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quinta-feira, 12 de julho de 2012

 UM ESTRANHO "BAGUAL"

Os balneários, nos arroios e rios, tornaram-se atrativos nos dias ensolarados e quentes de verão. Milhares de famílias urbanas, nos finais de semana e férias, dirigem-se aos recantos naturais, onde procuram descanso e lazer, com vistas a fugir da agitação, da correria e estresse nas cidades.
Os espaços de banhos e camping, de maneira geral, possuem uma improvisada e precária infra-estrutura, que se relaciona a churrasqueiras e sanitários. A educação dos visitantes, em diversas circunstâncias, pouco contribui para as boas condições de higiene e saúde, que são indispensáveis para uma convivência digna e saudável em sociedades massificadas. Inúmeros indivíduos, por desconhecimento ou malícia, urinam na água dos riachos, onde uma multidão toma banho.
Uma pacata família urbana, enjaulada atrás de grades durante a semana de trabalho, foi curtir os momentos de folga num desses balneários interioranos. Uma ceia familiar, em forma de churrasco, foi feita num matinho próximo ao local de banho, que se via tomado por forasteiros. O excessivo calor da cidade, dominada pelo asfalto e concreto, contribuiu para que dessem um passeio no refúgio natural, que se localizava a poucos quilômetros da residência familiar. O preço acessível do ingresso e a proximidade do local contribuíram para a escolha, pois os assalariados não podem dispender muitos recursos monetários em lazer e recreação.
O cidadão, pai da família de visitantes, entrou na água para curti-la e tomar um bom banho, com a maior calma do mundo. Ele, em meio a frescura do preciosos líquido, deu um discreto mergulho e suspirou em seguida, no contexto desse agradável ambiente. O indivíduo abriu a boca, espreguiçou-se e voltou a nadar; deparou-se, em meio ao suspiro e à natação, com um grande e tremendo "bagual" humano, que vinha nadando tranquilamente pela água do córrego. O camarada, durante a profunda respiração bucal, praticamente engoliu a necessidade fisiológica (fezes humanas), que muito o assustou e enojou.
A vida em sociedade reserva-nos inúmeras surpresas, agradáveis e desagradáveis, que nos fazem deparar com as mais variadas situações.

(Trecho extraído de "Contos do Cotidiano Colonial: Coletânea de Textos" de GUIDO LANG).




A FIGUEIRA CENTENÁRIA



As colônias alemãs, sobretudo do Vale do Taquari, foram abaladas pela Revolução Federalista (1893 - 1895). Os maragatos e pica-paus continuamente incursionavam pelas picadas, e ambos adonavam-se de víveres e roubavam as casas comerciais. 
Os colonos, em diversas oportunidades, viram suas criações e plantações pilhadas. As tropas, sem mantimentos, abasteciam-se nas pacatas pequenas propriedades rurais, que cediam aves, bovinos e suínos, assim como montarias. Os moradores, com vistas a não sofrer maiores represálias, cediam os bens. Os dividendos monetários, acumulados com muita economia e trabalho, também necessitaram de esconderijos seguros, pois atiçavam a cobiça humana.
Um morador colonial, perseguido pelos maragatos (por ser simpatizante dos castilhistas), precisou esconder-se no interior dos matos da sua propriedade, pois recebia, constantemente, visitas de inimigos. Estes, a todo momento, procuravam-no com o intuito de degolá-lo, era tido como informante dos republicanos. Necessitou também esconder seu numerário financeiro, que consistia nalguns quilos de moedas de ouro e prata (do período colonial). Ele, como refugiado, resolveu armazená-lo no interior de um orifício oco do tronco da tradicional figueira centenária. O colono, com convicção, confiou na segurança daquela guarda, pois o período revolucionário certamente seria breve.
A instabilidade política e a perseguição estenderam-se por meses. O cidadão, num belo dia, veio a adoecer e a morte súbita ceifou-lhe a existência. O dinheiro, durante décadas, ficou guardado no interior de uma exuberante figueira, que mantinha-se como símbolo da perenidade. As gerações de familiares, vinham e iam, e nada de desfazer o mistério das moedas. Ele, inclusive, tinham dado origem a histórias familiares, que eram narradas de pais para filhos. Os forasteiros e moradores, em diversas ocasiões, chegavam a abrigar-se nas sombras da formosa árvore, que não parecia ostentar maiores segredos.
Um agricultor, com vistas a fazer uma espaçosa roça, resolveu derrubar a árvores, que, com o advento da mecanização agrícola, representava um estorvo. A motosserra, em poucos minutos, foi ceifando e retalhando a planta, quando, numa certa altura, escutou-se um estranho ruído. O barulho denunciou a presença de metais, e vieram à tona as extraviadas moedas. Uma alegria tomou conta do pacato trabalhador rural que, casualmente, deparou-se com a fortuna.
A vida, em escassas oportunidades, defronta-nos com dádivas e surpresas.

