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segunda-feira, 13 de abril de 2020

A CRENÇA DA CANTORIA

Ouviu o galo cantar mas não sabe onde - O Livre
Guido Lang

Os antigos, na vasta ciência das vivências, alimentavam a crença da cantoria. Os galos, nos contextos dos acentuados alaridos do “cocoricó”, advinham pelo pátio colonial. A conduta, na boa energia e imagem, parecia querer entrar portas adentro das moradias. Os coloniais, em tarimbados no convívio dos desígnios da natureza, estabeleciam sua sutil leitura. O comportamento, no instinto das aves, sinalizava o agouro de visitas. A família, em proveniente de distante paragem, receberia inesperada visita. Os galos, no acirrado dos ânimos, pareciam os pôsteres. Os moradores rurais, em finais de semana, reparavam comportamento e organizavam-se ao eventual imprevisto e surpresa. A natureza, no estudo das entrelinhas dos desenrolares dos sucedidos, esconde valiosos enigmas. O perito, no observar atento, vislumbra os desígnios do clima. A sabedoria, no acumulado de gerações e séculos, confirma a ciência: “A mão do Todo Poderoso perpassa no contínuo da avaliação da Sua Obra”.

* Livro: Ciência dos Antigos

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://olivre.com.br/ouviu-o-galo-cantar-mas-nao-sabe-onde

sexta-feira, 3 de abril de 2020

O MANUSCRITO PARAGUAIO


Guido Lang

Um morador rural recebeu uma correspondência do Paraguai. Este manuscrito encontrava-se redigido num espanhol que era de difícil leitura. O colono e familiares, por um bom tempo, debruçaram-se sobre os significados daqueles escritos, que pareciam indecifráveis para leitores de formação escolar primária. Procurou-se levar a carta à professora da localidade, que também incompreendia aqueles registros literários.
Alguém, depois de dias de reflexão e tentativas de elucidar o enigma, lembrou- se do farmacêutico. Este tinha muita prática de decifrar manuscritos, pois as receitas médicas vinham redigidas de uma forma extremamente penosa. O profissional, depois de uma breve olhada, parecia continuamente elucidar os maiores garranchos, quando receitava remédios aos pacientes. O Johann, farmacêutico tradicional do vilarejo e “pau para muita obra”, foi procurado para dar uma olhada naquela mensagem. Este, como de práxis e movido pela sua costumeira curiosidade, não se negou a fazê-lo.
O profissional autodidata, depois de alguns minutos, voltou às estantes da farmácia e começou a pegar remédios. Ele achou que se tratava de algum receituário médico, que era costumeiramente recomendado aos pacatos moradores coloniais. O colono, diante da postura, ficou atônito, porque nem estava interessado em adquirir qualquer medicação.
O sucedido veio a elucidar a aparente suspeita que esporadicamente era comentada nas comunidades circunvizinhas ao lugarejo. O farmacêutico, em diversas oportunidades, comercializava remédios impróprios, que nem tinham recebido recomendação. O vendedor, desta forma, re- solvia seu problema de produtos encalhados, que careciam de compradores. A história do Johann cedo correu as comunidades, que riram da sua infelicidade e malandragem.
Somos, em diversas circunstâncias e momentos da existência, ludibriados em função de artifícios e de ignorância. A confiança excessiva, em situações, acaba aproveitada para tirar vantagem, mas a verdade, cedo ou tarde, revela-se através dos fatos.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 32, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

O CAVALO CORREDOR


Guido Lang

O lazer colonial, até os anos de 1960, era bastante escasso no contexto das colônias, onde carecia-se das facilidades de comunicação e locomoção para os diversos eventos comunitários.
Os colonos, de maneira geral, divertiam-se nos bailes anuais das entidades, nas carreiras de cavalos, nos festejos familiares, kerbs, partidas de futebol...
Um esporte bastante apreciado eram as tradicionais corridas de animais, que se sucediam nos potreiros das colônias..
A multidão, nos eventos previamente divulgados, afluía maciçamente às competições, nas quais faziam-se vultuosas apostas nos animais. Um baralho (carteado), sobre um pelego estendido no chão, ganhava importância, nos intervalos da diversão, pois nem sempre havia cadeiras e mesas para as partidas improvisadas.
Os moradores submetiam-se à realidade de carências, porque desconheciam maiores confortos e vantagens naquele pacato e rústico modelo de vida.
Um apostador e o dono de um cavalo corredor fizeram um negócio para alimentar e investir no aprimoramento do excepcional bicho. O dono entraria com a mão-de-obra, com a finalidade de tratar o animal e com os rotineiros treinos de corrida. O fanático apostador entraria com o trato (alimento) no qual não poderia faltar a abundância do milho.
O colaborador caprichou no investimento, pois sentia paixão pela corrida de cavalos, e apostava suas economias no corredor de sua preferência. O dono, numa falcatrua, desviava o cereal para o trato suíno, enquanto o colaborador nem desconfiava do roubo. O cavalo, numa aparente combinação, ganhava somente as corridas de menor número de apostas e perdia aquelas de maiores quantias.
O colaborador perdeu muito dinheiro com a história e praticamente faliu no seu negócio particular até descobrir a veracidade do engano e roubo. A malandragem sempre existiu nas mais diversas e modestas organizações sociais, pois enganar e roubar parece fazer parte do gênero humano.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 84, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang


quarta-feira, 1 de abril de 2020

O SUICIDA MASOQUISTA


Guido Lang

A vida depara-nos com inúmeras personalidades, nas quais incluem- se aquelas que sentem prazer com o sofrimento. Estes parecem adorar a auto-flagelação, assim como ocasionar incômodos alheios. As colônias também possuem este tipo de indivíduos que, momentaneamente, extrapolam a convivência comunitária.
Um colono resolveu tomar-se a vida, e fez referência aos propósitos. Amigos, familiares e vizinhos nem mais davam importância às “colocações furadas”. Alguns chegavam a interrogar sobre as razões daquele propósito, que estaria ligado a monotonia da existência. As dificuldades econômicas, carência de afeto familiar, trabalho excessivo eram causas, assim como doenças em função da chuva, ao frio, ao sol e ao vento na labuta rural.
A saúde, na juventude, parecia-lhe eterna, mas agora encontrava-se na velhice, sentindo os reflexos da imprudência. O rural, num belo dia, resolveu botar em prática seu palavreado. Pensou e refletiu muito em qual a maneira mais eficaz de ceifar-se a existência. Lembrou-se do poço fundo, que se localizava próximo à propriedade e do curso fluvial regional. O local, no verão, era aproveitado como balneário, onde alguns descuidosos pagaram a ousadia com a vida (em função de avançar excessivamente naquele poço).
O suicida, com o objetivo de confundir aqueles que viriam procurar o seu corpo, deixou seus chinelos nas pedras circunvizinhas ao poço fundo. Os colonos, depois do sumiço do morador, passaram a procurar o cidadão ou seu cadáver pela localidade, quando depararam-se com os artefatos de couro numa margem do rio. O suicídio naquelas águas parecia óbvio, que foram cuidadosamente vasculhadas. Homens-rã foram requisitados, mas nada de localizar o cadáver.
O curso fluvial, por quilômetros, foi percorrido em vão. Os abutres, dias depois, sobrevoaram a área e sinalizaram determinada putrefação. O cidadão tinha-se tomado a vida bem longe das pistas sinalizadas. Este valeu-se duma artimanha com a finalidade de confundir seus conhecidos.
O ser humano é capaz de empregar estratagemas esdrúxulos, quando almeja apagar pistas e confundir provas.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 48, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g1927726-d7777798-i295971917-Tunel_da_Mantiqueira-Passa_Quatro_State_of_Minas_Gerais.html

terça-feira, 31 de março de 2020

O CHAMADO DO VELHO ÍNDIO

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas

Guido Lang

O povo brasileiro tem muitas crendices e superstições, que refletem o quadro da miscelânea cultural. Inúmeras histórias são narradas de boca em boca, mas dificilmente ganham uma redação. O povo humilde dificilmente se dá o tempo e o trabalho de elaborar escritos, que descrevam a sua rica vivência.
Uma modesta família colonial tinha um pedacinho de terra próxima a um riacho, onde havia uma árvore centenária. A mulher, com frequência, ia ao córrego com o objetivo de lavar as roupas, porque não existia encanamento de água na residência. Inúmeras idas e vindas-faziam-se ao longo dum ano de penosa labuta.
A mulher, numa tarde, ouviu uma voz, que saía do fundo daquela terra, próxima do centenário vegetal. Esta, num primeiro instante, pensou tratar-se de alguém conhecido, mas olhou pelas redondezas e nada viu. Procurou prestar maior atenção em relação à procedência daquele chamado, que, vindo do solo, assustou-a tremendamente.
Esta, em meio aos temores, atendeu ao chamado, que dizia tratar-se dum indígena.
Um velho pajé, com a função de feiticeiro, profeta e sacerdote, tinha sido enterrado há décadas naquele espaço, mas sua alma ainda perambulava pelas redondezas daquele cemitério nativo.
A mulher achou tratar-se de um comunicado sobre a existência de tesouros.
As escavações, em poucos dias, iniciaram, mas não se encontrou nada de valioso.
A família, por causa de trabalho, mudou-se para a cidade e os  moradores do local acharam que esta tinha encontrado a ambicionada fortuna.
A coincidência da mudança tinha criado mais um conto colonial, no qual mesclam-se fatos concretos e imaginários.
Os seres humanos possuem mente fértil quando se trata de riquezas, pois histórias não faltam nas conversas informais sobre enriquecimentos. Os próximos parecem ganhar sempre mais fácil o dinheiro do que a gente.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 79, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://alegriadopovoam.wordpress.com/2018/06/02/a-velha-fantasma-da-amazonia/

segunda-feira, 30 de março de 2020

A LOCALIZAÇÃO DE ESTRELA/RS

Pânico: sapo gigante e perigoso se esconde dentro de casa na ...

