente. Este, no sutil, era invejado pela bonança, ciência e rigor. A pessoa em qualquer idade e situação, pode ser instrutiva e útil. 

Livro: Ciência dos Antigos

* Crédito da imagem: https://www.vozdobico.com.br/

sábado, 29 de fevereiro de 2020

O apressado fornecimento

Guido Lang

O filho das colônias, no comércio de artigos coloniais, recebeu encomenda do conhecido. O quilo, em mel, podia ser vendido ao ex-colega de serviço. Este, no anterior ao expediente de trabalho (do outro dia), correu atrás do produto. O vendedor, na chegada ao trabalho, deparou-se com o pedido (exposto na sua escrivaninha). A preocupação, na apressada entrega, ligou-se na eventual mudança de projeto ou compra na concorrência. A sua mãe, em perita financeira, havia ensinado a correr atrás das oportunidades monetárias. A pessoa, na questão de dinheiro, carece em precisar chamar ou pedir em dois momentos. A exclusiva solicitação costuma ser suficiente. No mercado, com a saturada oferta de produtos, convém “seivar clientes” (no preço bom e qualidade dos itens). Os vários miúdos, reunidos no conjunto, somam o amontoado no resultado. Alguns são abonados, na razão de darem-se o trabalho para tanto!

Livro: Ciências dos Antigos

Crédito da imagem: https://caraoucoroa.blogosfera.uol.com.br/2019/04/04/fazer-moeda-de-r-005-custa-r-030-ao-governo-veja-outros-precos/

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

LANG "COLECIONA" 36 HISTÓRIAS AINDA NÃO PUBLICADAS

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O historiador e professor Guido Lang, 51 anos, é natural de Teutônia/RS, no Vale do Taquari. Tem 16 livros publicados e, no entanto, aguarda outras 36 obras para publicar.
Ele registrou as primeiras histórias há cerca de 30 anos. Fatos do dia a dia, cenas urbanas e o cotidiano da vizinhança renderam-lhe linhas e páginas de um improvisado diário, que ganha forma até hoje. São 10 mil páginas à espera de uma publicação. “Jacob Lang, A História de Um Imigrante e Pioneiro” foi o primeiro livro, que destaca a cultura germânica na região. “Tenho compromisso com a minha comunidade, onde me criei e estudei. É como voltar na história, fazendo parte dela”. O anseio em propiciar conhecimento às novas gerações é barrado pela falta de oportunidades (de convites de editoras para publicação das obras).

*Fonte: Jornal ABC, domingo, 16/05/2010.

* Digitado por Júlio César Lang.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