(Trecho extraído de "Contos do Cotidiano Colonial: Coletânea de Textos" de GUIDO LANG).


Crédito da imagem: http://www.tuapalavra.com/login/fotos/6975b89101.htm
O PELEGO DO DEGOLADOR MARAGATO



Uma propriedade colonial, em 1893, conheceu uma invasão repentina dos maragatos. Os federalistas, de sopetão, entraram nas instalações rurais, e proprietários e familiares nem tiveram tempo de fugir para os matos próximos.
O colono, para safar-se de maiores represálias, atendeu bem aos forasteiros indesejáveis pois tinha ouvido falar dos recentes horrores da guerra fratricida entre o povo riograndense, pois irmãos gaúchos degolavam-se por divergências políticas.
O morador, vivendo bastante isolado, conhecia pouco das divergências ideológicas entre federalistas e republicanos, que ensanguentavam barbaramente o solo do Rio Grande do Sul. O cidadão, na prática, almejava viver em paz e labutar na terra para dela extrair seu sustento. Os seus pais, há poucas décadas, tinham abandonado a Europa com a finalidade de safar-se das intermináveis guerras europeias.
O chefe maragato, Altenhofen, falou da necessidade de cavalos e mantimentos diante da precisão de guerra,   porque a tropa de combatentes via-se carente de provisões e recursos. O colonial, com o objetivo de poupar aborrecimentos e a vida, cedeu gado, equinos e suínos, que acabaram abatidos no lugar, e os animais de montaria que foram levados. Um revolucionário viu ainda estendido um excepcional pelego, que muito lhe agradou. O colono, diante do temor das armas, deu-o de cortesia, pois não queria maiores implicações com os rebeldes.
Alguns meses depois um filho do morador dirigiu-se da Linha Schmidt para a Picada Catarina. Este, com sua montaria, viu-se parado, próximo ao Passo da Capivara, por uma turminha de maragatos. Os revolucionários, por alguma razão, quiseram degolá-lo.
O carrasco, com a determinação recebida do superior, encontrava-se pronto para concretizar o ato. A vítima, em meio ao maior desespero e na última tentativa de safar-se da vida, falou: "Estás vendo aquele pelego no teu cavalo? Meu pai deu-lhe como presente e agora, como gratidão, almeja matar seu rebento?" O algoz sensibilizou-se diante da afirmativa e respondeu: "Toma o teu potro e some daqui. Não saia de casa durante a Revolução Federalista". O modesto pelego salvou-lhe a vida e o cidadão refugiou-se no interior duma propriedade.
Pequenas cortesias aproximam as pessoas e resultam, costumeiramente, em troca de favores.

(Trecho extraído de "Contos do Cotidiano Colonial: Coletânea de Textos" de GUIDO LANG).

terça-feira, 10 de julho de 2012

O chamado do velho índio


O povo brasileiro tem muitas crendices e superstições, que refletem o quadro da miscelânea cultural. Inúmeras histórias são narradas de boca em boca, mas dificilmente ganham uma redação. O povo humilde dificilmente se dá o tempo e o trabalho de elaborar escritos, que descreviam sua rica vivência.
Uma modesta família colonial tinha um pedacinho de terra próxima a um riacho, onde havia uma árvore centenária. A mulher, com frequência, ia ao córrego com o objetivo de lavar as roupas, porque não existia encanamento de água na residência. Inúmeras idas e vindas faziam-se ao longo dum ano de penosa labuta.
A mulher, numa tarde, ouviu uma voz que saía do fundo daquela terra, próxima do centenário vegetal. Esta, num primeiro instante, pensou tratar-se de alguém conhecido, mas olhou pelas redondezas e nada viu. Procurou prestar mais atenção em relação à procedência daquele chamado, que, vindo do solo, assustou-a tremendamente.
Esta, em meio a temores, atendeu ao chamado, que dizia tratar-se dum indígena.
Um velho pajé, com a função de feiticeiro, profeta e sacerdote, tinha sido enterrado há décadas naquele espaço, mas sua alma ainda perambulava pelas redondezas daquele cemitério indígena.
A mulher achou tratar-se de um comunicado sobre a existência de tesouros.
As escavações, em poucos dias, iniciaram mas não se encontrou nada de valioso.
A família, por causa do trabalho, mudou-se para a cidade e os moradores do local acharam que esta tinha encontrado a ambicionada fortuna.
A coincidência da mudança tinha criado mais um conto colonial, no qual mesclam-se fatos concretos com imaginários.
Os seres humanos possuem mente fértil quando se trata de riquezas, pois histórias não faltam nas conversas informais sobre enriquecimentos.
Os próximos parecem ganhar sempre mais fácil o dinheiro do que a gente.


(Trecho extraído de “Contos do Cotidiano Colonial: Coletânea de Textos” de Guido Lang).

