Guido Lang
O
banhado de Campo Bom, conhecido como o primeiro e principal pântano na descida
do curso fluvial, apresenta um cenário entristecedor, porque continuamente e
progressivamente sofre agressões com aterros, caçadas, canalizações, desmatamentos,
extrativismo e lixo... Um recanto e refúgio natural, patrimônio de gerações,
acaba permanentemente ceifado e mudado em função da cobiça humana, desde que a
valorização imobiliária descobriu o grande filão econômico. Diversas áreas, da
noite para o dia, acabam aterradas ou canalizadas, e, em seguida, pipoca mais
uma construção, que, sob forma de casebre ou olaria, rouba um pedacinho de
terra, de modo que o espaço de filtração dos mananciais hídricos acaba reduzido.
Os
lixos, sobretudo plásticos, espalham-se aos “quatro ventos” e contrastam com o
ambiente natural. Estes, de todas as formas e em quantidades inimagináveis, são
atirados e trazidos pelas águas, revelando facetas trágicas do nosso modelo de
vida. Os odores, oriundos de elementos inorgânicos e orgânicos, espalham-se ao
longo da estrada geral da Barrinha. Forasteiros e visitantes interrogam-se
sobre a procedência desses cheiros. As águas escuras e mal cheirosas, no
período das cheias, escondem a poluição líquida e os dejetos domésticos e
industriais. As estiagens também denunciam a irracionalidade humana, quando
poluímos nosso habitat com elementos tóxicos.
A
população, de maneira geral, desconhece ou ignora a importância dos banhados,
que não existem em vão ao longo do curso fluvial. Eles possuem a função
primordial e sublime de purificar águas, que cruzam uma das áreas mais
industrializadas do território gaúcho. O controle da vazão, na época das
enchentes, caracteriza outra finalidade, quando são um grande regulador das
excessivas precipitações. A contenção das cheias sucede-se pela contenção
parcial da massa líquida pelos banhados, que momentaneamente, não consegue
desaguar no Guaíba. A oxigenação do ar, num contexto de maior poluição
atmosférica (em decorrência da massiva combustão automotora), revela-se outra
contribuição ambiental. Os cantos e recantos de lazer e recreação, em forma de
balneários, campings, entre outros, podem ser uma fonte econômica, porque são
um refúgio nos verões quentes e secos para as populações carentes. Os
extrativismos animal e mineral, apesar das desrecomendações e proibições, são
outro fato corriqueiro. Extrai-se argila e areia assim como se promovem caçadas
e pescarias. A extração de madeiras para queima (como lenha) é outra triste
sina.
O
principal filão econômico dos banhados, nas próximas décadas, ainda está por
vir, quando o espaço poderá ser canalizado para massiva produção de peixes.
Centenas de reservatórios artificiais poderão ser edificados, podendo ser
aproveitados também como espaços de camping. O extrativismo mineral, de argila,
mantêm-se uma atividade produtiva centenária. Fornos e olarias continuarão
produzindo artigos de barro. Resquícios esparsos da floresta natural, com raras
espécies animais, poderão e serão motivo de muita curiosidade aos olhos humanos.
Então crianças e jovens adorarão conhecer “algumas migalhas do ambiente
geográfico original”. A necessidade de águas consumíveis forçará a tomada de
medidas de preservação ambiental, que terão um custo monetário astronômico.
A
sociedade como um todo é culpada pelo lamentável e periclitante estado dos
banhados do Rio dos Sinos. Os banhados de Campo Bom, sobretudo o da Barrinha,
somam-se ao descalabro ambiental, porque medidas impopulares deixaram de ser
tomadas. O Poder Público, em todas as instâncias, é culpado, porque contribui
ao permitir aterros, canalizações, “desova de lixos”, edificações... A avançada
e moderna legislação ambiental existe apenas no papel, enquanto as deficiências
continuam decorrendo da falta de vontade de sua aplicação e cumprimento.
Uma
consciência ecológica, através da educação ambiental, está sendo criada e
incutida nas crianças, mais é insuficiente para inibir tamanha destruição da
reserva ecológica. Um punhado de preservação permanente descreve e desenha um
trágico cenário, onde a natureza é descrita como mero instrumento de lucro e de
completo domínio humano. Vê-se um exemplo drástico de desleixo com o patrimônio
de gerações, que outrora, majestoso, “imitava o Reno” e que, na atualidade,
reproduz uma sarjeta.
Fonte: Livro "Histórias do Cotidiano Campobonense - Coletânea de Textos" (páginas 49 e 50 - ano 1998), de Guido Lang.
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