O TESOURO DOS MUCKER

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Guido Lang

Uma história, narrada de boca em boca entre membros de famílias tradicionais da região, relaciona-se ao tesouro dos Mucker. Aventureiros esporádicos ambicionaram deparar-se com as malfadadas riquezas, que teriam sido escondidas ou enterradas pelos seguidores da Jacobina Mentz e João Jorge Maurer. O conjunto de jóias e moedas, de ouro e prata, encontrar-se-ia escondido nalgum esconderijo das encostas dos morros, que localizam-se entre os municípios de Dois Irmãos/RS, Campo Bom/RS e Sapiranga/RS. Um amontoado de relíquias ímpares, que teriam, em boa dose, sido trazidos da Alemanha e outra parte acumulada durante o Império Brasileiro. A colonada, em meio as enormes dificuldades de toda ordem, mantinha uma extrema filosofia de poupadores, porque, a qualquer custo, quisera resguardar economias para os infortúnios da vida. Os recursos, advindos de suadas economias e heranças familiares, teriam sido ajuntados durante a formação e evolução da “seita”, quando ambicionaram talvez adquirir algumas armas, manter um espírito de solidariedade (como os cristãos nos Atos dos Apóstolos), custear encargos comunitários...
Os comentários e fofocas, das riquezas dos Mucker, corriam soltos na boca da população circunvizinha ao Ferrabraz, quando sucederam-se aos conflitos e eventos bélicos (abril a agosto de 1874). Os forasteiros, vindos das diversas procedências, invadiram os lugarejos próximos ao Morro Ferrabraz, quando quiseram colocar as mãos naquela fortuna. Inúmeros indivíduos diziam-se combatentes, quando lutaram contra a centena de seitários dos Maurer. As matas e plantações viviam repletas de aventureiros, que pareciam, junto a diversos moradores, controlar os passos dos incompreendidos. As esporádicas escaramuças sucediam através de confrontos, disparos e incêndios de propriedades. A atrocidade, em meio ao conflito, era permitida pela segurança pública, pois movia-se um clima de guerra fratricida. A crueldade, reprimida há anos, tinha sobre quem recair, porque simpatizantes ou seguidores dos Maurer eram sempre os autores e os culpados. Os animais (domésticos), frutas e plantações sumiam das propriedades, quando as culpas poderiam recair sobre os fanáticos.
O desfecho sangrento, em junho ou julho de 1874, teria levado Jacobina e João Jorge Maurer a esconder as economias. Estes, às pressas em meio ao tumulto dos últimos dias, tê-los-iam escondido ou enterrado nalgum lugar das encostas ou sopé do morro, no qual poderiam resguardar as riquezas da exagerada cobiça adversária. Os poucos quilos de metais necessitariam de uma segurança, porque, em meio ao tamanho esforço e sacrifício em obtê-los e o valor sentimental constante, precisariam de guarda e proteção segura. A entrega eventual a familiares ou vizinhança poderia gerar a cobiça humana, que revela-se tão comum no gênero humano. A segurança maior poderia decorrer unicamente do seio da terra, que costuma, há séculos ou milênios, proteger tesouros metálicos. O lugar escolhido provavelmente processou-se num valo próximo a alguma árvore ou rocha, que poderia servir de posterior referencial seguro. O ato de esconder os metais acabou confiado a dois ou três indivíduos, que eram os próprios donos ou membros da família.
A hecatombe, em 02 de agosto de 1874, abateu-se sobre o grupo familiar íntimo, quando sucederam-se os assassinatos e suicídios. As lideranças caíram na desgraça, quando, em meio à desconfiança e infortúnio, a morte levou o segredo do esconderijo. Os autores esqueceram de revelar o paradeiro do tesouro, que parece ter contribuído para aumentar o número de inimigos. Este talvez ainda repousa nos brejos e matos circunvizinhos ao Ferrabraz, quando as mãos humanas carecem de conhecer o seu conteúdo. Os espíritos dos perseguidos, em meio aos remorsos da chacina, arrogam-se por ventura os direitos de resguardá-los.
Inúmeros aventureiros e moradores, conhecedores da história dos bastidores do Episódio do Ferrabraz, ousaram colocar as mãos nele. As tentativas falharam e outras continuam a desafiar a cobiça e a imaginação, em meio às picadas e trilhas da vegetação. Vários elementos procuram disfarçar as inúteis procuras, quando alegam praticar caçadas ou trilhas ecológicas (com vistas de conhecer o cenário e inteirar-se da vegetação). Alguns dão razão ao espírito de aventureiros e caçadores de aventuras, que, na atualidade, encontra alguma similaridade com o desenterrar dos velhos galeões espanhóis. Uma façanha interessante para amantes de caminhadas ecológicas e desbravadores de enigmas.
O mistério do tesouro dos Mucker, portanto, parece muito vivo aos apaixonados e estudiosos do assunto.
Uma história comunitária contada em diversas conversas informais ou de ouvido em ouvido entre membros da descendência germânica de famílias tradicionais, que, em boa dose, ouviram falar do tema Mucker. Este fato, aos olhos da atualidade, parece absurdo e incompreendido, quando, na época, alimentou tamanho ódio, perseguição e vingança entre pacatos moradores (de maneira geral todos aparentados). Prova-nos, a semelhança de outros exemplos, a capacidade de irracionalidade humana, que supera, em situações, a irracionalidade animal.

* Fonte: Jornal O Fato, número 1006, 06 de fevereiro de 1996, Campo Bom/RS.