Crédito da imagem: http://downloads.open4group.com/wallpapers/1024x768/arvore-centenaria-11382.html

segunda-feira, 9 de julho de 2012

PENSAMENTO

"Vê-des o homem diligente escrevendo sobre a sua escrivaninha, pois saibas que ele viverá por incontáveis séculos".

Júlio Lang
 A SERENA PASSAGEM PARA O ALÉM


A doença e a morte são um flagelo da humanidade que, em quaisquer sociedades, reúne entes queridos ao redor dos enfermos. O meio colonial não fugiu à regra, pois quaisquer enfermidades mais graves eram causa de comentários e preocupações generalizadas.
A notícia da doença cedo difundia-se entre os moradores e amigos e vizinhos auxiliavam a família nas dificuldades e promoviam visitas. Um moribundo reunia familiares e religiosos, ocasião em que se ministrava a Santa Ceia "nos momentos últimos" daquela existência.
A família, como pais e rebentos, promovia uma reunião final, na qual procurava-se conviver os instantes finais com aquele agonizante.
Sucedeu-se, numa oportunidade, o encontro final dum clã rural, quando o patriarca encontrava-se no leito de morte. O cidadão estava passando da dimensão terrena para a eterna, pois o bom cristão acredita piamente na ressurreição. Uma filha, moradora a quilômetros de distância do solar familiar, atrasou-se para o encontro da Ceia e chegou chamando pelo moribundo.
Esta, em meio ao desespero da situação, gritou pelo nome do "quase finado", com o que interrompeu e atrapalhou a "serena passagem para o além".
O moribundo, conforme relato destes familiares, narrou sua experiência de viagem ao outro mundo, quando viu-se interrompido da jornada. Ele, depois de mais dois dias de vida, reclamou do procedimento, porque atrapalhou tremendamente a sua sossegada morte.
O ancião narrou sua odisseia; tinha sido buscado por anjos. Estes teriam-no conduzido, numa tranquila viagem, em direção a um lugar extremamente belo, luminoso e quieto, que trouxe vontade de permanecer e curtir.
As pessoas, com ensinamento e sabedoria, não devem chamar pelo nome dos moribundos quando estes tomam a direção da vida eterna. Estes precisam ser deixados em paz com o objetivo de alcançarem um sereno procedimento. A vida eterna parece ser uma passagem para uma existência mais fecunda.


(Trecho extraído de "Contos do Cotidiano Colonial: Coletânea de Textos" de GUIDO LANG).


Crédito da imagem: http://auribertoeternochocalheiro.blogspot.com.br/2010/06/surge-uma-luz-no-fim-do-tunel.html

sábado, 7 de julho de 2012

O CLARÃO DE LUZ


Algumas pessoas, em momentos, deparam-se com fatos estranhos. Estes vêem coisas e não compreendem o sentido desses avisos e marcas. Estas pessoas, em instantes, chegam até a comentar as visões, mas acabam costumeiramente sendo chamados de doidos e lunáticos.
Por isso procura-se, em decorrência, esconder estas visões, quando não se conseguia desvendar os poderes ou razões destes sinais. Uma humilde trabalhadora colonial, com frequência via uma luz nas caladas da noite. Esta lumiosidade aparecia num pé de umbu, que se localizava num capão de mato. A mulher chegava a conversar com os familiares sobre o estranho clarão, por isso eles também quiseram apreciá-lo.
Estes porém não o viam, enquanto a senhora enxergava-o sem maiores dificuldades.
Diversos anos transcorreram em meio ao enigma familiar, que carecia de maiores explicações. Nenhum membro, devido aos temores dos mistérios naturais, arriscava a vida com a finalidade de vasculhar as proximidades da planta. A família dizia: o clarão é mais uma das fantasias e loucuras da mãe!
Uns estranhos, numa bela ocasião, casualmente vieram fazer uma visita à propriedade rural. As conversas informais decorriam em meio a diversidade de assuntos, quando tocou-se naquele assunto da estranha luz. Os forasteiros  escutaram atentamente a história e depois de dias, retornaram com detector de metais. O aparelho sinalizou uma alta concentração de metais, por isso diversos homens passaram a cavar o lugar assinalado.
O resultado, depois de intenso trabalho, revelou um achado inimaginável. Alguns restos de ossos humanos viam-se resguardados por uma espada de metal e diversas moedas de ouro e prata. O local guardava o jazigo dum revolucionário, que acabara sendo degolado nalguma revolução.
A estranha luz, portanto, tinha razão de existência em meio ao resquício de mato.
A terra guarda preciosos segredos, que, em momentos, revelam-se aos humanos.



(Trecho extraído de "Contos do Cotidiano Colonial: Coletânea de Textos" de GUIDO LANG).


Crédito da imagem: http://clubecetico.org/forum/index.php?topic=13837.525