Guido Lang

A vida consiste de alegrias e decepções; valemos, na sociedade consumista, na proporção dos benefícios que trazemos e somos descartados no volume dos encargos que causamos.
A vida, em circunstâncias e momentos, faz-nos deparar com instantes de burrice e ingenuidade.
Um colono, incomodado com a contínua presença de um sapo, "resolveu mostrar a localização de Estrela ao anfíbio". O bichinho, numa oportunidade, tinha sido levado e jogado nas águas do arroio Boa Vista, mas resolveu retornar às instalações criatórias daquele morador. A abundância de alimentos, em função da fartura de insetos, motivou-o a habitar aquele meio. As moscas criavam-se abundantemente nas estrumeiras e era necessário que a procriação excessiva fosse controlada naturalmente. O morador rural, não gostando de sapos e temendo pela saúde das criações e rebentos, resolveu “acabar com a raça” daquele ousado anfíbio que, no entanto, entendia-se como amigo e parceiro no sucesso econômico. O colono, num dia de mau humor, apanhou um sarrafo (ao alcance da mão) para bater no infeliz sapo. Procurou, num primeiro instante, respirar fundo e, com toda força, bateu no alvo e num dos azares da existência,
errou a pontaria. O bichinho deu um pulo e se livrou da desgraça.
O cidadão, com a força da batida, quebrou a madeira em diversas partes e um pedaço voou em direção ao seu nariz. A batida, efetuada numa pedra, causou o infortúnio, que acirrou a raiva do autor. O camarada,  em meio a dor e sangue, deu gritos de fúria, assim como, refletiu sobre a burrice do seu ato. O rosto, nos minutos posteriores, começou a inchar e a aplicação de gelo parecia insuficiente para sanar as marcas do acidente. Os familiares precisaram ajudar na emergência e os vizinhos estranharam o “griteiro”. Os amigos, ao saberem do ocorrido, deram gargalhadas da esdrúxula situação.
A história de mostrar a exata localização de Estrela, conforme afirmativa explanada anteriormente ao sucedido, ficou registrada na memória comunitária.
Os seres vivos de escala evolutiva inferior à humana também merecem nossa consideração e respeito, pois não tem culpa de sua situação  e adoram, igualmente, viver. Deus, em certas situações, pode não matar, mas dá-se ao trabalho de castigar os atos impensados.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 21, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang

* Crédito da imagem: https://br.sputniknews.com/

domingo, 29 de março de 2020

A PESCA À ESPINGARDA

Guido Lang

A proliferação de açudes tornou-se algo comum nas propriedades minifundiárias de subsistência, quando os órgãos de assistência rural incentivam a criação de peixes.
Inúmeras áreas improdutivas, em forma de banhados, ganharam uma excepcional importância, porque encontraram uma viabilidade econômica.
A piscicultura inclui-se na proposta de tornar viável a pequena propriedade familiar, que se depara com enormes dificuldades para competir com as grandes lavouras comerciais.
A diversificação produtiva pode ser um meio de sobrevivência de diversas famílias, que obtêm novas forma de rendimentos. O contínuo consumo de peixes torna-se uma realidade com a história dos açudes, assim como a comercialização de eventuais excedentes.
Diversos colonos, nos últimos anos, investiram na edificação de reservatórios de água, nos quais criam-se sobretudo a carpa capim e a húngara. Os peixes criados recebem diariamente alguma alimentação, o que acentua o seu rápido desenvolvimento.
A apreciação dos enormes peixes, em meio ao trato, tornou-se um espetáculo que atrai familiares e tratadores.
Os criadores, em diversos momentos, adorariam consumir algum peixe que, no entanto, não vai nos anzóis. Os pescadores clandestinos inclusive afastaram-se dos açudes alheios, porque conhecem a inutilidade das pescarias “nas lavouras alheias”.
O esvaziamento frequente da represa, para apanhar alguns quilos de carne, também é uma impossibilidade.
Um produtor, no entanto, aprendeu uma nova forma de apanhar os peixes. Ele, diariamente, tratava-os num determinado espaço, que o cardume acabou conhecendo.
O inteligente, quando do interesse, deixava-os passar fome, com razão de, em seguida, tratá-los com migalhas. Deste modo, os peixes afluíam em massa. Neste instante, abatia-os a tiros de espingarda, evitando o inconveniente de esvaziar o reservatório e a inutilidade das pescarias.
Alguns pescadores clandestinos descobriram a prática e num cochilo dos proprietários dos açudes seguiram o aprendizado.
A descoberta de novidades pode abrir precedentes para sua aplicação em objetivos escusos.

* Texto extraído de "CONTOS DO COTIDIANO COLONIAL" (2000), página 47, de GUIDO LANG.

* Edição: Júlio César Lang