* Digitado por Júlio César Lang.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

BANHADOS DO RIO DOS SINOS

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Guido Lang

O banhado de Campo Bom, conhecido como o primeiro e principal pântano na descida do curso fluvial, apresenta um cenário entristecedor, porque continuamente e progressivamente sofre agressões com aterros, caçadas, canalizações, desmatamentos, extrativismo e lixo... Um recanto e refúgio natural, patrimônio de gerações, acaba permanentemente ceifado e mudado em função da cobiça humana, desde que a valorização imobiliária descobriu o grande filão econômico. Diversas áreas, da noite para o dia, acabam aterradas ou canalizadas, e, em seguida, pipoca mais uma construção, que, sob forma de casebre ou olaria, rouba um pedacinho de terra, de modo que o espaço de filtração dos mananciais hídricos acaba reduzido.
Os lixos, sobretudo plásticos, espalham-se aos “quatro ventos” e contrastam com o ambiente natural. Estes, de todas as formas e em quantidades inimagináveis, são atirados e trazidos pelas águas, revelando facetas trágicas do nosso modelo de vida. Os odores, oriundos de elementos inorgânicos e orgânicos, espalham-se ao longo da estrada geral da Barrinha. Forasteiros e visitantes interrogam-se sobre a procedência desses cheiros. As águas escuras e mal cheirosas, no período das cheias, escondem a poluição líquida e os dejetos domésticos e industriais. As estiagens também denunciam a irracionalidade humana, quando poluímos nosso habitat com elementos tóxicos.
A população, de maneira geral, desconhece ou ignora a importância dos banhados, que não existem em vão ao longo do curso fluvial. Eles possuem a função primordial e sublime de purificar águas, que cruzam uma das áreas mais industrializadas do território gaúcho. O controle da vazão, na época das enchentes, caracteriza outra finalidade, quando são um grande regulador das excessivas precipitações. A contenção das cheias sucede-se pela contenção parcial da massa líquida pelos banhados, que momentaneamente, não consegue desaguar no Guaíba. A oxigenação do ar, num contexto de maior poluição atmosférica (em decorrência da massiva combustão automotora), revela-se outra contribuição ambiental. Os cantos e recantos de lazer e recreação, em forma de balneários, campings, entre outros, podem ser uma fonte econômica, porque são um refúgio nos verões quentes e secos para as populações carentes. Os extrativismos animal e mineral, apesar das desrecomendações e proibições, são outro fato corriqueiro. Extrai-se argila e areia assim como se promovem caçadas e pescarias. A extração de madeiras para queima (como lenha) é outra triste sina.
O principal filão econômico dos banhados, nas próximas décadas, ainda está por vir, quando o espaço poderá ser canalizado para massiva produção de peixes. Centenas de reservatórios artificiais poderão ser edificados, podendo ser aproveitados também como espaços de camping. O extrativismo mineral, de argila, mantêm-se uma atividade produtiva centenária. Fornos e olarias continuarão produzindo artigos de barro. Resquícios esparsos da floresta natural, com raras espécies animais, poderão e serão motivo de muita curiosidade aos olhos humanos. Então crianças e jovens adorarão conhecer “algumas migalhas do ambiente geográfico original”. A necessidade de águas consumíveis forçará a tomada de medidas de preservação ambiental, que terão um custo monetário astronômico.
A sociedade como um todo é culpada pelo lamentável e periclitante estado dos banhados do Rio dos Sinos. Os banhados de Campo Bom, sobretudo o da Barrinha, somam-se ao descalabro ambiental, porque medidas impopulares deixaram de ser tomadas. O Poder Público, em todas as instâncias, é culpado, porque contribui ao permitir aterros, canalizações, “desova de lixos”, edificações... A avançada e moderna legislação ambiental existe apenas no papel, enquanto as deficiências continuam decorrendo da falta de vontade de sua aplicação e cumprimento.
Uma consciência ecológica, através da educação ambiental, está sendo criada e incutida nas crianças, mais é insuficiente para inibir tamanha destruição da reserva ecológica. Um punhado de preservação permanente descreve e desenha um trágico cenário, onde a natureza é descrita como mero instrumento de lucro e de completo domínio humano. Vê-se um exemplo drástico de desleixo com o patrimônio de gerações, que outrora, majestoso, “imitava o Reno” e que, na atualidade, reproduz uma sarjeta.

Fonte: Livro "Histórias do Cotidiano Campobonense - Coletânea de Textos" (páginas 49 e 50 - ano 1998), de Guido Lang.


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